Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Ultraprocessados são os vilões para uma alimentação saudável

A lista é grande: refrigerantes, sucos de caixinha, frango empanado congelado, macarrão instantâneo entre outros


A receita é informar, educar e combater. Informar de modo claro o valor nutricional dos alimentos. Principalmente dos chamados ultraprocessados, que envolvem refrigerantes, sucos de caixinha, frango empanado congelado, macarrão instantâneo e outros. Educar a população, para que saiba optar por uma alimentação mais saudável e exija o acesso fácil e barato a produtos in natura. E combater, com políticas públicas, o excesso de propaganda de grandes empresas, responsáveis pelos industrializados e com poder para tornar as medidas anteriores praticamente inócuas.

Para o professor Carlos Monteiro, médico, doutor em saúde pública e coordenador do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da Universidade de São Paulo (USP), a cadeia de ultraprocessados é a principal causa da epidemia de obesidade que atinge o planeta. Monteiro trava uma luta de longo tempo contra a alimentação ultraprocessada. Ao ressaltar a importância de se promover mudanças o quanto antes, o estudioso mostra que, em 2018, 19,8% dos brasileiros das capitais dos 26 estados apresentaram quadro de obesidade. Entre 1975 e 2013, o número de pessoas com esse tipo de problema saltou de 5,4% para 21%.

Monteiro lembra que o processamento de alimentos inclui a ;remoção de partes não comestíveis, secagem, resfriamento, congelamento, pasteurização, fermentação, fervura, cozimento, moagem, prensagem, centrifugação;, entre outros procedimentos. O produto final dura mais e costuma ser de fácil preparo. Porém, não é palatável. Por isso, ganha aditivos como a gordura hidrogenada, ou sais e açúcares em excesso, por exemplo. Comparados, os alimentos não processados têm menos sais e gorduras e mais fibra e proteínas.


Outro problema, explica o professor, são as ações de marketing ;sofisticadas e agressivas; para convencer o consumidor a comprar os produtos sem levar em conta o valor nutricional. O poder de convencimento da indústria de ultraprocessados é muito superior ao do governo e o de produtores locais, garante.

Marketing agressivo

Para o professor, a melhor forma de equilibrar a relação entre produtos ultraprocessados e não processados é a partir de políticas públicas. O motivo é justamente o poder econômico e o marketing agressivo do ramo, que chega a vender brinquedos com os alimentos para torná-los mais sedutores. Com a mudança na oferta, o consumidor teria mais chances de optar pelo mais saudável. ;Quando você consome um alimento não saudável, deixa de consumir um saudável. É preciso trazer um equilíbrio. Fazer com que a oferta de produtos saudáveis seja tão frequente, ou mais, que os alimentos não saudáveis. Políticas públicas são a única forma de contrabalançar essas empresas que têm um poder muito grande e produzem alimentos não saudáveis;, alerta.

A obesidade também não é a única doença provocada pelo consumo excessivo dos industrializados. Uma pesquisa recente feita com 20 pacientes comparou o efeito de uma alimentação livre desses alimentos com outra, feita exclusivamente com esses produtos. O grupo foi dividido em dois e o experimento durou duas semanas, para que fosse possível revezar o que era servido a cada conjunto e comparar os efeitos decorrentes.

;É um estudo extremamente controlado que confirma vários outros (estudos) que foram feitos com milhares de pessoas, acompanhadas, naturalmente, sem esse rigor de fazer com que se alimentassem apenas de ultraprocessados. Mostra que o consumo de industrializados está associado não só à obesidade, mas a doenças cardiovasculares, alguns tipos de câncer, depressão e mortalidade precoce;, enumera o especialista.

;Nenhum país do mundo foi capaz, até o momento, de interromper a epidemia de obesidade, nem de diminuir o consumo de alimento ultraprocessado. Mas, em vez de isso nos desestimular, precisa nos impelir a buscar caminhos. Até hoje, nunca fizemos uma política corajosa de desincentivar esses alimentos;, lamenta. O máximo que, às vezes, se faz, completa Monteiro, é incentivar o consumo de alimentos saudáveis.

;Aparentemente, isso não é suficiente. O poder de convencimento de corporações transnacionais diante de agricultores que vendem alface e tomate é incomparável. Sem políticas públicas, vai ser muito difícil resolver essa situação;, observa Carlos Monteiro.