Ana Paula Vieira Colombo, professora do Instituto de Microbiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e chefe do Laboratório de Microbiologia Oral da universidade, é uma das pesquisadoras de olho na microbiota bucal. Ela participou da revisão de uma série de experimentos sobre a relação entre a composição de bactérias bucais e doenças odontológicas. Um estudo publicado em abril, na revista Journal of Dental Research, mostra como os resultados podem ajudar a entender complicações muito incidentes na população. ;Eu e outros especialistas temos analisado a composição dos micro-organismos da boca e tentado relacionar as principais doenças, como a cárie e a doença periodontal. Comprovamos nossas suspeitas;, conta ao Correio.
Ao comparar a composição de bactérias bucais de voluntários saudáveis e com vários graus de doença periodontal, a análise trouxe dados altamente significantes. ;Aprendemos que o biofilme dental é uma comunidade muito mais diversificada, composta por espécies ou filotipos que podem adquirir e expressar níveis distintos de virulência;, frisa Colombo. ;Vimos também, pela alteração de bactérias, que doenças gengivais agravam ou contribuem para outras complicações sistêmicas, como as cardiovasculares, artrites reumatoides e até doenças autoimunes.;
Os dados foram obtidos graças à tecnologia avançada desenvolvida nas últimas décadas. ;Enquanto os desafios das doenças dentárias permanecem como eram há 100 anos, os métodos para estudá-las, como mapeamento de genes na clínica e no laboratório, evoluíram drasticamente. Agora, podemos ir além do paradigma ;um patógeno, uma doença;;, destaca Anne Tanner, também autora do estudo e pesquisadora da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.
A dupla acredita que as descobertas abrem caminho para melhores tratamentos. ;Temos um estudo em andamento com pacientes que tratarão a periodontite por meio de probióticos. A ideia é que esses medicamentos melhorem indiretamente a doença. É importante manter as formas de tratamento atuais, mas queremos, ao mesmo tempo, visar o reestabelecimento do microbioma e ver se os resultados são mais positivos;, adianta Colombo. ;Outra abordagem que cogitamos é o uso de probióticos em produtos de enxágue e pastilhas. Bactérias poderiam ser neutralizadas com essa alternativa. Seria uma saída eficaz e prática.;
Infância
A microbiota oral no início da vida também pode fornecer informações importantes para a área odontológica. Uma equipe americana mapeou micro-organismos presentes na boca de 118 crianças com 3 a 5 anos, divididos em três perfis: livres das cáries, com a doença tratada e não tratada.Por meio de mais de 712 milhões de leituras microscópicas de alta qualidade, a equipe identificou 85 gêneros bacterianos e 201 espécies bacterianas, 185 das quais foram destrinchadas em subtipos. Os investigadores encontraram diferenças notáveis na quantidade de espécies, conforme o perfil das crianças.
Segundo eles, essas distinções são valiosas para fortalecer a odontologia de precisão, que permite agir de acordo com micro-organismo específicos. ;Esse conhecimento é fundamental para o desenvolvimento de abordagens de medicina de precisão, tanto para diagnóstico, quanto para a prevenção e o tratamento na área de saúde bucal;, frisa Kimon Divaris, um dos autores do estudo e pesquisador da Universidade da Carolina do Norte. ;Nosso objetivo, a longo prazo, é caracterizar saúde e doença bucal no nível molecular; em outras palavras, definir as características do biofilme supragengival que definem a cárie antes do desenvolvimento da doença clínica;, complementa.
Para saber mais
Regulação por RNAUm estudo feito por cientistas da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, fornece evidências claras de que o RNA ; mensageiros celulares ; presente na saliva pode ser capaz de regular o crescimento de bactérias orais responsáveis por doenças como a periodontite. No estudo, publicado na revista Journal of Dental Research, em maio de 2018, os cientistas explicam que uma classe nova e menor desses mensageiros é encontrada nos fluidos corporais humanos, incluindo sangue, lágrimas e saliva.
;Vimos um canal claro de comunicação entre mensageiros de RNA e bactérias em nossa boca;, destaca David Wong, um dos autores do estudo. ;Definitivamente, os resultados desse artigo abrem um novo horizonte de pesquisa e de resultados que avançarão a saúde bucal, principalmente em tratamentos que busquem modular essas bactérias e evitar doenças relacionadas;, completa.