Ciência e Saúde

OMS aposta em "chance realista" de barrar coronavírus

No primeiro dia do congresso que reúne 400 cientistas em busca de estratégias para enfrentar epidemia, diretor-geral da agência das Nações Unidas destaca o risco global do micro-organismo, responsável por mais de 1 mil mortes na China continental. Mas também se mostra otimista

Correio Braziliense
postado em 12/02/2020 06:00

Com máscaras protetoras, moradores de Wuhan, onde surgiu a doença, fazem compras em mercado: China continental concentra 99% dos casosDiante de 400 cientistas que se reuniram em Genebra para avaliar meios de conter a epidemia do novo coronavírus, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, ressaltou o risco global do micro-organismo, que infectou mais de 42,6 mil pessoas somente na China continental, superando mil mortes. “Com 99% dos casos na China, (a epidemia) continua constituindo uma verdadeira emergência para este país, mas também é uma ameaça muito grave para o resto do mundo”, disse, na abertura do painel de dois dias. Mas se mostrou otimista: “Se investirmos agora (...), temos uma chance realista de interromper essa epidemia.”


“O que importa agora é deter essa epidemia e salvar vidas. Podemos alcançar isso juntos, com seu apoio”, afirmou o responsável aos participantes. O foco dos trabalhos será debater meios de evitar transmissões e pensar em possíveis tratamentos.

O chefe da OMS pediu a todos os países que mostrem sua solidariedade, compartilhando as informações técnicas de que dispõem. “Isso é particularmente importante em termos de amostras e da sequência do vírus. Para derrotar essa epidemia, precisamos compartilhar as informações”, insistiu.

Ghebreyesus disse que espera que a reunião produza uma agenda de pesquisa global. Fora da China continental, dois pacientes morreram — um, nas Filipinas, e o outro, em Hong Kong. Além disso, existem mais de 400 ocorrências de infecção em cerca de 30 países e territórios. Na América Latina, não há casos confirmados.

A preocupação internacional foi intensificada após um caso de propagação do coronavírus fora da China. Um britânico, infectado em Cingapura, transmitiu a doença para vários compatriotas durante uma estada na França, antes de ser diagnosticado no Reino Unido. Ele teria contaminado pelo menos 11 pessoas, acidentalmente. Cinco delas estão hospitalizadas na França; outras cinco, na Grã-Bretanha; e uma, na ilha espanhola de Maiorca.

“A detecção desse pequeno número de casos pode ser a fagulha que terminará em um incêndio maior”, afirmou, na segunda-feira, o diretor-geral da OMS. Até então, a maioria das contaminações identificadas no exterior envolvia pessoas que haviam retornado de Wuhan.

Campanha

Na China, após ser criticado pela demora em agir logo após as primeiras infecções pelo novo coronavírus, o governo de Xi Jiping lançou uma grande campanha de propaganda, com mensagens e slogans nas ruas para mobilizar os bilhões de chineses aterrorizados pelo micro-organismo. Há mais de duas semanas, o gigante asiático de 1,4 bilhão de habitantes está paralisado pelo agente infeccioso, que continua avançando, apesar das medidas de isolamento impostas em janeiro. O surto surgiu em dezembro em Wuhan, capital da província de Hubei, no centro do país.

Embora o percentual de contaminação seja pequeno (0,0026%) em relação à população total da China, muitos estão preocupados, como Zhao Yiling, uma dona de casa de 57 anos que não sai de seu apartamento em Pequim desde 23 de janeiro. “Estou aterrorizada”, disse a mulher à agência France Presse. Ela contou que segue as instruções de seu comitê de bairro e do Partido Comunista Chinês.

“O comitê disse que devemos ser pacientes e não sair. Então, eu não saio, eu obedeço.” Na entrada da residência onde mora, foram pintadas grandes faixas com mensagens em letras brancas e fundo vermelho para combater a epidemia. “Detectar, alertar, isolar e tratar o mais rápido possível”, conta uma delas.

No rádio e na televisão, os mesmos dizeres são repetidos: “Não saiam, não abram as janelas, lavem bem as mãos, usem máscara”. Em Hubei, os recados são ameaçadores contra os possíveis infectados. “Aqueles que não comunicam sua febre são inimigos”, diz uma faixa em um prédio em Yunmeng. Nesse mesmo distrito, que está em quarentena, outro aviso procura incutir terror: “Fazer visitas significa matar uns aos outros. Reunir-se significa correr em direção ao suicídio”.

A população de Hubei se tornou suspeita. Em Pequim, Zhao Yiling conta que detectaram, em seu bairro, um carro com uma placa do estado epicentro do vírus. “Todo mundo está procurando o dono”, relatou. “Há pânico, nem ousamos sair para comer”, acrescenta. Muitos não querem correr riscos, principalmente os idosos, mais vulneráveis em caso de infecção.

As ruas e os parques onde eles se reúnem para conversar, dançar e fazer ginástica, ou jogar cartas, agora estão vazios. Em um grande condomínio no noroeste de Pequim, Zhu, de 84 anos, não quer que entrem em sua casa para entregar comida e pede que deixem na porta. “Não podemos visitar os vizinhos”, diz, garantindo ter provisões suficientes. “Podemos suportar um mês”, afirmou.

