Ciência e Saúde

Especialistas apontam que ciência perdeu tempo valioso contra o coronavírus

A constatação é de especialistas da área, considerando o avanço significativo da Covid-19 pelo mundo. Segundo eles, as pesquisas para o combate a esse tipo de micro-organismo deveriam ter sido intensificadas após a epidemia da Sars, em 2002

Correio Braziliense
postado em 04/03/2020 06:00
Epidemia atingiu aos menos 77 países e territórios e matou ao menos 3,1 mil pessoas: juntas, Sars e Mers causaram 1,6 mil mortesNas últimas duas décadas, o mundo enfrentou três séries de epidemias causadas por coronavírus. A atual contabiliza mais de 90 mil casos, incluindo 3.127 mortes, em 77 países e territórios afetados, de acordo com o balanço mais recente. Os números são significativamente maiores que a soma dos registros da síndrome respiratória aguda severa (Sars), em 2002 e 2003, e da síndrome respiratória do Oriente Médio (Mers), em 2012. Uma constatação que leva a questionamentos sobre o que pode ter potencializado a ação dessa nova ameaça invisível. A falta de investimento para combater micro-organismos do tipo é uma delas, segundo cientistas.

“Com muita frequência, a atenção à pesquisa e ao investimento gerada por uma nova epidemia diminui rapidamente, uma vez que ela se acalma. Resultado: as promissoras estratégias de investigação são deixadas de lado, ou os fundos são perdidos, enquanto esse trabalho poderia ser valioso para acelerar a resposta em futuras epidemias”, diz à agência France-Presse de Notícias (AFP) Jason Schwartz, da Escola de Saúde Pública da Universidade de Yale, nos Estados Unidos.

Há 20 anos, apenas quatro vírus da família dos coronavírus eram conhecidos como transmissíveis aos humanos, todos, geralmente, benignos. No começo dos anos 2000, porém, tudo mudou com o surgimento de um quinto membro da família: o que provoca a Sars. Em 2002 e 2003, a também chamada gripe aviária infectou 8.098 pessoas na Ásia, na Europa e nas Américas, sendo registradas 774 mortes. Depois, em 2012, veio a Mers, que infectou 2.744 casos e casou 858 mortes.

Segundo Bruno Canard, especialista em vírus do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França (CNRS), depois da epidemia da Sars, alguns programas de pesquisa foram iniciados, especialmente com apoio da União Europeia. Mas, logo os ritmos de trabalho foram diminuindo. “Houve mudanças nas políticas, a crise (financeira) de 2008...”, enumera.

Para o especialista, se a investigação sobre o coronavírus tivesse continuado de forma assídua, na melhor das hipóteses, haveria hoje um medicamento capaz de tratar a Covid-19. “Baixamos um pouco a guarda, enquanto, ao contrário, a aparição do vírus está em modo de aceleração, e sua aparição será cada vez mais acelerada pela mudança climática e pela perda de biodiversidade”, avalia Bruno Canard.

“Irmãos gêmeos”


Embora os coronavírus não sejam idênticos, eles são bastante similares. O novo é inclusive “irmão gêmeo do de 2003”, ressalta o especialista do CNRS. Há também a suspeita de que os vírus causadores de Sars, Mers e Covid-19 saíram de um animal antes de passarem para os humanos. Ainda que sejam diferentes, a ciência tem a capacidade de desenvolver um medicamento “contra qualquer novo coronavírus que aparecesse”, para Johan Neyts, professor especialista em vírus da Universidade KU Leuven, na Bélgica.

“Conhecíamos seis membros da família dos coronavírus (até o surgimento do que causa a Covid-19). Então, tivemos o suficiente para tentar encontrar um medicamento eficaz contra esses e aqueles que foram aparecendo”, justifica. “É um ataque que poderíamos ter evitado, as pessoas morrem e é uma verdadeira vergonha”, avalia o cientista que dirige uma equipe que trabalha com uma vacina e um tratamento para o novo coronavírus.

Segundo Johan Neyts, o desenvolvimento de um medicamento completamente novo contra um vírus pode custar de 250 a 300 milhões de euros (Cerca de US$ 280 a US$ 335 milhões). “É preciso que a OMS (Organização Mundial da Saúde) tenha reservas para um tratamento ativo contra qualquer coronavírus”, defende o pesquisador belga.

Tempo


Mas o dinheiro não é o único problema, ressalta Bruno Canard: “Para desenvolver uma molécula, leva anos, você precisa fazer testes clínicos”, contextualiza. Na semana passada, o Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos EUA (Niaid), que participa da criação de uma vacina, esclareceu que não se deve esperar uma imunização imediata. “Para obter uma vacina que seja viável para as pessoas usarem, será pelo menos de um ano a um ano e meio, na melhor das hipóteses”, disse o diretor do Niaid, Anthony Fauci, à CNN.

De acordo com a OMS, mais de 20 vacinas contra a Covid-19 estão em desenvolvimento. Jason Schwartz pontua que, como as soluções não serão imediatas, é importante que a preocupação e o investimento em pesquisas na área não se restrinjam aos momentos de crise. Segundo o virologista, diante da “ameaça mundial” que os coronavírus hoje representam, esse tipo de investigação é importante “para assentar as bases de futuras inovações, embora não haja uma aplicação comercial imediata”.

Os especialistas esperam que, com a atual epidemia, a lição seja aprendida. “Esta epidemia deve ser “nosso último sinal de alerta”, diz Johan Neyts. “Isso é verdade para a família dos coronavírus, mas também para outras famílias de vírus: todo mundo já esqueceu o zika”, lamenta. Em 2016, a OMS declarou o zika vírus como uma emergência de saúde pública mundial. O patógeno se espalhou em mais de 60 países desde que a epidemia foi identificada, em 2015. No Brasil, desde então, foram confirmados 3.474 casos, de acordo como Ministério da Saúde.
 

Menos letal

Há uma diferença significativa de letalidade entre os coronavírus. Até o momento, o que causa a Covid-19 é menos mortal, com taxas que variam de 2% a 3%. A taxa de mortalidade do Mers foi de 31%. A dos Sars, 9%.

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