Ciência e Saúde

Câncer de próstata: tratamento personalizado reduz progressão da doença

Baseado em mutações genômicas, tratamento voltado para versão agressiva da doença reduz em 66% a sua progressão. Droga usada em teste com 387 voluntários já é prescrita contra tumores da mama e do ovário

Paloma Oliveto - Enviada Especial
postado em 05/10/2019 06:00

medicamentos na prateleiraBarcelona ; Pela primeira vez, pacientes de câncer de próstata avançado poderão se beneficiar da terapia-alvo, um tratamento que foca na mutação por trás da doença, provocando menos efeitos colaterais e atingindo resultados mais favoráveis. Esse tipo de medicamento é usado em alguns tumores de mama, pulmão, ovário, por exemplo, mas, até hoje, não existia intervenções personalizadas semelhantes para um subgrupo de homens que desenvolve a forma agressiva e, geralmente, letal do câncer de próstata.


Apresentado no Congresso Esmo 2019, da Sociedade Europeia de Oncologia Clínica, o estudo Profound foi recebido com entusiasmo pela comunidade científica. A boa recepção não é apenas porque o único tratamento disponível para o câncer de próstata avançado, a terapia hormonal, tem ação limitada, mas pelo fato de a nova terapia inaugurar uma era de medicina personalizada para pacientes com mutações genéticas.

;Podemos dizer que o estudo Profound certamente é uma mudança profunda na forma como entendemos e tratamos o câncer de próstata;, afirma o oncologista Paulo Lages, do Grupo Oncoclínicas/OncoVida. O médico, especialista em cânceres geniturinários, esteve presente no congresso e afirma que os resultados apresentados significam que a terapia padrão para o tumor de próstata causado por mutação genética vai mudar. ;O que a gente tinha de melhor para oferecer a esse tipo de paciente era o bloqueio hormonal, mas podemos ver claramente que o impacto é muito maior quando se usa uma droga que tem como alvo o gene de reparo do que tratar, como a gente trata, um tumor de próstata convencional. Não há dúvidas de que é uma mudança na prática clínica.;

A substância é o olaparibe, droga desenhada originalmente para o tratamento de câncer de mama e ovário em mulheres com mutações no gene BRCA. Enquanto que a maioria dos pacientes de tumores de próstata desenvolve a doença esporádica, não associada a variações genéticas, de crescimento lento e, geralmente, com prognóstico avançado, até 25% sofrem de danos em uma série de genes, incluindo o BRCA.

No estudo, feito com 387 homens com mutações e divididos entre os que receberam o olaparibe e o tratamento padrão, o medicamento oral reduziu em 66% a progressão da doença, comparado ao grupo do bloqueio hormonal. Enquanto os primeiros ficaram, em média, 7,4 meses sem que o câncer avançasse, entre os segundos, o tempo foi de 3,6 meses.

Maior sobrevida

Além disso, o estudo, liderado pelo Instituto de Pesquisa de Câncer de Londres, pela Fundação Royal Marsden NHS Trust da Inglaterra e pela Universidade de Nortwestern, nos Estados Unidos, mostrou aumento da sobrevida geral dos pacientes sob regime do olaparibe. Em média, eles viveram 18,5 meses com o medicamento, contra 15 meses observados nos homens tratados com bloqueio hormonal. Os autores notam, porém, que o impacto na sobrevida só poderá ser medido mais precisamente quando forem realizados estudos de acompanhamento de longo prazo.

;O câncer de próstata ficou atrás de outros tumores sólidos comuns no uso de terapia-alvo, por isso é tão empolgante que, agora, podemos personalizar o tratamento individual baseados em alterações genômicas específicas nas células cancerosas;, disse, em coletiva de imprensa, Maha Hussain, principal autora do estudo e pesquisadora da Universidade de Northwestern, em Chicago. O Profound incluiu pacientes com 15 tipos de mutações genéticas; os mais beneficiados foram aqueles com variantes nos genes BRCA1, BRCA2 e ATM.

;Esse trabalho não apenas provou que a droga é superior ao grupo de controle (o bloqueio hormonal), mas demonstrou que o câncer de próstata pode ser tratado com uma abordagem alvo;, comentou, na coletiva de imprensa, o oncologista Ignacio Duran, pesquisador do Hospital Universitário Virgen del Rocío, em Sevilla, que não participou do estudo. ;De forma simples, nem todos os pacientes de câncer de próstata têm os mesmos tumores, e essa é a primeira vez que conseguimos identificar mais precisamente a biologia molecular desses tumores. Isso vai determinar como os trataremos.;

O olaparibe está disponível no Brasil para tratamento de câncer de mama e ovário. Segundo o oncologista Paulo Lages, do Grupo Oncoclínicas/OncoVida, vai demorar até que os pacientes de câncer de próstata no país tenham acesso a esse tratamento. ;Nós não temos aprovação para uso em tumor de próstata ainda. Temos de mudar a bula do remédio, e existe o rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), em que a droga tem de estar lá com essa indicação. Vai levar algum tempo, mas não há dúvidas de que ela vai impactar enormemente a vida dos nossos doentes. É, sim, uma grande descoberta e algo que muda a prática clínica.;

*A repórter viajou a convite da AstraZeneca

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