Ciência e Saúde

Covid-19: Cientistas alertam que hipertensão pode dobrar risco de morte

Cientistas chegaram à conclusão ao analisar dados de 2,8 mil pessoas infectadas pelo Sars-CoV-2 e atendidas em hospital chinês. Para especialistas, resultado reforça a importância de manter o tratamento da doença crônica durante a pandemia

Correio Braziliense
postado em 05/06/2020 06:00
Problemas comuns na pandemia, como a ansiedade e os desconfortos com o isolamento, podem afetar a pressão arterialUm estudo realizado por cientistas chineses e irlandeses mostra que pacientes com pressão arterial elevada têm risco dobrado de morrer em decorrência da covid-19. O trabalho internacional também revela que os hipertensos que param de tomar medicamento para controlar a condição são ainda mais vulneráveis. Os dados, apresentados no periódico especializado European Heart Journal, são significativos, considerando que a doença crônica é uma das mais incidentes no Brasil e em várias outros países e que, nesta semana, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou que estão altas as taxas de interrupção do tratamento anti-hipertensivo durante a pandemia (Leia Para saber mais).

Na pesquisa, os cientistas usaram dados de 2.877 pessoas infectadas pelo Sars-CoV-2 e admitidas no hospital Huo Shen Shan, na cidade chinesa de Wuhan, entre 5 de fevereiro e 15 de março. Desses pacientes, 29,5% (850) tinham histórico médico de hipertensão. Nas análises, os pesquisadores descobriram que 34 dos 850 pacientes hipertensos (4%) morreram — entre aqueles sem a doença crônica (2.027), 22 perderam a vida (1,1%). Dessa forma, o risco de os hipertensos morrerem é 2,12 vezes maior.

Entre os hipertensos não medicados (140), 11, o equivalente a 7,9%, morreram de covid-19, em comparação com 23 (3,2%) dos 710 que tomavam o remédio para controlar a doença crônica. Nesse caso, o risco do primeiro grupo é 2,17 vezes maior. “É importante que os pacientes com pressão alta percebam que correm um risco maior de morrer em razão da covid-19. Eles devem cuidar bem de si mesmos durante essa pandemia e precisam de mais atenção se estiverem infectados pelo vírus”, enfatiza, em comunicado, Fei Li, pesquisador no Hospital de Xijing, na China, e um dos autores do estudo.

Em uma outra etapa, em uma metanálise, os pesquisadores reuniram os dados das pessoas atendidas no hospital chinês com os de quase 2.300 pacientes de três outros estudos. O objetivo foi investigar as taxas de mortalidade entre infectados pela covid-19 em tratamento com drogas anti-hipertensivas chamadas RAAS. Nesse caso, o risco de morte é menor, se comparado com o de hipertensos submetidos a outros tratamentos.

Ling Tao, também autor do estudo e pesquisador do Hospital de Xijing, conta que, logo depois que a equipe começou a tratar pessoas com covid-19, no início de fevereiro, em Wuhan, eles perceberam que quase metade dos pacientes que morreram tinha pressão alta. “Ao mesmo tempo, alguns pesquisadores levantaram preocupações quanto à possibilidade de os inibidores do RAAS facilitarem a entrada do coronavírus nas células e tornar as pessoas mais suscetíveis à doença”, diz. “Ficamos surpresos por esses resultados não apoiarem nossa hipótese inicial. Na verdade, os resultados foram na direção oposta, com uma tendência a favor desses inibidores. Acreditamos que é exatamente por isso que a prática baseada em evidências clínicas é mais vital do que nunca”, ressalta.

Adesão imprescindível 


Os cientistas ressaltam que é muito cedo para fazer recomendações clínicas com base nos resultados obtidos, mas acreditam que o estudo ajuda a reforçar a necessidade de manter os cuidados relacionados à saúde cardíaca. “Esses dados devem ser interpretados com cautela. No entanto, eles apoiam recomendações, feitas também pela Sociedade Europeia de Cardiologia, de que os pacientes não devem interromper ou alterar o tratamento anti-hipertensivo neste momento”, afirma   Ling Tao.

Frederico Abreu, coordenador de Cardiologia do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, destaca que o estudo reforça dados vistos na área médica e corroboram orientações que têm sido feitas aos pacientes. “Temos alertado a todos os hipertensos sobre a importância de manter o tratamento, como foi visto nessa e em outras pesquisas. Vemos muitas pessoas que têm apresentado pressão mais alta, o que ocorre principalmente devido à ansiedade provocada pela pandemia e ao longo tempo de isolamento”. frisa.

O cardiologista também ressalta que os dados do estudo em relação aos medicamentos RAAS são muito importantes, pois ajudam a minimizar um temor que surgiu no início da crise sanitária. “Esse medo surgiu por um estudo, feito também em Wuhan, que mostrou um número considerável de vítimas fatais da covid-19 que usavam essas drogas. Mas não tínhamos como provar que essa relação existia”, relata. À época, segundo Frederico Abreu,  a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) veio a público alertar que os hipertensos não deveriam mudar o tratamento.

Como o registro de infecção pelo coronavírus diminuiu na China, os autores do estudo pretendem realizar um ensaio clínico na Universidade Nacional da Irlanda, em busca de mais dados que possam ajudar a entender os efeitos da covid-19 em pacientes hipertensos. “Ainda temos muitas perguntas para responder. Precisamos entender quais os medicamentos que podem ser usados com tranquilidade, se existem drogas que colocam esses pacientes em risco maior e se existe também um perfil de paciente que precise de mais cuidados. Acreditamos que o estudo clínico que faremos ajudará a decifrar essas questões”, diz Patrick Serruys, coautor do estudo e pesquisador da Universidade Nacional da Irlanda.


Taxa de 25% nas capitais

Segundo a pesquisa mais recente do Ministério da Saúde, em 2019, 24,7% da população que vive nas capitais brasileiras afirmam ter diagnóstico de pressão alta. O estudo também mostra ainda que a parcela da sociedade mais afetada pela doença crônica é formada por idosos: 60,9% dos entrevistados com idade acima de 65 anos revelaram ser hipertensos. Na faixa entre 55 e 64 anos, a taxa é de 49,5%.

Para saber mais

Interrupção em metade dos países

Após levantamento feito em 155 países, a Organização Mundial da Saúde (OMS) constatou que, em mais da metade deles, 53%, o tratamento para a pressão alta foi afetado durante a pandemia da covid-19, e que emergências cardiovasculares ficaram sem atendimento em 31% das nações. A investigação também mostrou que houve prejuízos no tratamento de diabetes em 49% dos países, e no de cânceres, em 42%.

“Os resultados dessa pesquisa confirmam o que ouvimos dos países há várias semanas. É vital que os países encontrem maneiras inovadoras de garantir que os serviços essenciais para as doenças não transmissíveis continuem, mesmo quando combatem a covid-19”, afirmou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus. Escassez de medicamentos e de ferramentas de diagnóstico, carência de profissionais e dificuldade de deslocamento estão entre as razões apontadas para a interrupção dos tratamentos.

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