Correio Braziliense
postado em 15/03/2020 08:00
A fadiga mental é um problema que pode afetar qualquer pessoa. Ela é desencadeada por longas atividades cognitivas, que são frequentes em jornadas de trabalho ou de estudo extenuantes, por exemplo. Cientistas buscam alternativas que ajudem a mitigar os efeitos desse estado psicobiológico. Em uma série de experimentos, pesquisadores dinamarqueses observaram que a meditação de atenção plena e as batidas binaurais — usadas na musicoterapia — conseguiram reduzir os efeitos do cansaço mental. As descobertas abrem portas para novas estratégias de combate a esse problema tão comum à sociedade.
A fadiga mental pode gerar tempos de reação mais lentos e deficits de atenção. Isso afeta a capacidade de se concentrar e de tomar decisões durante uma determinada tarefa. O cansaço mental geralmente é responsável por acidentes no trânsito ou no local de trabalho e pode levar à baixa eficiência do estudo. A fim de evitar esses problemas, pesquisadores escolheram duas atividades que geram concentração e relaxamento e resolveram testar o seu uso para “neutralizar” a estafa mental.
“Estudos recentes mostram que indivíduos que praticam a meditação de atenção plena (mindfulness) apresentam bons índices de desempenho cognitivo e de enfrentamento do estresse, incluindo memória de trabalho aprimorada e atenção sustentada. Há também evidências sugerindo que o uso de batimentos binaurais aumenta essa atenção. Por isso, voltamos nossos olhos para essas duas intervenções”, conta Johanne Lundager Axelsen, professora do Departamento de Psicologia da Universidade do Sul da Dinamarca e uma das autoras do estudo, publicado no Journal of Cognitive Enhancement.
Na fase inicial, 60 participantes realizaram uma tarefa de atenção sustentada, que exigiu muita concentração. Em seguida, foram submetidos a testes para saber o quanto a mente divagava, ou seja, o nível de fadiga mental que os voluntários apresentavam. A segunda fase consistiu na divisão de três grupos, compostos por 20 pessoas cada. Um deles ouviu uma trilha de meditação guiada durante 12 minutos, outro, uma faixa de batidas binaurais com a mesma duração, e o terceiro apenas relaxou pelo mesmo período.
Em seguida, os cientistas analisaram o humor e a capacidade de concentração de todos os participantes por meio da tarefa de atenção sustentada, que foi aplicada novamente. Os pesquisadores observaram que os integrantes dos dois primeiros grupos mostraram redução de fadiga mental, com índices mais altos de concentração do que o grupo controle, o terceiro. Os investigadores também notaram que os que fizeram meditação e tinham experiência anterior com a prática mostraram resultados ainda mais positivos.
“O indivíduo pode se sentir mais relaxado e menos afetado pelo cansaço mental depois de ouvir a música. Portanto, os resultados indicam que as batidas binaurais podem ajudar a aguçar a atenção, o que, por sua vez, reduz o efeito negativo da fadiga mental”, destaca Johanne Lundager Axelsen. “O mesmo vale para o grupo de mindfulness, principalmente os mais experientes. Isso pode indicar que praticar a atenção plena ajuda você a se concentrar em uma tarefa em questão. Também é uma atividade eficaz para lidar com situações estressantes e ajudar na economia de energia mental.”
Vibração cerebral
Ronald Fischer, psicólogo e pesquisador do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor), destaca que as batidas binaurais são uma técnica de estímulo ao relaxamento inovadora, mas ainda pouco conhecida (Leia Para saber mais). Segundo o especialista, essa tecnologia mostra efeito positivo devido às alterações que desencadeiam na atividade neural. “Nosso cérebro é uma rede de várias células, e as informações andam dentro dessas redes em ondas, que são oscilações elétricas. Controlá-las é uma tarefa que pode ajudar na atenção e aumentar o bem-estar, mas é algo difícil de ser feito. As batidas binaurais ajudam nisso. São frequências de sons que atuam modificando a vibração do cérebro, gerando esses benefícios vistos no estudo”, detalha.
