Ciência e Saúde

Conferência climática da ONU começa em Madri em meio a pessimismo ambiental

A 25ª edição da conferência da ONU sobre mudanças climáticas começa amanhã, em Madri, em meio a previsões cada vez mais pessimistas. Especialistas advertem que o prazo para implementação de medidas contra o aquecimento global se esgotou

Vilhena Soares
postado em 01/12/2019 08:00
[FOTO1]Assim como uma ampulheta que, aos poucos, se esvazia, o prazo para implantar medidas de combate ao aquecimento global chega ao fim, alertam especialistas. O planeta, assinalam, não consegue mais manter seu equilíbrio sozinho. O cenário preocupante aumenta a pressão em torno de autoridades globais que irão se reunir a partir desta segunda-feira (2/12) na 25; edição da conferência da ONU sobre o clima (COP-25), em Madrid, na Espanha. Líderes políticos e diplomatas de todo o mundo têm como desafio resolver uma série de questões essenciais para impedir o agravamento dos danos causados pelas mudanças climáticas e buscar soluções a curto prazo para tentar reverter a situação. Redefinir metas de preservação estabelecidas no Acordo de Paris, em 2015, regulamentar a venda do carbono e liberar financiamentos para países em desenvolvimento são algumas das medidas que, advertem os cientistas, não podem mais ser adiadas.

Time for action (Tempo de agir, em tradução livre) é o slogan da conferência, que traduz fielmente a urgência da contenção dos danos climáticos. Na última terça-feira, as Nações Unidas divulgaram o Boletim de Gases de Efeito Estufa da Organização Meteorologia Mundial (OMM), com um alerta sobre níveis alarmantes alcançados pelos três principais gases captadores de calor emitidos na atmosfera: dióxido de carbono, óxido nitroso e metano.

Com base nessas e em outras informações, a ONU defende que, para limitar o aquecimento global a 1,5;C ; meta prevista no acordo de Paris ;, deve-se reduzir anualmente as emissões de CO2 em 7,6% entre 2020 e 2030. ;Anos de procrastinação climática nos levaram a essa situação;, lamentou Inger Andersen, diretora do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).

Esses dados, insistem os especialistas, reforçam a necessidade de os 200 países signatários do Acordo de Paris revisarem seus compromissos de redução de emissões de gases de efeito estufa. Por enquanto, 68 nações se comprometeram a alterar suas metas até 2020 ; ocorre que essa parcela responde por apenas 8% das emissões globais. Segundo os cientistas, no ritmo atual, a temperatura poderia ter um acréscimo de 4; a 5;C até o fim do século. E, mesmo que os compromissos atuais sejam respeitados, os termômetros podem subir pelo menos 3;C.

Para Carlos Rittl, secretário executivo do Observatório do Clima, as previsões pessimistas dos ambientalistas exigem um maior comprometimento dos países. ;Esperamos que o secretário-geral das Nações Unidas tenha ouvido os recados fortes emitidos por esses relatórios, que mostram uma lacuna entre os objetivos firmados em Paris e o cenário atual. Precisamos aumentar a ambição climática, criar metas mais fortes para todos os países. Algumas nações da União Europeia já apresentaram algo nessa linha;, explicou o especialista ao Correio.

Financiamento


Outro ponto que deverá ter destaque nas discussões da COP25 se refere à assistência financeira aos países em desenvolvimento, para que eles se adaptem aos impactos e reduzam suas emissões. Países do norte fizeram a promessa de financiamentos de US$ 100 bilhões ao ano a partir de 2020, mas os números podem ser revistos. Alguns países reivindicam a adoção de um mecanismo específico de financiamento, que poderia ser alimentado, por exemplo, por uma taxa sobre as passagens aéreas internacionais. ;Hoje, muitos países sofrem de forma drástica com os prejuízos das mudanças climáticas. Esses recursos são importantes para que eles se preparem e consigam enfrentar obstáculos atuais e futuros, principalmente as nações mais pobres. Acredito que mais dinheiro pode surgir na mesa;, ressaltou Rittl. ;Outras formas de ajuda também podem ser levantadas, como transferência de tecnologia, e também o papel de instituições financeiras multinacionais, que se engajem mais, prestando um auxílio a esse grupo;, complementou.