Pressão

O regime comunista também está sob pressão desde a morte, na sexta-feira passada, de um médico em Wuhan. Li Wenliang, que morreu em razão do coronavírus, havia sido convocado pela polícia em dezembro por ser um dos primeiros a alertar sobre a disseminação do vírus. Foi acusado de “espalhar boatos”.

Os líderes chineses “se sentem um pouco culpados por terem reagido tão lentamente no início e agora exageram”, avalia o sinólogo Jean-Pierre Cabestan, da Universidade Batista de Hong Kong. Segundo ele, a “grande campanha de mobilização” em andamento quer mostrar que “o presidente Xi Jinping e o Partido estão mobilizados” para que as pessoas apliquem as regras da prudência e para “controlar as informações”.

Apesar do terror coletivo, alguns relutam em cumprir as regras. “O comitê do bairro veio me dizer que eu tinha que fechar, mas eu me recusei”, disse um homem que tem um restaurante em Pequim com sua mulher, o último aberto na rua. “Prestamos atenção na cozinha, tudo está muito limpo. Fechar não mudaria nada”, diz ele, sem usar máscara, no restaurante vazio.

Novo nome

De agora em diante, o novo coronavírus será chamado de COVID-19, que substituirá a denominação provisória estabelecida anteriormente 2019-nCoV. Segundo o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, o nome foi escolhido por ser “fácil de pronunciar” e sem referência “estigmatizante” a um país, ou população, em particular, disse. Ele explicou que CO significa corona, VI é vírus, e que D se refere à doença. O número 19 indica o ano de sua aparição (2019). A transcrição oficial da OMS coloca todas as letras maiúsculas.

No primeiro dia do congresso que reúne 400 cientistas em busca de estratégias para enfrentar epidemia, diretor-geral da agência das Nações Unidas destaca o risco global do micro-organismo, responsável por mais de 1 mil mortes na China continental. Mas também se mostra otimista

Prédio evacuado em Hong Kong

Mais de cem pessoas foram retiradas, ontem, de um prédio em Hong Kong, depois que dois casos do novo coronavírus foram descobertos em dois dos 35 andares. As autoridades investigam se é possível uma transmissão pelo encanamento. No meio da noite, parte dos moradores do edifício Hong Mei House, localizado na ilha Tsing Yi, foi evacuada. O episódio fez lembrar o caso do edifício residencial Amoy Gardens, também na ex-colônia britânica, onde, em 2003, a Sars infectou 321 residentes, 42 dos quais morreram. Na época, a investigação mostrou que o vírus circulava verticalmente pelos canos dos banheiros e passava rapidamente de um apartamento para outro.

Vacina em teste

Pesquisadores do Imperial College de Londres começaram a realizar testes de uma vacina contra o novo coronavírus em camundongos, na expectativa de tê-la disponível até o fim ano. “Acabamos de injetar a vacina que geramos a partir de bactérias em camundongos e esperamos, nas próximas semanas, determinar a reação nesses roedores, no sangue, sua resposta em termos de anticorpos contra o coronavírus”, explicou Paul McKay.

Com as pesquisas em estágio avançado, a equipe do Imperial College também espera ser a primeira a realizar ensaios clínicos em humanos. Para fazer isso, os cientistas confiam em estudos anteriores sobre a Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars), iniciada há quase duas décadas.

“Quando a primeira fase dos testes for concluída, o que pode levar vários meses, poderemos testar imediatamente a eficácia da vacina em pessoas, o que também levará alguns meses. Talvez até o fim do ano haja uma vacina viável para humanos”, acrescentou.

Pesquisadores de todo mundo empreenderam uma corrida para encontrar uma vacina contra o novo vírus. Em geral, esse trabalhoso processo leva vários anos, pois deve ser demonstrado que a vacina é segura e eficaz antes de ser produzida em massa.

McKay destacou que a busca de uma um medicamento é um trabalho sem rivalidades no mundo científico, assinalando que há uma “troca de informações” entre os especialistas envolvidos. “Assim que sequenciaram o genoma, os chineses o compartilharam livremente com todos, de modo que o lado competitivo provavelmente não existe. Eu diria que é uma corrida colaborativa”, insistiu o pesquisador.

EUA

Nos Estados Unidos, pesquisadores do Instituto Nacional de Saúde (NIH) e dos laboratórios Johnson & Johnson também estão empenhados em desenvolver possíveis vacinas contra o novo coronavírus. As pesquisas contam com a colaboração da empresa de biotecnologia Moderna, com sede em Cambridge, Massachusetts.

Membro da diretoria do NIH, Anthony Fauci admitiu que, pelo processo necessário, é possível que a epidemia entre em declive antes que a vacina fique pronta, como foi o caso da Sars, em 2002 e 2003. Levará três meses um teste de fase 1 e mais três meses para obter dados antes de, eventualmente, lançar a segunda etapa com um número maior de pessoas.

Paralelamente, especialistas de inúmeros laboratórios buscar um tratamento eficiente entre os medicamentos existentes, um método muito mais rápido e mais barato combater o vírus. Entre eles, o laboratório universitário francês VirPath propõe essa estratégia original no âmbito do consórcio Reacting, criado pelo Instituto Francês de Pesquisa Médica (Inserm) para lidar com crises de saúde como H5N1, ebola ou zika. 

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