Há dois anos, os pesquisadores vêm trabalhando no desenvolvimento da tecnologia. Como não havia aparelhos de realidade aumentada específicos para pessoas com problemas de visão, a equipe decidiu buscar uma solução inovadora e acessível. ;As tecnologias atuais de visão, que usam realidade virtual, são limitadas e podem ser difíceis de serem usadas, além de exigirem que pacientes se submetam a treinamento extensivo;, aponta Mark Humayun, principal autor do estudo e professor de oftalmologia na Escola Keck.
Os cientistas desenvolveram um sistema exclusivo e único para óculos de realidade aumentada. Os sensores mapeiam toda a estrutura 3D do ambiente em que está o usuário, identificando profundidade e altura tanto do espaço quanto de objetos próximos. O mapa gerado é usado para calcular, em tempo real, a distância do usuário de obstáculos. Cores luminosas identificam e diferenciam a proximidade deles. Essas informações aparecem na tela dos óculos e, a partir delas, o indivíduo com baixa visão pode se situar no ambiente e desviar, com mais facilidade, de objetos e pessoas.
O sistema foi desenvolvido para ser facilmente aplicado em qualquer óculos de realidade aumentada. ;Queríamos aproveitar tecnologias já comercializadas para garantir que ele seja acessível para todos;, frisa Anastasios Nikolas Angelopoulos, líder do projeto. Ele começou a pesquisa ainda como estudante na Escola de Medicina Keck. Atualmente, é estudante de doutorado em engenharia elétrica e ciências da computação na Universidade da Califórnia em Berkeley.
Retinose pigmentar
Para os testes, os pesquisadores utilizaram um óculos de realidade virtual já comercializado e avaliaram voluntários com retinose pigmentar, uma doença ocular hereditária, na qual os pacientes perdem a visão progressivamente. ;Esses pacientes têm visão periférica diminuída e dificuldade para enxergar com pouca luz, o que dificulta a identificação de obstáculos e a percepção de objetos. Eles, geralmente, necessitam de auxílio para locomoção, especialmente em ambientes escuros;, explica Angelopoulos.
No primeiro experimento, os participantes usaram os óculos adaptados enquanto andavam em uma pista de obstáculos com formato de labirinto. Analisando as gravações, a equipe conseguiu avaliar o número de vezes que os participantes colidiram com obstáculos, bem como o tempo usado para concluir o circuito. Os resultados foram animadores: em média 50% menos colisões.
Em um outro teste, os voluntários tiveram que encaixar uma estaca de madeira em um furo na parede sem tocar os itens localizados à sua frente. Novamente, os resultados surpreenderam. Os usuários dos óculos adaptados demonstraram aumento de 70% no desempenho de apreensão dos obstáculos. ;Nosso objetivo é melhorar a qualidade de vida de pessoas com baixa visão, aumentando sua confiança na realização de tarefas básicas e as ajudando a ter uma vida mais independente;, ressalta Angelopoulos.
Segundo os pesquisadores, apesar de a tecnologia ter sido testada apenas em pacientes com retinose pigmentar, qualquer pessoa com problemas visuais poderá ser beneficiada por ela. Agora, a equipe se dedica à aplicação da tecnologia em óculos menores e mais leves.
;A realidade aumentada é promissora como plataforma para pessoas com deficiência visual se locomoverem. À medida que a realidade aumentada se torna mais barata e leve, esperamos que os esforços da comunidade mundial de pesquisa se concentrem na adaptação dela a essas necessidades. Se isso acontecer, nossa tecnologia terá um amplo potencial. Há a possibilidade de apoiar ou suplantar a bengala e o cão-guia;, aposta Angelopoulos.
* Estagiária sob supervisão de Carmen Souza
Palavra de especialista
Sentido não é recuperado
;É preciso deixar bem claro que a tecnologia não substitui a visão perdida do paciente, mas potencializa o remanescente da visão que existe. Existem muitas doenças que diminuem a visão ou que promovem a perda definitiva de parte dela. Com tecnologias como essa, é possível potencializar os remanescentes visuais e aumentar a qualidade visual de pacientes. O interessante é que essa tecnologia pode ser oferecida para qualquer pessoa com baixa visão, principalmente aquelas que tiveram perda visual periférica, como o glaucoma. Apesar de já existirem soluções semelhantes a essa sendo desenvolvidas, esses óculos são uma grande inovação no mundo da oftalmologia e trazem diversos benefícios para o avanço dessa área médica;, Luiz Abrão, médico oftalmologista do Hospital Anchieta.