Ciência e Saúde

Homem poluiu o Himalaia mesmo sem visitar a região, mostra pesquisa

Registros históricos obtidos em núcleos congelados da cordilheira onde estão as montanhas mais altas do planeta mostram que subprodutos da Revolução Industrial, iniciada ainda no século 18, chegaram pelo vento até o local, acumulando metais nas camadas de gelo

Correio Braziliense
postado em 11/02/2020 06:00

A Cordilheira do Himalaia começou a ser explorada por alpinistas na década de 1950, mas os núcleos de gelo contam uma história bem anterior a essa épocaCentenas de anos antes de pisar em um dos picos mais altos do Himalaia, o homem já alterava a paisagem local, segundo um estudo publicado na revista Proceedings of National Academy of Sciences (Pnas). A pesquisa indica que os subprodutos da queima de carvão na Europa, no fim do século 18, chegaram à geleira Dasuopu, no centro da cadeia montanhosa, a cerca de 10 mil quilômetros de distância de Londres, o berço da Revolução Industrial.


“A Revolução Industrial foi uma revolução no uso de energia”, lembra Paolo Gabrielli, principal autor do estudo e cientista do Centro de Pesquisa Polar e Clima Byrd da Universidade Estadual de Ohio e da Escola de Ciências da Terra. “A combustão de carvão começou a causar emissões do subproduto, que acreditamos terem sido transportadas pelos ventos até o Himalaia”, acrescenta.

A equipe de pesquisadores faz parte de uma missão internacional que visitou Dasuopu em 1997 para perfurar núcleos de gelo. Essas formações guardam um registro de queda no nível de neve, circulação atmosférica e outras mudanças ambientais ao longo do tempo. O Byrd Center tem uma das maiores coleções de núcleos de gelo do mundo.

Dasuopu — a 7,2 mil metros acima do nível do mar — é o local de maior altitude no mundo, e lá os cientistas obtiveram um registro climático a partir de um núcleo de gelo. A geleira fica em Shishapangma, uma das 14 montanhas mais altas do planeta, todas no Himalaia. Para o estudo atual, a equipe de pesquisa analisou um núcleo retirado de Dasuopu em 1997 e buscou, no material, vestígios de 23 metais.

Linha do tempo

Os núcleos funcionam como uma espécie de linha do tempo e mostram novo gelo se formando em camadas ao longo do tempo. É possível dizer praticamente o ano exato em que uma camada da geleira se originou, devido a pistas ambientais, como queda de neve ou outros desastres — naturais ou causados pelo homem. O gelo que os pesquisadores avaliaram se formou entre 1499 e 1992, segundo a equipe. O objetivo era verificar se a atividade humana havia afetado a geleira de alguma forma e, se sim, quando os efeitos haviam começado.

A equipe encontrou no gelo níveis acima do esperado de vários metais tóxicos, incluindo cádmio, cromo, níquel e zinco, a partir de 1780 — início da Revolução Industrial no Reino Unido. Esses metais são todos subprodutos da queima de carvão, uma parte essencial da indústria no fim do século 18 e ao longo dos séculos 19 e 20. Os pesquisadores descobriram que eles, provavelmente, foram transportados pelos ventos de inverno, que viajam pelo mundo de oeste a leste.

Os cientistas também acreditam que é possível que alguns dos metais, principalmente o zinco, tenham aparecido devido à ocorrência de incêndios florestais em larga escala, incluindo os provocados em 1800 e 1900 para derrubar árvores e dar lugar a fazendas. “O que acontece é que, além da Revolução Industrial, a população humana explodiu e se expandiu”, destaca Gabrielli. “E, portanto, havia uma maior necessidade de campos agrícolas. Normalmente, a maneira como eles obtinham novos terrenos era queimar florestas.”

A queima de árvores adiciona metais, principalmente zinco, à atmosfera. Gabrielli diz que é difícil afirmar se a contaminação glacial vem de incêndios florestais feitos pelo homem ou naturais. Como existem poucos registros em grande altitude de incêndios em larga escala em todo o mundo, o rastreamento dessa contaminação é dificultado.

A contaminação nos registros do núcleo de gelo foi mais intensa entre 1810 e 1880, segundo a análise dos cientistas. Gabrielli conta que isso é provável porque os invernos estavam mais úmidos do que o normal em Dasuopu durante esse período, o que significa mais gelo e neve formados, que teriam sido contaminados pelas cinzas da queima de carvão ou árvores que chegaram aos ventos do oeste.

Para o cientista, o que mais chamou a atenção foi o fato de que a contaminação ocorreu muito antes de os humanos escalarem as montanhas ao redor de Dasuopu. Os primeiros alpinistas chegaram ao cume do Monte Everest, a 8,8 mil metros, o pico mais alto do mundo, acima do nível do mar, em 1953. Shishapangma, a 8 mil metros, o 14º mais elevado, foi escalado pela primeira vez em 1964. O local de perfuração do glaciar Dasuopo fica a cerca de 820m abaixo do cume.
 
 

Toxicidade

Gabrielli destaca que é importante observar a diferença entre contaminação e poluição. “Os níveis de metais encontrados foram maiores do que o que existiria naturalmente, mas não foram altos o suficiente para serem extremamente tóxicos ou venenosos”, afirma. “No entanto, no futuro, a bioacumulação pode concentrar metais da água de fusão em níveis perigosos nos tecidos de organismos que vivem em ecossistemas abaixo da geleira.”

A pesquisa atual mostra que a atividade humana alterou a atmosfera no Himalaia a partir do fim do século 18. Um estudo anterior, realizado por cientistas do Byrd Polar Center, publicado em 2015, demonstrou que, em outras partes do mundo, como no Peru, a mineração humana de prata contaminou o ar na América do Sul até 240 anos antes da Revolução Industrial. “O que está emergindo de nossos estudos, tanto no Peru quanto no Himalaia, é que o impacto dos seres humanos começou em momentos diferentes em diferentes partes do planeta”, conclui Gabrielli.

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