Ciência e Saúde

Trio de 'desbravadores do Universo' levam prêmio do Nobel de Física

Pesquisadores levam prêmio por pesquisas que avançam na compreensão do Cosmos e ajudam a desvendar se há vida fora da Terra, uma das maiores inquietações humanas

Paloma Oliveto
postado em 09/10/2019 06:00

imagem do universo e do solEles abriram muitas portas do Universo, revelando mistérios sobre a origem de tudo e o lugar que a Terra ocupa nesses vastos mundos. Em reconhecimento a trabalhos que ajudaram a avançar na compreensão do Cosmos, James Peebles, Michel Mayor e Didier Queloz foram laureados com o Nobel de Física, um prêmio que, tradicionalmente, vinha sendo entregue a descobertas de elementos então desconhecidos, como ondas gravitacionais ou estrelas de nêutrons. Agora, a Assembleia do Nobel voltou-se a pesquisas focadas no que ocorreu há 14 bilhões de anos e que podem estar próximas de responder a uma das mais antigas questões humanas: há vida fora do Planeta Azul?


Metade do prêmio foi para James Peebles, professor e pesquisador da Universidade de Princeton que mergulhou na radiação de fundo em micro-ondas, um ;eco; do Big Bang detectado na década de 1960, e descobriu que 95% do Universo é feito de matéria e energia escura, um dos grandes mistérios que desafia os astrofísicos. O restante da premiação ficou nas mãos de Michel Mayor e Didier Queloz, da Universidade de Genebra ; esse último também é pesquisador da Universidade de Cambridge. Os dois identificaram o primeiro exoplaneta, ou seja, um planeta fora do Sistema Solar, que orbita uma estrela. Hoje, milhares deles são conhecidos; alguns com potencial de abrigar algum tipo de vida.

;As ideias de James Peebles sobre cosmologia física enriqueceram todo o campo da pesquisa e estabeleceram as bases para a transformação da cosmologia nos últimos 50 anos, da especulação à ciência. Seu referencial teórico, desenvolvido desde meados da década de 1960, é a base de nossas ideias contemporâneas sobre o Universo;, destacou a Assembleia, em nota. Adorado por colegas e alunos, Peebles participou de uma coletiva de imprensa organizada pela Universidade de Princeton e transmitida por streaming. Ele contou que, quando começou a estudar cosmologia a partir da radiação de fundo, não se empolgou muito. ;Não havia quase nada de conhecimento sobre esse assunto;, disse. O desafio de arar um campo tão profundamente intocado, porém, fez com que continuasse e ficasse fascinado com esse mundo feito de escuridão.

Fósseis de luz

O trabalho de Peebles é concentrado nos primeiros momentos do Cosmos, cerca de 14 bilhões de anos atrás, quando ele era extremamente denso e quente. Mais ou menos 400 mil anos depois do Big Bang ; um ínfimo intervalo de tempo ;, o Universo em expansão se tornou transparente, permitindo que raios de luz viajassem pelo espaço. A radiação produzida naquele momento até hoje está em circulação. Quem é dos tempos da televisão analógica deve se lembrar de quando ela estava sintonizada em algum canal sem programação: aquele barulho de fundo é uma relíquia da infância do Universo.

Esse ruído foi capturado em antenas por dois radioastrônomos norte-americanos, Arno Penzias e Robert Wilson, em 1964. Sem entender o que seria aquele som interrupto, eles procuraram por explicações teóricas, inclusive consultando o trabalho de Peebles, que já falava sobre a radiação de fundo antes que ela fosse detectada.

O pesquisador de Princeton percebeu que a temperatura desses ;fósseis de luz; poderiam fornecer informações cruciais sobre a origem do Universo, como a quantidade de matéria criada no Big Bang, a formação de galáxias, a idade e o destino do mundo, quanta energia existe, entre outros. Os estudos de Peebles revelaram, com uma precisão impressionante, que 95% do Cosmos é feito de energia e matéria escura. Na década de 1990, supersatélites desenvolvidos para investigar a radiação de fundo conseguiram ;fotografá-la; e demonstraram que os cálculos do físico estavam 100% corretos. ;Jim Peebles tem sido o mais influente e respeitado líder da cosmologia empírica com um registro interminável de sucessos por mais de meio século;, avalia Martin Rees, astrônomo real e professor de cosmologia e astrofísica da Universidade de Cambridge.

