A espécie à qual pertence o crânio é a Australopithecus anamensis e, por ora, trata-se da mais antiga representante do gênero Australopiteco, um hominídeo do qual o homem moderno descende. Ela já era conhecida, mas, até então, só havia dentes e fragmentos ósseos, datados de 4,2 e 3,9 milhões de anos, descobertos em 1981. O espécime escavado em Miro Dora tem 3,8 milhões de anos e, como o crânio está completo, revelou a face do ;avô; da humanidade.
;Ele tem uma mistura de características faciais primitivas e derivadas que eu não esperava ver em um único indivíduo;, disse, em uma coletiva de imprensa, o paleontólogo Yohannes Haile-Selassie, do Museu de História Natural de Cleveland, que liderou o estudo sobre esse fóssil. ;O A.anamensis já era uma espécie sobre a qual sabíamos algumas coisas, mas esse é o primeiro crânio descoberto. É bom finalmente conseguirmos dar uma face ao nome. Até agora, tínhamos um gap muito grande entre o ancestral humano mais antigo conhecido, que tem cerca de 6 milhões, e as espécies como as de Lucy, entre 2 e 3 milhões de anos. Um dos aspectos mais interessantes dessa descoberta é que o espécime faz a ponte no espaço morfológico entre os dois grupos;, complementou Stephanie Melillo, pesquisadora do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva e coautora de dois artigos sobre a descoberta, publicados na revista Nature.
Além de revelar uma importante peça da anatomia do A.anamensis, o crânio desafia a crença de que a transição dessa espécie para a de Lucy foi linear. Ao contrário, a datação demonstra que, por 100 mil anos, eles coexistiram. O fóssil foi encontrado a 55km de Hadar, onde Lucy foi escavada, em 1974. ;Nós costumávamos pensar que o A. anamenis gradativamente se transformou no A. afarensis ao longo do tempo. Ainda acreditamos que as duas espécies tiveram uma relação de ancestral-descendente, mas a nova descoberta sugere que elas estavam, na verdade, vivendo juntas no Afar por algum tempo. Isso muda nossa compreensão sobre o processo evolutivo e levanta novas questões. Por exemplo: elas competiam por comida e espaço?;, questionou Melillo. Para Selassie, trata-se de uma reviravolta sobre a evolução humana durante o Plioceno.
Paisagem
A edição da Nature também traz um artigo de Beverly Saylor, pesquisadora da Universidade da Reserva de Case Western, que determinou a idade do fóssil por meio da datação de minerais nas camadas de rochas vulcânicas próximas ao local em que ele foi encontrado. Saylor e a equipe da universidade combinaram observações em campo com análises de restos biológicos microscópicos para reconstruir a paisagem, a vegetação e a hidrologia da época e do local onde o espécime descoberto morreu. O indivíduo foi encontrado em depósitos arenosos no delta, onde um rio se encontra com um lago. O rio provavelmente se originou nas terras altas do platô etíope, enquanto o lago desenvolveu-se em elevações mais baixas, afirma a pesquisadora.Fósseis de pólen e grãos, além de restos químicos de plantas e algas preservadas no lago e nos sedimentos do delta forneceram algumas pistas sobre as condições ambientais na época em que o A.anamensis viveu. Especificamente, eles indicam que a bacia hidrográfica era basicamente seca, mas que também havia áreas de floresta às margens do delta e do sistema lacustre. ;Ele viveu perto de um grande lago em uma região que era seca. Estamos ansiosos para conduzir mais trabalhos nesses depósitos para entender o ambiente do espécime, a relação com as mudanças climáticas e como isso afetou a evolução humana de forma geral;, disse, em uma nota, Naomi Levin, pesquisadora da Universidade de Michigan e coautora do estudo.