Vilhena Soares
postado em 28/11/2019 06:00
[FOTO1]Uma das principais metas de especialistas da área médica é encontrar a cura para a infecção pelo HIV. Enquanto esse sonho não vira realidade, pesquisadores tentam encontrar maneiras de combater a doença da forma mais eficaz possível. Com esse objetivo, cientistas norte-americanos propõem uma abordagem diferenciada para crianças que nascem com o vírus. Em testes, a equipe descobriu que aquelas que recebem antirretrovirais horas após o nascimento apresentam menor carga viral do que as que têm o tratamento iniciado semanas depois.Segundo os autores do estudo, publicado na última edição da revista Science Translational Medicine, apesar dos avanços nos programas de tratamento de grávidas soropositivas, o que reduziu significativamente a transmissão do HIV das mães para os filhos, esse tema ainda exige atenção. ;De 300 a 500 infecções pediátricas de HIV ocorrem todos os dias na África Subsaariana;, destaca Roger Shapiro, pesquisador da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, durante uma conferência de apresentação dos resultados do estudo.
Roger Shapiro e os colegas se concentraram em um grupo de meninos e meninas de Botsuana, na África do Sul. ;Examinamos mais de 10 mil crianças expostas ao HIV e identificamos 40 infectadas. Essa baixa taxa de transmissão é a prova de que a maioria das mulheres HIV positivas nessa região africana recebeu o coquetel que consegue bloquear a transmissão;, frisa o autor do artigo. Segundo a OMS, o número de bebês nascidos com o vírus caiu de 400 mil para 240 mil em quatro anos, de 2009 a 2013.
No estudo, os cientistas analisaram 64 crianças, divididas em três grupos: 10 nasceram soropositivas e iniciaram o tratamento em média sete horas após o nascimento, 10 nasceram soropositivas e iniciaram o tratamento em média quatro meses após o nascimento e 54 não tinham o HIV. ;Seguimos as crianças semanalmente no início. Depois, em análises mensais. Acompanhamos de perto como elas estavam tomando o medicamento e o nível de virulência;, detalha Roger Shapiro.
Foi analisada a quantidade de células infectadas pelo vírus (células reservatórias virais) e de outros tipos de respostas imunes. Na 96; semana do estudo, os cientistas observaram que os bebês infectados tratados mais cedo apresentavam um reservatório viral muito menor quando comparados aos soropositivos que começaram a receber o tratamento depois.
;Tivemos dois resultados positivos por comparação: as crianças tratadas precocemente tinham reservatórios virais mais baixos que o grupo que recebeu o tratamento quatro meses após o nascimento. Também vimos que esse primeiro grupo tinha reservatórios significativamente menores que adultos tratados por cerca de 16 anos com o mesmo tratamento;, detalha Mathias Lichterfeld, também autor do estudo e pesquisador da Universidade Brigham Young, nos Estados Unidos.
Vantagem imunológica
A equipe identificou, ainda, que tipos específicos de células imunes inatas (células NK e monócitos) estavam em alta nos bebês tratados precocemente enquanto diminuía o tamanho do reservatório viral. Segundo os cientistas, o fenômeno sugere que essas células podem influenciar ou modular esse reservatório, uma reação que pode ser justificada pela força do sistema imune dos bebês. ;Há muitas razões para acreditar que o sistema imunológico inato tem um papel muito importante nesse período inicial, imediatamente após o nascimento, quando os bebês estão muito vulneráveis a doenças;, explica Mathias Lichterfeld.Para Alberto Chebabo, infectologista do Laboratório Exame, em Brasília, os resultados mostram uma grande vantagem ao explorar o poder curativo otimizado do sistema imune no início da vida. ;Ao tratar a criança precocemente, podemos explorar vantagens presentes nesse sistema de defesa inato. Ainda não é a cura, mas nos abre muitas perspectivas;, avalia.
O médico acredita que o estudo também reforça a necessidade do diagnóstico precoce da doença, algo que ainda não é feito globalmente. ;É importante fazer o acompanhamento o mais cedo possível, durante a gravidez, mas temos muitos casos de pessoas em situações de risco, usuários de drogas, por exemplo, em que é difícil ter esse cuidado. Por isso, os pesquisadores pensam em uma série de alternativas para contemplar realidades diferentes;, diz.
Segundo o infectologista, o estudo dever ter continuidade. ;É preciso analisar um número maior de crianças, entender como podemos melhorar essa estratégia e desenvolver outras. Podem surgir ainda mais ferramentas que ajudem nos testes e que contribuam para melhores procedimentos relacionados ao combate do HIV;, justifica.