O especialista brasileiro também acredita que, apesar dos dados positivos obtidos, o estudo precisa de uma análise com mais indivíduos. “Fica difícil confirmar esses ganhos em uma amostra tão restrita”, justifica. “Seria importante também testar os efeitos dessa prática na rotina diária, pois, apesar de uma atividade laboratorial conseguir gerar fadiga mental, esse efeito ainda é muito diferente do que enfrentamos no cotidiano. Seria interessante expandir esses testes para situações mais reais.”
Três perguntas para Kelly Tirelli, psicóloga
A senhora acredita que a meditação e as batidas binaurais são
estratégias que podem ajudar a evitar a fadiga mental, como mostra o estudo dinamarquês? De que forma?
estratégias que podem ajudar a evitar a fadiga mental, como mostra o estudo dinamarquês? De que forma?
As batidas binaurais, assim como a meditação, são técnicas conhecidas há um bom tempo, utilizadas para relaxamento, para auxiliar no autoconhecimento, no controle da ansiedade, no estresse, no nervosismo e na indução do sono. Por serem técnicas que levam o sujeito a um nível de relaxamento, acredito, sim, que ajudem a evitar a fadiga mental, mas não somente elas. Temos que pensar em uma junção de fatores que podem colaborar para essa fadiga. Se eu não percebo a causa e não a modifico, continuarei com a fadiga mental presente e recorrente.
Acredita que, ultimamente, sofremos mais com esse problema devido ao estresse cotidiano?
Atualmente, temos acesso às informações e às tecnologias de maneira muito mais rápida. Isso acaba elevando, de muitas formas, os estímulos que chegam ao nosso cérebro. As tarefas se sobrepõem, as pessoas estão fazendo várias coisas ao mesmo tempo. Isso acaba sobrecarregando o cérebro, assim como o aumento da autocobrança de ter que fazer mais e mais e de ter que dar conta de fazer tudo em menos tempo possível. Infelizmente, existe a conotação de que, se eu estou descansando depois de um dia cansativo, estou perdendo tempo. Ou se eu não me desdobrar para resolver tudo ao mesmo tempo, de que sou incompetente. É como se fosse uma corrida contra o tempo, e essa corrida traz sérias consequências.
Quais as melhores opções para quem quer evitar a fadiga mental?
É importante observar se você ultrapassa seus limites, já que a fadiga mental é um desgaste intelectual. É você permitir-se dormir a quantidade de horas necessárias, não querer resolver tudo ao mesmo tempo, permitir-se ter momentos de descanso/lazer ou um tempo para não pensar em nada, como pequenas pausas durante o trabalho ou estudo. É também investir em atividades físicas, já que sabemos que é comprovado o benefício do exercício físico para o cérebro. Alimentar-se melhor. É melhorar o estilo de vida e cuidar da saúde física e psicológica.
Para saber mais
Alterando as frequências
O cérebro humano opera em certas faixas de frequências, que são medidas em ondas hertz. Elas mudam dependendo de como o indivíduo se sente e do que ele faz. As batidas binaurais podem alterar essas frequências naturais lentamente, em um efeito chamado teoria do arrastamento. As frequências são recebidas pelo indivíduo por meio de fones de ouvido, com sons distintos sendo emitidos em cada orelha. As alterações ocorrem por meio desse trabalho duplo, constante e sincronizado.
As faixas musicais são construídas de acordo com as sensações que se quer provocar no ouvinte, como estado de relaxamento e de alerta. Várias faixas são disponibilizadas ao público por meio de aplicativos com uma série de opções, como auxiliares do sono e eliminação de ansiedade, entre outras. Os cientistas ainda não sabem definir totalmente como essa técnica gera efeitos positivos. Por isso, defendem que o tema precisa ser mais investigado.
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.