Ciência e Saúde

Evolução: cientistas desenvolvem mão robótica com precisão refinada

Ao combinar enxertos musculares e algoritmos de aprendizado de máquina, cientistas americanos criam membro biônico que é movimentado intuitivamente e em tempo real. Usuários conseguem executar tarefas diversas, inclusive jogar pedra, papel e tesoura

Correio Braziliense
postado em 06/03/2020 06:00
Joe Hamilton perdeu o braço em um acidente em 2013 e testou a solução: Em um avanço no desenvolvimento de próteses controladas pela mente, pesquisadores da Universidade de Michigan (U-M), nos Estados Unidos, captaram sinais fracos e latentes dos nervos dos braços de pacientes amputados e os amplificaram. Isso permitiu a movimentação intuitiva e em tempo real de uma mão robótica, conforme um artigo publicado na edição desta semana da revista Science Translational Medicine.

Para tanto, os pesquisadores desenvolveram uma maneira de pinçar as terminações nervosas, separar feixes de nervos espessos em fibras menores que permitem um controle mais preciso e amplificar os sinais que atravessam esses nervos. A abordagem envolveu pequenos enxertos musculares e algoritmos de aprendizado de máquina emprestados do campo da interface cérebro-máquina.

“Esse é o maior avanço no controle motor de pessoas com amputações em muitos anos”, disse Paul Cederna, professor de cirurgia plástica na U-M Robert Oneal Medical School, além de ensinar engenharia biomédica na mesma instituição. “Desenvolvemos uma técnica para permitir o controle individual dos dispositivos protéticos com os dedos, usando os nervos no membro residual do paciente. Com isso, conseguimos fornecer alguns dos mais avançados controles protéticos que o mundo já viu”, afirma.

“Você pode fazer uma mão protética executar muitas tarefas, mas isso não significa que a pessoa a esteja controlando intuitivamente”, diz Cindy Chestek, professora-associada de engenharia biomédica que também coordenou a pesquisa. “Já na primeira tentativa, os participantes conseguiram controlar a prótese naturalmente. Não houve necessidade de aprenderem a usá-la. Todo o aprendizado ficou a cargo de nossos algoritmos. Isso é diferente de outras abordagens.” Nos testes, a interface funcionou por até 300 dias sem a necessidade de recalibração.

Embora os participantes do estudo ainda não tenham permissão de levar o braço para casa, no laboratório eles conseguiram pegar blocos com uma pinça, mover o polegar em um movimento contínuo, em vez de escolher entre duas posições, levantar objetos com formato esférico e até jogar em uma versão de pedra, papel e tesoura chamada pedra, papel e alicate. “É como se você tivesse uma mão novamente”, contou Joe Hamilton, participante do estudo, que perdeu o braço em um acidente com fogos de artifício em 2013. “Você pode fazer praticamente qualquer coisa que puder com uma mão real usando essa prótese, te passa um senso de normalidade”, comemorou.

Nervos periféricos


Um dos maiores obstáculos nas próteses controladas pela mente é captar um sinal nervoso forte e estável para alimentar o membro biônico. Alguns grupos de pesquisa — aqueles que trabalham no campo da interface cérebro-máquina — vão até a fonte primária, o cérebro. Isso é necessário ao trabalhar com pessoas que estão paralisadas. Mas é um método invasivo e de alto risco.

Para  pessoas com amputações, os nervos periféricos — a rede que sai do cérebro e da medula espinhal —, não havia,  até agora, uma solução que substituísse o membro faltante, porque os sinais nervosos que carregam são pequenos. Além disso, outras abordagens para captá-lo envolviam sondas que precisavam que os sinais fossem muito fortes. A equipe da U-M descobriu uma maneira melhor de fazer isso.

Eles envolveram pequenos enxertos musculares em torno das terminações nervosas nos braços dos participantes. Essas “interfaces nervosas periféricas regenerativas”, ou RPNIs, oferecem aos nervos cortados novos tecidos aos quais se agarrar. Isso impede o crescimento de massas nervosas chamadas neuromas, que levam à dor fantasma nos membros. E também dá aos nervos um megafone, pois os enxertos musculares amplificam os sinais nervosos.

Novas possibilidades


Dois pacientes tiveram eletrodos implantados em seus enxertos musculares, e os dispositivos foram capazes de registrar esses sinais nervosos e passá-los para uma mão protética em tempo real. “Pelo que sei, vimos a maior tensão registrada em um nervo em comparação com todos os resultados anteriores”, relatou Chestek. “Nas abordagens anteriores, você podia obter 5 microvolts ou 50 microvolts — sinais muito fracos. Agora, conseguimos os primeiros sinais de milivolts. Portanto, podemos acessar aqueles associados ao movimento individual do polegar, movimento múltiplo de liberdade do polegar, dedos individuais. Isso abre um mundo totalmente novo para pessoas que são usuárias de próteses de membros superiores”, detalhou.

As descobertas também abrem novas possibilidades para o campo cuja experiência é em algoritmos de aprendizado de máquina em tempo real para traduzir sinais neurais em intenção de movimento. “O que descobrimos agora é que os sinais nervosos são bons o suficiente para aplicar, no controle nervoso, tantas coisas que aprendemos nos algoritmos”, disse Chestek. De acordo com os cientistas, a abordagem gera sinais de movimentos mais refinados do que as mãos protéticas de hoje são capazes. “Mas aumentamos os recursos das próteses disponíveis no momento. Eu acho que essa é uma forte motivação para novos desenvolvimentos de empresas protéticas”, indicou Philip Vu, pesquisador em engenharia biomédica e primeiro autor do artigo.

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