Correio Braziliense
postado em 24/04/2020 06:00
![A conclusão é resultado de uma análise das diferentes estratégias de combate à Covid-19 testadas por cientistas de todo o mundo. Para os autores da revisão sistemática, ela poderá ajudar a conter o Sars-Cov-2 e outros vÃrus transmitidos por animais](https://imgsapp2.correiobraziliense.com.br/app/noticia_127983242361/2020/04/24/847694/20200424001007364417e.jpg)
Os pesquisadores, que publicaram um artigo com esses dados na revista Frontiers in Microbioloby, elegeram as vacinas como o principal meio de combate à Covid-19. Já como abordagem terapêutica para o tratamento de infectados, a equipe avaliou que determinados antivirais, como o remdesivir — desenvolvido originalmente para ebola e que tem mostrado sucesso em ensaios clínicos —, devem ser a melhor opção. Terapias genéticas e infusão de plasma também foram avaliadas pelos cientistas da universidade norte-americana.
De acordo com a equipe, o objetivo da revisão sistemática é fornecer ferramentas para a comunidade científica lidar não apenas com o Sars-Cov-2, mas com outros vírus zoonóticos — transmitidos por animais — que, fatalmente, surgirão. “Industrialização, globalização e hábitos culturais tradicionais potencializam a probabilidade de transmissão de zoonoses e facilitam a propagação de vírus na população”, diz Ralph Baric, professor do Departamento de Epidemiologia da instituição e um dos autores do estudo. “Enquanto novos surtos de vírus emergentes são inevitáveis, cientistas, epidemiologistas e o setor de saúde devem correr para desenvolver novas tecnologias que prevejam melhor e minimizem o impacto de uma epidemia, por meio de programas globais de vigilância e desenvolvimento de vacinas e antivirais.”
De acordo com Baric, o estudo, que ficará aberto à comunidade científica, “fornece um recurso abrangente de possíveis linhas de ataque contra o Sars-Cov-2 e coronavírus relacionados, incluindo os resultados de todos os ensaios clínicos e pré-clínicos até agora em vacinas contra os vírus da Sars e da Mers”. Esses dois últimos emergiram em epidemias em 2003 e 2012, respectivamente, e apresentam um alto grau de semelhança com o causador da Covid-19. Por isso, tratamentos e imunizações que vinham sendo pesquisados para enfrentá-los também estão sendo testados para o novo coronavírus.
Contudo, Baric alerta que a abordagem mais promissora para o desenvolvimento de uma vacina para a Covid-19 provavelmente não funcionará para o Sars-Cov, causador da síndrome respiratória aguda grave (Sars). Isso porque, apesar dos RNAs dos vírus serem bastante próximos, o mesmo não se pode dizer da sequência genética de um dos principais alvos para o ataque ao novo coronavírus: a proteína S. Tanto o Sars-Cov-2 quanto seu antecessor Sars-Cov têm essa proteína, a spike, que desempenha um papel essencial na infecção das células humanas.
Localizada na parte externa do vírus, a spike se junta a um receptor presente na membrana celular do hospedeiro, que não reconhece a S como um inimigo, e permite que ele penetre a estrutura e comece o ciclo de replicação. Devido a esse papel essencial, a proteína é o alvo preferencial não só de vacinas, mas de outras terapias em andamento. Porém, a sequência de aminoácidos da S difere muito nos dois vírus, com um grau de similaridade entre 76% e 78%. “Vacinas com essa abordagem desenvolvidas para uma cepa específica (Sars-Cov ou Sars-Cov-2) provavelmente não funcionarão para a outra”, observa Baric.
Das vacinas desenvolvidas especificamente para o Sars-Cov-2 que têm a proteína spike como alvo, os pesquisadores consideram como uma das mais promissoras a da Moderna, empresa californiana de biotecnologia. A substância já vem sendo testada em hospitais norte-americanos. “Apesar de ainda não terem estudos publicados sobre ela contra o coronavírus, a vacina de RNA tem funcionado bem para doenças infecciosas, como influenza e raiva, em modelos animais”, diz Baric.
Terapia gênica
Enquanto uma vacina que se mostre eficaz não seja aprovada, os pesquisadores também apostam na terapia gênica para oferecer proteção contra o Sars-Cov-2. Usando um vírus vivo atenuado, o adeno-associado (AAV), seria possível levar anticorpos, peptídeos antivirais e imunomoduladores, entre outras substâncias, diretamente às vias aéreas superiores. “A imunização baseada em AAV pode ser usada como uma alternativa rápida. Ela é direta e contém apenas dois componentes, o vetor viral e o anticorpo. Vários vetores de AAV provaram ser seguros e eficazes para uso humano”, detalha o infectologista Long Ping Victor Tse, coautor do estudo.
O preço alto desse tipo de tratamento poderia ser atenuado, acredita ele. “Em teoria, uma dose única pode gerar uma resposta protetora dentro de uma semana e durar mais de um ano. O preço atualmente alto pode ser reduzido no tratamento de doenças infecciosas, que têm um mercado maior. Pode ou não já ser tarde demais para testar o AAV contra o Sars-Cov-2, mas, certamente, não é tarde demais para futuros surtos”, observa Tse.
Antivirais
Como o desenvolvimento e o teste de novas vacinas levam de um a vários anos, outras abordagens contra a Covid-19 são essenciais nesse meio tempo. Long Ping Victor Tse aponta como a segunda abordagem provavelmente mais eficaz os antivirais de amplo espectro, como análogos de nucleosídeos, aqueles que imitam as bases no genoma do RNA do vírus e são incorporados, por engano, nas cadeias de RNA que começam a ser produzidas, impedindo o processo de cópia e replicação do coronavírus dentro da célula humana.
Tse aponta uma particularidade dos coronavírus que dificulta a abordagem. Eles têm uma enzima capaz de eliminar essas falhas, fazendo com que a maioria dos remédios análogos de nucleosídeos não funcione bem. Porém, um deles tem se mostrado promissor em testes com os humanos, o remdesivir. Outra substância também desenvolvida originalmente para o ebola, a beta-D-N4-hidroxicitidina age da mesma maneira e evita que o vírus corrija falhas, o que a torna promissora, segundo os autores do estudo divulgado na Frontiers in Microbioloby,
A análise das estratégias estudadas considerou também a proposta de uso de plasma sanguíneo convalescente de pacientes que se recuperaram, com baixos níveis de uma variedade de anticorpos contra o vírus. A técnica vem sendo testada em vários hospitais do mundo, inclusive no Brasil. Embora reconheçam que pode ser uma boa opção, os autores também apostam em anticorpos monoclonais, isolados e produzidos em massa por biotecnologia. Essa “imunização passiva” pode dar imunidade a curto prazo, mas tem desenvolvimento mais lento.
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