Enfrentar o isolamento causado pela pandemia é difícil para todos, mas pode ser ainda mais complicado para crianças e adolescentes. Nem todos entendem — e aceitam — facilmente que é preciso ficar em casa, lavar as mãos regularmente e até mesmo não exagerar nos lanchinhos da tarde. Os impactos da covid-19 sobre os mais jovens são alvo de estudos científicos, que já indicam algumas peculiaridades. Na tentativa de ajudar pais e responsáveis, especialistas recomendam que eles incentivem os filhos a cuidarem da saúde e os mantenham informados sobre a crise sanitária.
Um dos primeiros cuidados é explicar que quem tem menos idade também pode ser infectado pelo coronavírus. E, assim como os adultos, crianças com outros problemas de saúde, como obesidade e diabetes, apresentam risco maior de serem acometidas por casos graves da covid-19. A descoberta foi feita por cientistas americanos que analisaram registros médicos de 50 jovens internados com a enfermidade. Dos pacientes, nove precisaram respirar por ventilação, sendo que seis eram obesos. “Esse ainda é um estudo pequeno, mas vimos que também nos jovens existe risco associado à obesidade e à gravidade da covid-19”, afirma Philip Zachariah, pediatra da Columbia University Irving Medical Center, em Nova Iork, e principal autor do estudo, publicado, neste mês, na revista Jama Pediatrics.
Lorena Lima Amato, endocrinologista e endocrinopediatra pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), destaca que o cuidado com o peso durante o isolamento é extremamente necessário. “Vemos em pesquisas o quanto a obesidade aumenta os riscos em pacientes com covid, e isso mostra como é importante combater o excesso de peso com a realização de exercícios e pela dieta. Há muitas pessoas dizendo que este não é o momento de fazer dieta, mas não é verdade, cuidar da alimentação ajuda a manter a imunidade”, enfatiza.
A especialista lembra que a ansiedade pode levar as crianças a comerem mais, o que exige uma atenção extra dos pais. “É importante, por exemplo, manter horários para realizar as refeições. Dessa forma, vira uma rotina e impede que elas consumam mais do que o necessário”, indica. “Outra medida é criar brincadeiras que façam elas gastarem energia, pois, além de ajudar a reduzir o peso, favorece no controle da ansiedade.”
Aline Neves, 39 anos, aposta na definição do horário para as refeições como estratégia de controle do apetite das filhas Lorena, 12 anos, e Lavínia, 14. “A Lorena transfere a ansiedade para a comida. E outro problema é que nunca quer uma fruta, por exemplo, sempre quer um doce, uma bobagem. Devido ao autismo, fica ainda mais difícil controlar. Por isso, uso a estratégia de agendar essas refeições. Com isso, consigo evitar excessos.”
Outro recurso que tem ajudado a controlar a ansiedade de Lorena são as aulas de música. Ela é aluna de um projeto chamado Uma sinfonia diferente, voltado para crianças com autismo. “Para elas, é mais difícil se concentrar. Por isso, as atividades rotineiras que podem ser feitas em casa não são suficientes. O que ela gosta muito são as aulas de música, as quais têm sido virtuais, agora. Ela consegue se distrair bastante e relaxar, tem ajudado muito”, conta Aline.
Ajustes à idade
Segundo especialistas, é importante os pais saberem que as crianças têm reações distintas às situações extraordinárias. “Eles podem observar uma série de respostas, como maior curiosidade, medo ou falta de cuidado, que são comportamentos normais”, diz ao Correio Krystal Simmons, professora no Departamento de Psicologia Educacional na Universidade do Texas, nos EUA.
Segundo Simmons, o tipo de discussão que os adultos terão com os menores dependerá da idade e da personalidade de cada jovem. “É claro que os cuidadores conhecem melhor o filho, mas temos diretrizes sobre como as crianças lidam, tendo com base o estágio de desenvolvimento em que estão.”
As menores não terão um entendimento completo dos eventos relacionados à pandemia. No entanto, podem perceber as emoções subjacentes demonstradas pelos adultos.“Elas tendem a expressar seus sentimentos nas brincadeiras. Por isso, é importante estar alerta a possíveis demonstrações de medo e tranquilizá-las.” Simmons explica que crianças de 6 a 8 anos têm pensamentos mais concretos e tendem a ter uma compreensão literal do impacto do vírus. “Por isso, é importante abordar as discussões com crianças dessa idade de maneira clara, honesta e simplista.”
Entre os pré-adolescentes e os adolescentes, há uma melhor compreensão de conceitos como ansiedade e morte, o que facilita conversas mais profundas. “No entanto, eles também podem acreditar que são invencíveis à infecção pelo vírus. Ter conversas francas, honestas e mais profundas pode ser apropriado nesses estágios de desenvolvimento”, diz.
