Correio Braziliense
postado em 15/06/2020 06:00
Criar materiais sintéticos que substituam os tecidos biológicos é um desafio para cientistas devido à complexidade dessas estruturas naturais. Uma cartilagem, por exemplo, é ao mesmo tempo elástica para amortecer as articulações, mas suficientemente forte para suportar a carga do corpo e permitir que as pessoas corram, pulem e levantem pesos. Cientistas da Universidade Colorado Denver, nos Estados Unidos, apostam na combinação das tecnologias de impressão 3D e de cristal líquido para se aproximar da funcionalidade desses tecidos. O trabalho foi apresentado na última edição da revista Advanced Materials.
A equipe conseguiu imprimir em três dimensões uma estrutura de treliça complexa e porosa que poderá ser usada no desenvolvimento de dispositivos capazes de imitar tecidos biológicos e estruturas similares. Os cientistas acreditam que, com a solução, será possível desenvolver implantes biomédicos e amortecedores de capacetes de futebol mais seguros, por exemplo. Líder do estudo, Chris Yakacki cogita até a possibilidade de usá-la em cirurgias na coluna vertebral. “As pessoas tentaram fazer discos sintéticos de tecido espinhal e não fizeram um bom trabalho. Com a impressão 3D e a alta resolução obtida, é possível combinar características semelhantes à anatomia de uma pessoa”, diz.
Yakacki trabalha no Laboratório de Materiais Inteligentes e Biomecânica da universidade estadunidense. Desde 2012, o professor de engenharia mecânica faz pesquisas na área de elastômeros de cristal líquido (LCEs), que são polímeros com características de cristal líquido. Esses materiais macios e multifuncionais se destacam pela elasticidade e pela capacidade extraordinária de dissipar alta energia. “Todo mundo já ouviu falar de cristais líquidos porque nós os observamos no visor do telefone celular (…) Nosso desafio era transformá-los em polímeros moles, como elastômeros, para usá-los como amortecedores”, diz o cientista.
Luz UV
Hoje, pesquisadores da área conseguem criar objetos grandes com poucos detalhes ou peças microscópicas altamente detalhadas. Grandes dispositivos com alta resolução seguem sendo um desafio. Mas o processo químico e de impressão criado por Yakacki e sua equipe pode reduzir a dificuldade a quase zero. Eles exploraram um processo de produção em 3D chamado DLP (sigla em inglês para processamento digital por luz) e desenvolveram uma resina semelhante ao mel. Se atingida pela luz ultravioleta (UV), ela cura (endurece) — formando novas ligações e resultando em um elastômero macio e forte.
Quando a resina é impressa em estruturas de treliça, que tem níveis de padronização semelhantes a um favo de mel —, ela começa a ter propriedades semelhantes às da cartilagem humana. O grupo de pesquisadores imprimiu vários formatos usando o material, incluindo uma flor de lótus e uma gaiola de fusão espinhal — a peça é inserida entre as vértebras em cirurgias para tratar problemas como fratura na coluna e doença de disco cervical.
O bom resultado atingido na peça justifica a aposta de Yakacki de que os tecidos sintéticos poderão ser explorados em procedimentos ortopédicos mais complexos. “Um dia, poderemos ser capazes de cultivar células para fixar a coluna, mas, por enquanto, podemos dar um passo adiante com a próxima geração de materiais. É para onde gostaríamos de ir”, afirma. Uma das soluções mais viáveis no momento é a criação de pequenos implantes biomédicos para os dedos dos pés.
Retina para olho artificial
Uma equipe internacional liderada por cientistas da Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong desenvolveu o primeiro olho artificial 3D do mundo com capacidades melhores do que as dos olhos biônicos disponíveis. Em alguns casos, segundo os criadores, a solução excede também as habilidades do órgão natural humano. A principal característica que permite as inovações é uma retina artificial impressa em três dimensões e composta por uma série de sensores de luz com nanofios que imitam os fotorreceptores presentes na membrana natural. A expectativa é de que, no futuro, esses sensores sejam conectados diretamente aos nervos de pessoas com deficiência visual. “Na próxima etapa, planejamos melhorar ainda mais o desempenho, a estabilidade e a biocompatibilidade do nosso dispositivo”, conta Fan Zhiyong, um dos criadores da solução, apresentada, neste mês, na revista Nature.
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