Ciência e Saúde

No rastro da Covid-19: cientistas tentam detalhar evolução da doença

Duas novas pesquisas detalham diferentes estágios de progressão da doença, desde a infecção às complicações que levam à morte de infectados. Os resultados poderão ajudar a conter o avanço da enfermidade que contabiliza mais de 110 mil casos no mundo

Correio Braziliense
postado em 10/03/2020 06:00
homem com a cabeça abaixadaAo mesmo tempo em que fica cada vez mais “real” a possibilidade de a Covid-19 ser considerada uma pandemia, cientistas começam a compartilhar resultados de pesquisas que poderão ajudar concretamente no enfrentamento da doença. Dois estudos científicos divulgados nesta segunda-feira (9/3) trazem detalhes sobre a ação do vírus no corpo humano, considerando da incubação aos desdobramentos da infecção. Segundo os autores, são informações que, além de orientar condutas de profissionais da saúde e da população em geral, abrem caminhos para investigações mais profundas sobre essa nova ameaça mundial.

Uma das constatações é de que os 14 dias de quarentena parecem ser suficientes para conter o avanço desse coronavírus. Ao analisar 181 casos registados antes do último dia 24, cientistas da Escola de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg concluíram que o tempo médio de incubação do patógeno —  contado da infecção à manifestação dos primeiros sintomas — é de 5,1 dias. A equipe também estimou que, para cada 10 mil pessoas submetidas a esse formato de vigilância, 101 poderão desenvolver sintomas após serem liberadas.

“Com base em nossa análise de dados, a recomendação atual de 14 dias para monitoramento ativo ou quarentena é razoável, embora com esse período alguns casos sejam perdidos a longo prazo”, ressalta, em comunicado, Justin Lessler, professor associado da universidade estadunidense e autor sênior do estudo, divulgado na revista Annals of Internal Medicine. A maioria dos casos analisados era de pessoas que viajavam de ou para Wuhan, cidade chinesa considerada o centro da epidemia, ou que estiveram em Hubei, a província para a qual Wuhan é a capital.

Dinâmica do surto


Segundo a equipe de pesquisadores, uma estimativa precisa do período de incubação de uma doença causada por um vírus facilita que epidemiologistas avaliem a provável dinâmica do surto e permite que as autoridades de saúde pública projetem medidas eficazes de controle de disseminação dos casos. As quarentenas geralmente diminuem e podem parar a propagação da infecção mesmo se houver alguns casos extremos, quando, por exemplo, o período de incubação excede o isolamento forçado.

A estimativa de 5,1 dias para o período médio de incubação do novo coronavírus não é muito diferente da de patógenos da mesma família. O MERS-CoV, responsável pela síndrome respiratória do Oriente Médio (Mers) em 2012, por exemplo, demora entre cinco e sete dias para se manifestar. No caso dos coronavírus que causam resfriados comuns em humanos, o tempo para o aparecimento dos primeiros sintomas cai para três dias.

Justin Lessler lembra ainda que restringir a circulação de pessoas a um ponto em que elas não possam trabalhar ou estudar implica em custos, tanto pessoais quanto sociais. Por isso, defende o cientista, a importância de essas medidas serem muito bem fundamentadas. “Isso talvez fique mais óbvio quando os profissionais de saúde e os socorristas, como bombeiros, estão em quarentena”, ilustra.  A equipe publicou uma ferramenta online que permite às autoridades de saúde pública e a outros especialistas da área estimar quantos casos seriam capturados e perdidos ao se adotar diferentes períodos de quarentena.

Derramamento viral


Também com o intuito de ter uma visão mais clara de como se dá a progressão da Covid-19, pesquisadores chineses estimaram o tempo de duração dos principais sintomas da doença e do período em que o vírus segue circulando. O fenômeno, chamado de derramamento viral, foi de 20 dias entre sobreviventes do novo coronavírus (variando de 8 a 37 dias). O patógeno se manteve detectável até a morte dos 54 não sobreviventes. Ao todo, a equipe analisou dados de 191 pessoas, hospitalizadas em dois hospitais em Wuhan. O tempo médio para alta foi de 22 dias. E o de óbito, 18,5 dias.

“O derramamento viral prolongado observado em nosso estudo tem implicações importantes para orientar as decisões sobre precauções de isolamento e tratamento antiviral em pacientes com infecção confirmada. No entanto, precisamos deixar claro que o tempo de derramamento viral não deve ser confundido com o de autoisolamento, direcionado para pessoas que podem ter sido expostas ao vírus da Covid-19, mas que não apresentam sintomas”, alerta, em comunicado, Bin Cao, professor do China-Japan Friendship Hospital and Capital Medical University e coautor principal do artigo, divulgado na revista The Lancet. 

A partir dos dados, Bin Cao e colegas sugeriram alguns procedimentos médicos. “Recomendamos que testes negativos para a Covid-19 sejam necessários antes que os pacientes recebam alta do hospital. Na gripe grave, o tratamento viral atrasado prolonga o tempo que o vírus é eliminado e, juntos, esses fatores colocam os infectados em risco de morrer. Da mesma forma, o tratamento antiviral eficaz pode melhorar os resultados na Covid-19, embora não tenhamos observado encurtamento da duração do derramamento viral após o tratamento”, justifica.

O trabalho traz ainda dados inéditos sobre o desdobramento da doença.  A duração média da febre é de cerca de 12 dias em sobreviventes. A tosse, por outro lado, pode durar muito tempo: 45% dos pacientes seguiram enfrentado o problema depois que receberam alta. Nos sobreviventes, a dispneia (falta de ar) cessou após cerca de 13 dias, mas durou até a morte naqueles que não resistiram à infecção.

Os perfis mais vulneráveis ao novo patógeno também foram confirmados no novo estudo. Segundo os autores, ser mais velho, mostrar sinais de sepse e apresentar problemas de coagulação sanguínea quando se chega a um hospital são fatores-chave para o aumento do risco de morte pelo novo coronavírus. A frequência de complicações como insuficiência respiratória (98%), sepse (100%) e infecções secundárias (50 %) foi maior naqueles que morreram em decorrência da doença.

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