Ciência e Saúde

Coronavírus também ameaça a sanidade mental, alertam pesquisadores

Em artigo, especialistas alertam que a Covid-19 ameaça o bem-estar psicológico da população, que poderá enfrentar problemas como depressão, ansiedade e dependência química. Falta de pesquisas sobre esse impacto da pandemia é outra carência apontada

Correio Braziliense
postado em 16/04/2020 06:00
Os autores defendem que os sistemas de saúde monitorem, em tempo real, casos ligados a forte sofrimento emocionalConfinada, com medo de adoecer, de perder o emprego e do futuro incerto, a população mundial enfrenta não apenas um vírus, mas o desafio de manter a sanidade mental ao viver uma situação inédita para a maioria. Em um artigo publicado, ontem, na revista The Lancet Psychiatry, 24 especialistas da área destacam a necessidade de combater os impactos da pandemia na mente e no cérebro, e pedem pesquisas “urgentes” para identificar estratégias de mitigação.

Segundo os autores, o surto da Covid-19 pode ter “um impacto profundo e generalizado na saúde mental global agora e futuramente”. Ao mesmo tempo, os especialistas ressaltam que há poucas novas publicações científicas sobre os efeitos da pandemia nesse sentido. Os especialistas destacam que duas enquetes ainda não publicadas da MQ (um instituto de pesquisas psiquiátricas do Reino Unido) e outra da Ipsos Mori com mais de 3 mil pessoas indicaram que os entrevistados relataram aumento de ansiedade, medo de ficar mentalmente mal e não terem como se tratar, além de terem destacado consequências negativas para o bem-estar psicológico.

“Todos estamos lidando com incertezas sem precedentes e grandes mudanças na forma que vivemos devido à pandemia do coronavírus. Nossas enquetes mostram que essas mudanças já estão tendo impactos consideráveis na nossa saúde mental”, disse, em nota, Emily Holmes, pesquisadora do Departamento de Psicologia da Universidade de Uppsala, na Suécia, e principal autora do artigo. De acordo com ela, profissionais de saúde na linha de frente e grupos vulneráveis, como idosos e pessoas com condições mentais sérias, como depressão, devem ser priorizadas para receber suporte psiquiátrico e psicológico.

No artigo, os especialistas pedem que sistemas de saúde façam um monitoramento em tempo real de casos atendidos de ansiedade, depressão, automutilação, entre outros problemas, além de suicídios. De acordo com os autores, surtos anteriores dão uma mostra do que pode estar acontecendo. A epidemia de Sars, em 2003, foi associada a um aumento de 30% de suicídio em pessoas com mais de 65 anos, e 29% dos profissionais de saúde relataram sofrimento emocional.

Os pesquisadores também sugerem a rápida implementação de programas e tratamentos que podem ser acessados por computador, celular ou outros meios remotos. “Os governos precisam encontrar maneiras de aumentar a resiliência de nossas sociedades e encontrar meios comprovadamente eficazes de tratar remotamente aqueles com problemas de saúde mental”, diz Matthew Hotopfi, vice-diretor de pesquisa do Instituto de Psiquiatria e Neurociência do King’s College London e um dos autores do artigo.

“O aumento do isolamento social, a solidão, a ansiedade, o estresse e uma crise econômica são uma tempestade perfeita para prejudicar a saúde mental e o bem-estar das pessoas”, diz Rory O’Connor, professor de psicologia da saúde da Universidade de Glasgow e um dos autores do artigo. “Se não fizermos nada, arriscamos ver um aumento em condições como ansiedade e depressão, e um aumento de comportamentos problemáticos, como dependência de álcool e drogas, jogos de azar e cyberbullying.”

Efeitos no cérebro

O texto também observa que “quase nada ainda é conhecido sobre o impacto da Covid-19 no sistema nervoso”. Como já foi demonstrado que outros coronavírus passam para o sistema nervoso central, o artigo recomenda pesquisas para monitorar e entender se o Sars-Cov-2 também tem efeitos no cérebro.

Essa é uma preocupação de pesquisadores da Universidade da Califórnia em San Diego, que publicaram, há dois dias, um estudo na revista Brain, Behavior and Immunity. No artigo, eles sugerem que, após a nova pandemia de coronavírus, uma série de desafios neuropsiquiátricos podem permanecer — ou emergir — para aqueles que se recuperam da Covid-19.

“As pandemias anteriores demonstraram que diversos tipos de sintomas neuropsiquiátricos, como encefalopatia, alterações de humor, psicose, disfunção neuromuscular ou processos desmielinizantes (perda do revestimento protetor das células nervosas), podem acompanhar a infecção viral aguda ou seguir a infecção por semanas, meses ou mais em pacientes recuperados”, alerta o texto. “Nosso artigo procura chamar a atenção da comunidade médica para a necessidade de monitoramento e investigações para mitigar esses resultados”.

Os autores observaram que estudos de pandemias virais respiratórias passadas relataram diversos sintomas neuropsiquiátricos, incluindo aumento da incidência de insônia, ansiedade, depressão, mania, suicida e delírio, que se seguiram às pandemias de influenza nos séculos 18 e 19, além da gripe espanhola, no início do século 20. “A encefalite letárgica é um distúrbio inflamatório do sistema nervoso central marcado por hipersonolência (sonolência anormal), psicose, catatonia e parkinsonismo. A incidência aumentou na época da pandemia de 1918”, escreveram.

Durante surtos virais mais recentes, como a Sars de 2003, o H1N1 em 2009, e o Mers em 2012, houve relatos subsequentes de taxas mais altas de narcolepsia, convulsões, encefalite (inflamação cerebral), síndrome de Guillain-Barré e outras condições neuromusculares e desmielinizantes. “Já estão surgindo relatos de sintomas agudos associados ao sistema nervoso central em indivíduos afetados pela Covid-19”, disse, em nota, um dos autores, Suzi Hong. “Isso inclui maior incidência de acidente vascular cerebral (AVC) em pacientes severamente infectados em Wuhan, China, além de delírio e perda de olfato e paladar.”

Os especialistas dizem que as consequências neuropsiquiátricas da atual pandemia de coronavírus ainda não são conhecidas, mas, provavelmente serão significativas e durarão anos. Eles afirmam que evidências emergentes sugerem que a comunidade biomédica deve começar a monitorar os sintomas de condições neuropsiquiátricas e o status neuroimune de pessoas expostas ao Sars-Cov-2.

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