Cristina Almeida, 37 anos, enfrenta a pandemia com três filhos em faixas etárias distintas e explica como as reações deles são diferentes. “A Alice, de 9 anos, é a nossa maior, sempre entende que tem que ficar de máscara. Vemos que ela tem um nível de preocupação alto. Isso também gera alguns problemas, como a dificuldade de dormir bem durante a noite, ela fica ansiosa”, conta. “Os outros dois, o Pedro, que tem 6 anos, e a Letícia, de 3, absorvem menos essa atmosfera, acredito que pela falta de maturidade. Mas, para eles, o problema é ficar em casa, o espaço menor pra brincar. Para a Alice, que é maior e gosta de atividades como desenhar e ler, essas atividades mais paradas são suficientes.”
A engenheira civil conta, ainda, que tem buscado tomar todos os cuidados para manter a saúde física e mental dos filhos. “Sempre que temos uma data comemorativa, tentamos fazer algo. Nos aniversários, fazemos decorações com colagens, e, na Páscoa, foi a mesma coisa. É bom porque ajuda a distraí-los.”
Thiago Blanco, psiquiatra da infância e da adolescência, destaca que atividades feitas com todo os integrantes da famílias são essenciais durante o período de isolamento. “É importante apreciar esses momentos, pois eles ajudam na autocompaixão, na solidariedade com o que o outro está sentindo. São medidas tão importantes quanto uma boa alimentação e a prática de exercícios físicos”, afirma. O psiquiatra destaca que, apesar de ser um momento difícil, as crianças podem ter uma ganho importante com a experiência. “É claro que é uma situação complicada, que não queríamos estar passando, mas acredito que ela nos ajudará a ter mais recursos de enfrentamento, e isso poderá ajudar os jovens no futuro.”
Mais vulneráveis
A pandemia é ainda mais estressante para crianças e adultos com transtorno do espectro do autismo (TEA) e seus familiares, segundo AAdrien A. Eshraghi. Em um artigo publicado na revista The Lancet Psychiatry, o especialista e seus colegas da Universidade Miller School of Albemarle, nos EUA, explicam que pessoas com autismo podem correr maior risco de complicações com a covid-19 porque tendem a ter distúrbios imunológicos e outras comorbidades. Os especialistas também explicam, no artigo, que o processo de isolamento pode ser especialmente difícil para as crianças com TEA, que têm dificuldade em lidar com interrupções na rotina.
A importância da rotina
Uma medida importante para enfrentar o isolamento com crianças e adolescentes é manter uma rotina, sugere o psiquiatra Thiago Blanco. “É importante que eles se arrumem para ter a aula on-line, por exemplo, não pode ir de pijama. O cérebro dos jovens ainda está em desenvolvimento. Então, a organização é algo que vai ajudar nesse processo, principalmente diante da situação que estamos vivendo”, explica.
Tiago Ribeiro, 37 anos, é oftalmologista e mantém os hábitos cotidianos dos seus três filhos, o que, segundo ele, tem o ajudado bastante a enfrentar o isolamento. “As duas primeiras semanas foram mais difíceis para eles, estavam irritados, estressados, mas quando ajustamos a rotina dentro de casa, isso melhorou. Como eles estudam pela manhã, temos um horário pra acordar e tomar café”, ilustra.
O médico conta que as medidas que se incorporaram à rotina da família foram bem-aceitas pelos filhos. “Nós já ensinávamos sobre o valor da higiene, que eles precisam lavar as mãos sempre. Agora, estamos reforçando isso. Eles aprenderam e já incorporaram esse cuidado ao dia a dia”, conta.
Atividades físicas também fazem parte do roteiro. “Sempre tentamos fazer exercícios físicos juntos, quando consigo uma brecha no trabalho. Brincamos de pique-pega, por exemplo, mas sempre com cuidado porque eles são muito pequenos e temos medo de possíveis acidentes (Leia Para saber mais).”
Tiago acredita que manter a rotina, além de ajudar no monitoramento de suas atividades e as dos filhos, tem melhorado o convívio familiar. “Quando fazemos isso, conseguimos mantê-los mais calmos, e também eu e minha mulher. No começo, era difícil conciliar o trabalho feito em casa com as atividades deles. Acredito que temos dado uma atenção, um monitoramento da saúde mental maior do que antes. E isso é algo que deve ser feito sempre.”
Para saber mais
Risco maior de fraturas
Um estudo feito por cientistas do Hospital Infantil da Filadélfia (CHOP, em inglês) mostrou que o isolamento gerou aumento no número de fraturas em crianças dentro de casa. A equipe reuniu dados de 1.735 jovens pacientes atendidos em decorrência de fraturas agudas entre 15 de março e 15 de abril. Depois, compararam essas informações com dados do mesmo período em 2018 e 2019. As fraturas relacionadas ao esporte caíram: representando apenas 7,2% dos casos durante a pandemia, contra 26% nos dois anos anteriores.
Por outro lado, os cientistas observaram aumento de mais de 25% nas fraturas ocorridas em casa. “As lesões em bicicletas e trampolins, por exemplo, aumentaram substancialmente”, diz Apurva Shah, cirurgião ortopédico da Divisão de Ortopedia do CHOP e autor sênior do estudo, publicado na revista Journal of Pediatric Orthopaedics, em maio. “É importante lembrar aos pais sobre a importância de precauções básicas de segurança em atividades realizadas em casa, pois muitas crianças estão substituindo esportes organizados e atividades escolares por essas atividades”, alerta.
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