Exoplanetas

A dupla Michel Mayor e Didier Queloz também lançou luz sobre um Universo desconhecido e fascinante, composto por milhares de mundos potencialmente habitáveis. Até a descoberta dos astrofísicos, anunciada em outubro de 1995, não se conhecia outro planeta além dos que compõem o Sistema Solar. Porém, naquele ano, Mayor e Queloz deram início à corrida por exoplanetas ; aqueles que orbitam outras estrelas, que não o Sol ; que, hoje, já são 4 mil; um número que aumenta mês a mês.

Os premiados com o Nobel descobriram que 51 Pegasi b é um planeta que orbita sua estrela, 51 Pegasi, a 50 anos-luz da Terra. Ele demora apenas quatro dias para completar a volta ; contra os 365 terrestres ;, o que significa que está muito próximo de sua estrela, apenas 8 milhões de quilômetros de distância. Para comparar, a Terra encontra-se a 150 milhões do Sol. O planeta descoberto pela dupla também difere daqui por sua estrutura. Em vez de um pequeno rochoso, é um gigante gasoso, mais ou menos do tamanho de Júpiter, que tem volume 1,3 mil vezes maior que o terrestre.

Dois meses depois do anúncio, outros dois exoplanetas foram identificados. A partir daí, novos métodos de detecção foram surgindo, assim como a compreensão mais aprofundada sobre a formação de sistemas planetários, o que também poderá explicar como o Sistema Solar se formou. Com a expectativa do lançamento, na próxima década, do supertelescópio espacial James Webb, esses mundos poderão ser observados de perto, com informações sobre a composição geológica e atmosférica e a possibilidade de detecção de ;assinaturas; da vida ; moléculas orgânicas que indiquem a existência de seres extraterrestres. ;A descoberta de um planeta orbitando uma estrela fora de nosso próprio sistema mudou nossas percepções de nosso lugar no Universo ; um Universo que ainda guarda muitos mistérios para resolver;, definiu, em nota, Michael Moloney, CEO do Instituto Norte-Americano de Física.

Repercussão


;Jim Peebles é um físico extraordinário, um homem que pensou profunda e claramente sobre a estrutura do Universo;
Christopher L. Eisgruber, presidente da Universidade de Princeton

;Ninguém mais avançou tanto na nossa compreensão sobre o Universo. Muitas de suas predições mostraram-se corretas por meio de medições. E, acima de tudo, ele é incomumente atencioso, gracioso e gentil;
Lyman Page, professor de física na Universidade de Princeton

;Além de lançar uma grande quantidade de bases teóricas para a cosmologia moderna, Jim foi pioneiro em muitos dos métodos que fizeram da cosmologia uma ciência preditiva e que nos permite testar nossas teorias com dados observacionais. Generoso com seus alunos e colegas, duvido que uma alma mais bondosa tenha sido tão reconhecida;
Bill Jones, professor associado de física na Universidade de Princeton

;A descoberta de Didier (Queloz) de planetas além do nosso Sistema Solar deu início a uma nova era revolucionária para a cosmologia. Esse trabalho representa uma conquista científica extraordinária, mas também oferece muita inspiração à humanidade ; a chance de imaginar mundos tão distantes e diferentes, ou talvez similares;
Stephen Toope, vice-chanceler da Universidade de Cambridge

;A pesquisa do professor Queloz levou à descoberta de que os planetas são abundantes em toda a nossa galáxia, orbitando outras estrelas. Agora, podemos estimar que existem dezenas de bilhões de exoplanetas potencialmente habitáveis. Estamos um passo mais perto de responder à pergunta sobre se estamos sozinhos no Universo: parece cada vez mais provável que a vida, de alguma forma, tenha encontrado uma base nesses muitos mundos novos;
Andy Parker, chefe do Laboratório Cavendish, em Cambridge

;É um reconhecimento fantástico do trabalho realizado por Michel Mayor e Didier Queloz; mostra o rigor de sua abordagem científica, mas também sua criatividade e capacidade de pensar ; e trabalhar ; fora da caixa, um verdadeiro caminho para grandes descobertas;
Yves Flückiger, reitor da Universidade de Genebra

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