Ciência e Saúde

Estudo indica que preservar a biodiversidade impulsiona a agricultura

Pesquisa feita por 100 pesquisadores, incluindo brasileiros de seis universidades, mostra que é possível melhorar as colheitas favorecendo fenômenos da própria natureza. O controle natural de pragas e o aumento da polinização estão entre eles

Vilhena Soares
postado em 17/10/2019 06:00
[FOTO1]As terras com baixa produtividade, além dos prejuízos financeiros, geram risco à alimentação humana, com, por exemplo, a redução da produção de insumos. Por meio de estudos científicos, especialistas têm mostrado que a própria natureza pode reverter o quadro. Essa linha de pesquisa ganha força com os resultados de um estudo feito por mais de 100 cientistas, incluindo brasileiros. Ao analisar 1.500 regiões agrícolas, a equipe constatou que áreas mais ricas em biodiversidade são mais protegidas de pragas, promovem a polinização e rendem melhores colheitas.

Segundo os autores do estudo, publicado na última edição da revista Science Advances, durante as duas últimas décadas, aproximadamente 20% da superfície cultivada da Terra se tornou menos produtiva, algo provocado principalmente por falhas humanas em relação à proteção da diversidade natural. ;As áreas de vegetação dentro das paisagens agrícolas vêm sendo destruídas de forma acentuada. Outro efeito que contribui para esses prejuízos é o aumento dos insumos usados na produção, como agrotóxicos e fertilizantes;, explica ao Correio Luísa Carvalheiro, uma das autoras do estudo e professora da Universidade Federal de Goiás (UFG).

Na pesquisa, que contou com a participação de cientistas de outras cinco universidades brasileiras, o grupo de ecologistas e biólogos comparou dados de cerca de 1.500 campos agrícolas em todo o mundo. Entre as áreas estudadas estão campos de milho nas planícies americanas, plantações de café na Índia, de manga na África do Sul, e de acerola, caju e café no território brasileiro.

As análises tiveram como foco dois serviços ecossistêmicos, ou seja, que são realizados pela natureza: a polinização e o controle biológico de pragas. Esse último pode ser descrito como a capacidade de um ambiente de usar artrópodes predadores presentes no ecossistema para se defender de insetos nocivos.

Os cientistas chegaram à conclusão de que, em paisagens heterogêneas ; onde a variação de culturas, sebes e árvores é maior ;, polinizadores selvagens e insetos benéficos ao ambiente são mais abundantes e diversificados. A polinização e o controle biológico aumentam, assim como o rendimento das culturas. ;Um dos pontos mais importantes do estudo é que analisamos não só uma grande quantidade de áreas, mas uma vasta variedade de espécies. Com isso, nossa mensagem de efeito é que essa diversidade é essencial para o crescimento da produção;, ressalta a cientista brasileira.

Monoculturas

O estudo também mostrou que as monoculturas são a causa de cerca de um terço dos efeitos negativos na polinização, que resultam da simplificação da paisagem, medida pela perda da ;riqueza de polinizadores;. Outra constatação foi a de que esse efeito é ainda maior com o controle de insetos nocivos, onde a perda da ;riqueza natural do inimigo; representa 50% das consequências totais da simplificação da paisagem.

Segundo os autores do trabalho, a pesquisa é mais uma prova de que a necessidade de preservação da biodiversidade é essencial para avanços na agricultura. ;Esse estudo é mais um dos trabalhos que enfatizam uma das melhores maneiras de intensificar a produtividade da terra: o conceito de intensificação ecológica da agricultura. Isso é algo que tem ganhado muita força nos últimos anos e mostra como o uso de serviços de biodiversidade, como a polinização e o controle de pragas, que são gratuitos, aumentam essa produção e rendem benefícios econômicos muito altos;, frisa Carvalheiro.

Os pesquisadores recomendam diversificar culturas e paisagens o máximo possível. ;Por exemplo, um agricultor pode depender menos de pesticidas se os controles biológicos naturais forem aumentados por meio da maior biodiversidade agrícola;, ilustra, em comunicado, Matteo Dainese, biólogo do Instituto de Pesquisa Eurac, na Itália, e um dos autores do estudo.

Essas medidas são ainda mais necessárias diante das mudanças climáticas, frisa Ingolf Steffan-Dewenter, pesquisador do Departamento de Ecologia Animal e Biologia Tropical da Universidade de Würzburg, na Alemanha, e também autor do estudo. ;Com as mudanças globais em andamento e os eventos climáticos extremos mais frequentes, o valor da biodiversidade das terras agrícolas, garantindo a resiliência a distúrbios ambientais, se tornará ainda mais importante;, explica. ;Nosso estudo fornece forte apoio empírico aos benefícios potenciais de novos caminhos para a agricultura sustentável, que visam conciliar a proteção da biodiversidade e a produção de alimentos para o aumento da população humana.;

Palavra de especialista

Bioeconomia avança

;Na Embrapa, já trabalhamos com medidas voltadas para a sustentabilidade e a defesa da biodiversidade dentro da agricultura. Tentamos usar sistemas integrados, como o plantio do capim junto com as florestas. Com isso, conseguimos mitigar as emissões de gases-estufa e promover essa preservação ambiental. Sabemos também que a maioria das culturas agrícolas dependem da polinização, e por isso é essencial a preservação das abelhas. Elas são muito importantes para o desenvolvimento de uma série de insumos, como o feijão. Essa dinâmica de intensificação sustentável, que chamamos de ;bioeconomia;, cresce muito, e o Brasil tem um grande potencial para explorá-la, já que estamos na faixa tropical do globo e contamos com a maior biodiversidade do mundo, como um dos maiores estoques de água potável, por exemplo. Acreditamos que, desenvolvendo essas tecnologias, podemos promover essa biodiversidade ainda mais.;, Cleber Oliveira Soares, diretor executivo de Inovação e Tecnologia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

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