Ciência e Saúde

Cientistas buscam pistas genéticas para combater o câncer

Ao analisar alterações de genes em tumores, consórcio internacional de cientistas descobriu mutações que podem ser consideradas ''eventos precoces'', capazes de identificar a doença anos, até mesmo décadas, antes de seu surgimento. Os resultados devem contribuir para o desenvolvimento de novos testes de diagnósticos, mais eficazes

Correio Braziliense
postado em 06/02/2020 06:00
ilustração de uma mão sobre o DNAA melhor estratégia para combater o câncer é identificá-lo cedo, ressaltam os oncologistas. Por isso, cientistas têm se dedicado a encontrar formas de reduzir o tempo de detecção dos tumores com a ajuda da genética. Com esse objetivo, um consórcio internacional de pesquisadores estudou 47 milhões de alterações genéticas em mais de 2.500 pessoas com tumores de 38 tipos. Na análise, eles descobriram um grupo de pouco mais de 20% das mutações, que podem ser consideradas como “eventos precoces” no desenvolvimento de um tumor, com algumas delas ocorrendo anos, por vezes, décadas, antes de a doença ser diagnosticada.

As conclusões do trabalho estão em dois estudos científicos publicados na última edição da revista britânica Nature. Para os especialistas, os resultados do experimento podem ajudar no desenvolvimento de novas formas de diagnóstico prematuro da enfermidade.

Os autores do estudo explicam que à medida que as células do corpo crescem e se dividem, erros podem ser introduzidos em seu DNA. Embora a maioria dessas alterações não exerça um impacto significativo nas células, algumas são prejudiciais e estão associadas à formação e crescimento de tumores. “Aprendemos que o câncer é um ponto final de um processo evolutivo que ocorre nas células ao longo da vida. Esse processo é alimentado por mutações no genoma”, destacou, em um comunicado, Moritz Gerstung, coautor do estudo e pesquisador do Instituto Europeu de Bioinformática, no Reino Unido.

De acordo com o cientista, os erros de DNA se acumulam nas células cancerígenas, fazendo com que um tumor possa ser constituído por mutações genéticas diferentes. “Essas alterações ocorrem à medida que o indivíduo envelhece, e na maioria das vezes não há consequências, mas às vezes os danos podem ser dramáticos”, frisou Gerstung.

Por meio de um levantamento genético minucioso, Gerstung e seus colegas analisaram 47 milhões mutações genéticas relacionadas a 38 tipos de tumores e determinaram a ordem em que as alterações ocorreram e o tempo relativo entre elas. Graças ao método, eles descobriram que pouco mais de 20% das mutações podem ser consideradas “eventos precoces” no desenvolvimento de um tumor. Eles também observaram que metade desse grupo de mutações iniciais se enquadra em um conjunto de apenas nove genes.

“Significa que existe apenas um pequeno número de genes que são fatores comuns no desenvolvimento precoce dos tumores. Isso é algo muito positivo. Analisamos mais de 30 tipos de câncer e, agora, sabemos quais mudanças genéticas específicas provavelmente ocorrerão e quando elas podem se manifestar”, destacou  o também autor do estudo Peter Van Loo, pesquisador do Laboratório de Genômica do Câncer Crick, em Londres.

Detalhes valiosos

O levantamento genético também identificou tipos de câncer nos quais as mutações tendem a ocorrer precocemente, por exemplo, o câncer de ovário e dois tipos de tumores cerebrais: glioblastoma e meduloblastoma. Outro dado importante verificado pelos cientistas envolve as mudanças específicas que, provavelmente, ocorrerão no início de cada um desses 38 tipos de câncer. “Uma das alterações iniciais mais comuns em muitos tipos de tumor, incluindo o câncer de ovário, afeta um gene chamado de TP53. Já no glioblastoma, uma cópia extra do cromossomo 7 é obtida precocemente com muita frequência, enquanto no câncer neuroendócrino pancreático, vários cromossomos são perdidos nos estágios iniciais do desenvolvimento do tumor”, detalhou Van Loo.

Em um artigo separado, também publicado na Nature, os pesquisadores identificaram os tumores que possuem muitas mutações diferentes inseridas no DNA ao mesmo tempo.

Segundo os especialistas, todas as novas informações obtidas nas pesquisas científicas podem contribuir para o desenvolvimento de novas formas de detecção dos tumores, com resultados obtidos muito mais cedo do que os métodos atuais. “Entender esses padrões significa que, agora, é possível desenvolver novos testes de diagnóstico, que captam sinais de câncer muito mais cedo”, detalhou Gerstung.

“O extraordinário é como algumas das alterações genéticas parecem ter ocorrido muitos anos antes do diagnóstico, muito antes de quaisquer outros sinais de que um câncer possa se desenvolver, e, talvez, até mesmo em tecidos aparentemente normais”, acrescentou Van Loo.

Membro titular da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), Fernando Sabino, oncologista clínico do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, também acredita que os resultados da pesquisa podem contribuir para novas técnicas de detecção de tumores, algo que tem sido muito buscado. “Esse estudo vai na linha dos estudos feitos nos últimos 10 anos por cientistas da área, principalmente, os americanos. Chamamos de biópsia líquida, que é o uso do sangue do paciente para observar as mutações genéticas relacionadas ao câncer, quase todos os esforços atuais dos especialistas nessa área se concentram nesse método”, destacou o especialista.

Apesar da quantidade de dados verificados pelos cientistas, o especialista ressaltou que a biópsia líquida ainda deve demorar para se tornar um exame padrão na área médica. “Os testes genéticos que temos hoje têm a mesma premissa, mas mostram mutações que são herdadas, como foi o caso da atriz Angelina Jolie, que, no passado, retirou as mamas devido ao risco de ter tumores. Eles começaram como um recurso caro, mas, com os anos, se tornaram mais acessíveis e até planos de saúde têm arcado com esse tipo de análise. Pode ser que isso ocorra com a biópsia líquida também”.

Para Sabino, os pesquisadores internacionais ainda precisam comparar as alterações vistas com o material genético de pessoas saudáveis. “Muito trabalho precisa ser feito. Acredito que essa é uma das melhores formas de compreender ainda mais essas mutações e descobrir a melhor forma de lidar com elas”, opinou.

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