Ciência e Saúde

Pesquisadores apontam que o combate à Covid-19 precisa ser refinado

Cientistas alertam que as medidas para conter a pandemia da Covid-19 dependem da análise de informações mais aprimoradas. A dinâmica das cidades em que o vírus tem se propagado é um dos dados a serem considerados

Correio Braziliense
postado em 12/03/2020 06:00
Previsões sobre a expansão do vírus precisam levar em conta os meios de deslocamento das populações atingidasNo mesmo dia em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) elevou o surto da Covid-19 à categoria de pandemia, o nível mais alto de alerta de disseminação de uma doença, pesquisadores norte-americanos defenderam que modelos preditivos, que medem a capacidade de disseminação da doença, precisam ser aprimorados. Em um artigo publicado na revista Science Translational Medicine, os especialistas explicam que o uso de dados mais amplos para análises — como características de meios urbanos e a interação entre o vírus e o hospedeiro — pode ajudar a otimizar o combate à enfermidade em todo o mundo.

A definição de pandemia é usada quando uma doença deixa de ser um risco apenas para pessoas de um único país (epidemia) e passa a se tornar um problema global. A nova classificação é usada pela primeira vez para um vírus do tipo corona. “Pandemia não é uma palavra para se usar de maneira leve. Se for mal utilizada, é uma palavra que pode causar um medo irracional ou uma aceitação injustificada de que o combate (contra a doença) acabou”, explicou Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor da OMS, ao fazer o anúncio de mudança de categoria. Para ele, a nova condição não altera as atitudes tomadas pela OMS nem as ações aconselhadas pela organização para combater o surto. “Isso não muda o que a OMS está fazendo, nem o que os países devem fazer”, ressaltou.

Desde o surgimento e a disseminação do novo coronavírus, especialistas e autoridades têm usado os dados contabilizados em cada território para prever a intensidade e o tempo necessários para que a doença se espalhe pelos continentes. Mas cientistas americanos acreditam que essa estratégia precisa ser refinada. “Para entender os inéditos desafios colocados por esse vírus, é insuficiente confiar exclusivamente em casos confirmados e na medição de sua expansão geoespacial”, defendem Scott P. Layne, professor do Departamento de Epidemiologia na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, e James M. Hyman, professor de matemática na Universidade de Tulane, também nos EUA. A dupla assina o editorial publicado na edição de hoje da revista Science Translational Medicine.

Os pesquisadores acreditam que modelos de predição podem ser melhorados caso seja incluída uma série de informações, como distribuição da população em áreas urbanas, suas interações sociais e seus padrões de mobilidade. “Variáveis pertencentes à sociedade, como o deslocamento diário, as interações de contato próximas, as maiores oportunidades de viagem, entre muitas outras, precisam ser consideradas”, destacam os cientistas na publicação.

Hospedeiro

Segundo Scott Layne e James Hyman, outro tipo de dado que precisa ser analisado são as interações específicas entres os vírus e o hospedeiro. “Variáveis pertencentes à interação patógeno-hospedeiro incluem a capacidade de replicação do vírus e o tempo de vida do patógeno fora do hospedeiro. Além disso, mudanças no genoma viral devem continuar e podem alterar as variáveis ao longo do tempo”, explicam. Outro ponto essencial de um novo sistema baseado em todas essas informações é o compartilhamento, completam. “Essas variáveis devem ser compartilhadas livremente entre o meio científico e grupos como a Cruz Vermelha, outras organizações não governamentais e equipes de emergência.”

Silvio Junior, professor de física da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e membro do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Sistemas Complexos em Santa Catarina (INCT-SC), acredita que os cientistas americanos passam uma mensagem importante por meio de suas observações. “O editorial reforça que os modelos precisam ser aperfeiçoados e alimentados com dados reais precisos, que devem ser constantemente revisados e atualizados para produzir predições confiáveis, capazes de orientar políticas públicas de contenção da epidemia”, frisa.

Dificuldades

Segundo o especialista brasileiro, embora esse tipo de abordagem soe muito atrativa, ela também enfrenta alguns obstáculos para que possa render os resultados esperados. “Por exemplo, quanto maior a complexidade do modelo, mais difícil será entendê-lo e identificar quais fatores são mais relevantes para a disseminação da epidemia. A obtenção de dados precisos, especialmente em uma escala microscópica, é também uma tarefa muito complexa e dispendiosa, que demanda muito trabalho e tempo”, explica.

O professor destaca ainda que pesquisadores já começaram a colocar em prática alguns dos apelos feitos pelos cientistas no editorial. “Uma parte do que está sendo proposto, como usar dados de mobilidade, distribuições demográficas e etárias, vem sendo usada por grupos renomados na Espanha e nos Estados Unidos, no caso específico do coronavírus. Os modelos utilizados são alimentados por dados e têm apresentado bastante sucesso na predição da disseminação dessa enfermidade na Espanha”, ilustra.

Em ascensão
A expectativa da Organização Mundial da Saúde é de que os casos do novo coronavírus sigam crescendo. O balanço mais recente indica a ocorrência de 124.101 infectados, dos quais 4.566 morreram. Até o momento, 113 países e territórios foram atingidos. “Esperamos ver o número de casos, o número de mortes e o número de países afetados subir ainda mais”, disse o diretor-geral da agência, Tedros Adhanom Ghebreyesus.

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