Para Alexandre Prado, diretor de Economia Verde do WWF-Brasil, o financiamento pode gerar discussões ferrenhas durante as negociações da COP, envolvendo principalmente o Brasil. ;O ministro do Meio Ambiente (Ricardo Salles) vai para esse evento com a expectativa de receber recursos, mas pode se decepcionar. A nossa emissão subiu bastante, estamos entregando uma fruta podre e queremos receber em troca o melhor pagamento do mundo;, opinou. Para Prado, a sucessão de tragédias ambientais em território brasileiro no último ano pode prejudicar também acordos econômicos com países engajados na área de proteção ao clima. ;Não podemos nos enganar, os temas estão correlacionados. O Brasil quer exportar carne para a China, mas ela está muito envolvida nessa negociação, não me surpreenderia se os chineses colocassem impostos sobre as emissões brasileiras;, frisou.

Carlos Rittl também acredita que o cenário político brasileiro pode prejudicar os ganhos do país na COP25. ;Uma série de órgãos relacionados ao combate das mudanças climáticas não existe mais no governo, planos de prevenção foram engavetados, e isso tomou uma repercussão internacional. Como podemos cobrar dinheiro se temos desmatamento em alta e a morte de lideranças indígenas? É praticamente impossível chegar com uma série de más notícias e receber um cheque em branco;, opinou.

Carbono


Igualmente delicada é a discussão sobre o mercado de carbono, que, no ano passado, provocou a prorrogação da conferência da Polônia. Por meio desse sistema, uma tonelada de dióxido de carbono (CO2) corresponde a um crédito de carbono, que pode ser negociado no mercado internacional, o que estimula a preservação. Contudo, a legislação para que esse comércio ocorra não foi completamente definida. O assunto ficou pendente e voltará a ser discutido em Madrid. O ponto central do debate é a forma como deve ser feito o financiamento da redução das emissões nos países em desenvolvimento.

;No plano teórico, um país que deseje reduzir suas emissões em 100 toneladas, que custariam 100 euros em seu território, financiaria um projeto equivalente a 10 euros em um país em desenvolvimento. Sobrariam 90 euros para investir em outras ações para reduzir as emissões;, explicou Gilles Dufrasne, da ONG belga Carbon Market Watch. Mas o temor de especialistas é que esse sistema falhe, com os governos preferindo usar o dinheiro economizado para outros fins que fogem da preservação ambiental. ;Se esses mercados de carbono não forem bem concebidos, podem levar a um aumento das emissões mundiais;, opinou Lambert Schneider, pesquisador do Oeko-Institut, em Berlim.

Na avaliação de Carlos Rittl, trata-se de um tema que exige extremo cuidado. ;As regras que orientam a comercialização dos créditos do carbono geram uma grande expectativa para os líderes mundiais e para o setor privado. Esse é um dos artigos pendentes do ano passado e que precisa ser resolvido com regras claras, para que se tenha segurança nas transações. Se realmente houver esse comércio, é preciso que ele seja feito com total transparência;, ressaltou o especialista.

Palavra de especialista


Mobilização necessária

;É importante ressaltar que essa COP já é fruto de um cenário tumultuado, com a recusa do Brasil em sediá-la e a transferência do Chile para Espanha para sede de sua realização. Junto a isso, temos uma situação brasileira complicada. Nós temos desmatado mais e isso faz com que as metas de preservação estabelecidas sejam ainda mais difíceis de ser alcançadas. Isso tudo reflete como as autoridades não têm dado a importância e a urgência necessárias para essa causa, mesmo com uma série de argumentos científicos e econômicos legítimos. Diante disso, é necessário que a sociedade pressione os governos, para que eles mudem suas atitudes e deem o valor necessário para a preservação.;, Saulo Rodrigues Filho, professor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB).

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