Ciência e Saúde

Estudo aponta como comportamento sexual é mais complexo do que se imaginava

Consórcio de cientistas analisa o DNA de 470 mil indivíduos e conclui que a atração por pessoas do mesmo sexo biológico tem influências genéticas e ambientais múltiplas. Tamanho da base populacional analisada para a temática é inédito

Paloma Oliveto
postado em 30/08/2019 06:00
Consórcio de cientistas analisa o DNA de 470 mil indivíduos e conclui que a atração por pessoas do mesmo sexo biológico tem influências genéticas e ambientais múltiplas. Tamanho da base populacional analisada para a temática é inéditoDesde que a ciência começou a mapear o genoma humano, na década de 1990, pesquisadores utilizam as ferramentas de sequenciamento para tentar responder a uma pergunta ainda não esclarecida: haveria um ;gene gay;? Alguns estudos sugeriram que sim. Contudo, nenhum deles foi realizado a partir de uma grande base populacional. Agora, um consórcio internacional investigou a questão a partir do DNA de 470 mil pessoas. O resultado, publicado na revista Science, pode frustrar quem espera uma explicação simples para algo tão complexo quanto a sexualidade.

As análises estatísticas revelaram que cinco locais do cromossomo humano foram associadas com o comportamento homossexual em um nível significativo, disseram os autores. Contudo, essas regiões correspondem a uma parte inexpressiva do genoma: menos de 1%. Além disso, o estudo computacional revelou que milhares de outras variantes também têm pequenas participações nesse traço e, ao lado dos cinco locais do genoma, correspondem de 8% a 25% das variações genéticas dos participantes que afirmaram já terem tido parceiros do mesmo sexo.

A principal conclusão do artigo é que, assim como outros traços do comportamento humano, a atração por pessoas do mesmo sexo biológico tem influências ambientais e genéticas complexas que, ao menos por enquanto, não podem ser definidas claramente. ;Esse não é o primeiro estudo que explora a genética do comportamento homossexual, mas os anteriores eram pequenos e, na maioria dos casos, não confiáveis;, disse, em uma coletiva de imprensa, Andrea Ganna, pesquisador do Broad Institute do MIT, em Harvard, e principal autor do artigo. ;Acho importante destacar que é basicamente impossível predizer a atividade ou orientação sexual apenas pela genética. Então, questões como escore poligênico (número de variantes associadas ao comportamento homossexual que uma pessoa tem) não serão úteis para nenhuma predição significativa;, observou.

;Espero que a ciência possa ser usada para educar as pessoas um pouco mais sobre o quão natural e normal é o comportamento (de ter parceiros do mesmo sexo);, disse Benjamin Neal, geneticista do Broad Institute do MIT, em Harvard, e um dos principais pesquisadores que participaram do estudo. ;Está escrito nos nossos genes e é parte do nosso ambiente. Ou seja, isso faz parte da nossa espécie e é parte do que nós somos.;

Crítica

Contudo, o estudo foi recebido com críticas pelo Out of Broad, o comitê LGBT do Broad Institute, ao qual os autores do artigo são afiliados. Em entrevista ao site do The New York Times, o geneticista Steven Reilly, que faz parte do Out of Broader, disse que uma das preocupações é que, ao atribuir amplamente aos fatores ambientais o comportamento homossexual, o artigo acabe encorajando pessoas e grupos que insistem na tese de que ser gay é uma opção e que, por isso, poderia ser alterada por meio de táticas como ;terapias de conversão;. ;Discordo profundamente da publicação desse artigo. Em um mundo sem qualquer discriminação, compreender o comportamento humano é um objetivo nobre, mas não vivemos nesse mundo;, afirmou.

A polêmica envolvendo o artigo fez com que o Broad Institute publicasse um esclarecimento em seu site, algo incomum nesse que é um dos mais renomados institutos de pesquisa do mundo. ;Esse estudo não faz declarações conclusivas sobre em que grau, natureza ou ambiente influenciam orientação ou comportamento sexual, mas indica que ambos provavelmente desempenham um papel;, diz o texto. ;Esse estudo é sobre comportamento sexual, não sobre orientação sexual ou identidade de gênero. A questão central do estudo ; se os participantes já tiveram um parceiro do mesmo sexo ; reflete apenas um pequeno aspecto da complexidade do comportamento sexual humano. Os autores observam essa importante limitação no artigo;, continua.

Em um artigo de perspectiva publicado na Science, a socióloga Melinda C. Mills, da Universidade de Oxford, ponderou que ;atribuir orientação sexual à genética pode melhorar os direitos civis ou reduzir o estigma. Por outro lado, há receio de que isso forneça uma ferramenta para intervenção ou ;cura;;. Ela lembra que ter parceiros do mesmo sexo já foi classificado como patologia e é crime em mais de 70 países, alguns deles punidos com pena de morte. ;Trabalhos futuros devem investigar como as predisposições genéticas são alteradas por fatores ambientais, com esse estudo destacando a necessidade de uma abordagem multidisciplinar sociogenômica.;

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