O uso da prótese é um dos processos mais complexos ao longo da reabilitação de um paciente que tem algum membro amputado. Lidar com essa nova parte do corpo exige percepção complexa, já que o cérebro precisa ter algum tipo de conexão com o braço ou a perna artificial. Pesquisadores suíços desenvolvem uma tecnologia que faz com que usuários dessas peças as sintam como um membro real. Em testes, voluntários relataram a ocorrência de sensação similar à de tocar o chão com os pés, por exemplo. Detalhes do experimentos e da tecnologia foram apresentados na edição desta semana da revista Science Translational Medicine.
A tecnologia é composta por uma neuroprótese de perna, já disponível comercialmente, e sensores, colocados no joelho do usuário e em uma palmilha usada por ele. Segundo os criadores, esses elementos conseguem proporcionar sensações de pressão e equilíbrio. Os sinais da palmilha e dos sensores protéticos do joelho são traduzidos em impulsos de corrente ; a linguagem do sistema nervoso humano ;, que são entregues ao nervo periférico residual por meio de eletrodos implantados transversalmente no próprio nervo do amputado.
Os sinais dos nervos residuais são transmitidos ao cérebro do usuário, que é capaz de perceber o que acontece na prótese e ajustar a marcha de acordo com a outra perna. A máquina e o corpo são reconectados. ;Desenvolvemos a primeira perna com alta sensibilidade para amputados acima do joelho que são altamente incapacitados;, destaca, em comunicado, Stanisa Raspopovic, professora da Universidade ETH de Zurique, e uma das autoras do estudo.
Três adultos que haviam sido submetidos à amputação transfemoral participaram dos testes da tecnologia. ;É a primeira vez que sinto minha perna, meu pé;, relatou Djurica Resanovic, uma das participantes. Graças ao uso do aparelho, usando venda nos olhos e tampões nos ouvidos, a paciente conseguiu dizer aos cientistas onde o pé estava sendo tocado ou quanto o joelho estava flexionado. ;Eu reconheço quando eles tocam o polegar, o calcanhar ou o pé em qualquer outro lugar. Você não precisa se concentrar para andar, pode olhar para a frente e dar um passo, não precisa olhar para onde sua perna não deve ir;, detalha Djurica Resanovic.
Os pesquisadores destacam que os avanços relatados pelos pacientes mostram maior segurança na realização de atividades comuns. ;Essa nova tecnologia permitiu aos usuários superar obstáculos inesperados sem cair e subir escadas muito mais rapidamente. Essas duas tarefas são extremamente difíceis para amputados que usam próteses comerciais;, destaca Stanisa Raspopovic.
Medições da atividade cerebral e testes psicofísicos feitos nos voluntários durante o uso da tecnologia confirmaram que a neuroprótese é percebida como uma extensão do corpo. ;A perna biônica integrada ao nervo residual dos amputados permite que o cérebro a aceite como a continuação da perna natural, e isso é essencial para aumentar a confiança do usuário e para uma futura disseminação dessa tecnologia;, frisa Raspopovic.
Inovação
Cláudio Carneiro, neurologista do Hospital Santa Helena, em Brasília, acredita que os cientistas deram atenção a um tema pouco explorado. ;É algo que geralmente não é pensado, que, ao ter a amputação, essa mobilidade do membro novo pode ser um problema devido à falta de sensibilidade. E isso tem muita lógica, pois precisamos saber onde estamos pisando para ter a força e a segurança de caminhar, como no caso dos pacientes testados;, diz.Para o médico, os resultados obtidos com a nova prótese podem mudar a vida de pessoas submetidas a amputações. ;Eles observaram diminuição de quedas, que é um dos problemas enfrentados por essas pessoas. Isso é importante para quem quer voltar para o trabalho e ter a mesma qualidade de vida que tinha antes de sofrer um acidente, por exemplo;, justifica.
A próxima etapa da pesquisa será testar a tecnologia em um número maior de pacientes. ;Queremos fazer uma investigação que dure no mínimo três meses, com mais participantes e avaliações feitas em casa. Dessa forma, vamos ter dados mais robustos e, assim, conseguir tirar conclusões clinicamente significativas sobre uma melhoria da saúde e da qualidade de vida dos pacientes;, ressalta Francesco Petrini, um dos autores do estudo e também pesquisador da Universidade ETH de Zurique.
Cláudio Carneiro acredita que o sistema precisa ser observado em um grupo maior de pacientes para que possa ser comercializado. ;Três pessoas é um número ainda muito pequeno para esse tipo de pesquisa tão complexa, mesmo que os dados iniciais vistos tenham sido tão positivos;, pondera. ;Isso é ideal para que a tecnologia possa ser usada por outras pessoas com segurança.;
O médico também acredita que o método desenvolvido pelo grupo suíço pode ser explorado de outras maneiras. ;Estudar a substituição de outros membros pode render bons resultados, como as próteses de mão, que acabam gerando uma série de problemas para quem as usa, como segurar um copo de vidro. É uma tarefa simples do cotidiano e que exige alta sensibilidade do indivíduo;, ilustra.