Ciência e Saúde

Testes com a hidroxicloroquina são interrompidos, decide OMS

Falta de comprovação de que a droga reduz a mortalidade em pacientes com covid-19 leva agência a suspender experimentos. Nos últimos dias, outros grupos de pesquisa adotaram a mesma medida alegando, por exemplo, a ocorrência de complicações cardíacas

Correio Braziliense
postado em 18/06/2020 06:00

Droga usada para tratar a artrite reumatoide já foi considerada uma das principais apostas contra a pandemiaUm dia depois de o corticoide dexametasona ter sido apresentado como o primeiro medicamento capaz de evitar mortes em pacientes com sintomas graves da covid-19, a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou a interrupção de testes clínicos com a hidroxicloroquina, droga que já foi considerada uma das principais apostas para o combate ao coronavírus. Segundo a agência das Nações Unidas, experimentos com a substância criada para tratar a atrite reumatoide não resultaram em dados positivos ligados à redução da mortalidade pelo Sars-CoV-2. Outros projetos de pesquisas adotaram a mesma medida recentemente, o que deixa o medicamento e a sua fórmula de origem, o antimalárico cloroquina, cada vez mais distantes de serem uma opção terapêutica para o Sars-CoV-2.

 

A OMS lidera uma frente de pesquisa internacional, chamada Solidarity, que conta com a participação de 400 hospitais em 35 países e tem avaliado uma série de medicamentos no combate à covid-19. Testes com a hidroxicloroquina são um dos braços do projeto e, desde maio, têm sido alvo de decisões polêmicas (Leia Para saber mais). A medida anunciada ontem foi tomada após duas rodadas de consultas com especialistas e integrantes do projeto.

 

“As evidências dos ensaios mostraram que a hidroxicloroquina, quando comparada com o tratamento padrão de pacientes hospitalizados, não reduz a mortalidade. Com base nessa análise e nas revisões publicadas, decidimos interromper os estudos randomizados com hidroxicloroquina no Solidarity”, enfatizou, em coletiva virtual, Ana Maria Henao Restrepo, médica da Unidade de Emergências Sanitárias da OMS

 

Restrepo explicou que a decisão também levou em consideração os resultados do estudo Recovery, do Reino Unido, que testou a mesma substância e também não identificou benefícios em pacientes com covid-19. O grupo liderado pela Universidade de Oxford, responsável pelo anúncio dos testes com a dexametasona, cessou os experimentos com a hidroxicloroquina no início deste mês.

 

Na última segunda-feira, a Food and Drug Administration (FDA), órgão que controla o uso de medicamentos nos Estados Unidos, revogou a autorização para uso de emergência para hidroxicloroquina e cloroquina em pacientes com covid-19 também alegando que as drogas “provavelmente não serão eficazes” no tratamento da doença. De acordo com autoridades americanas, a decisão também considerou relatos de “eventos adversos cardíacos graves e de outros efeitos colaterais graves” associados ao uso das duas drogas no tratamento de pacientes infectados pelo patógeno Sars-CoV-2.

 

No Brasil, os estudos com as drogas continuam. Um deles é o do grupo Coalizão Covid Brasil, coordenado pelo hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. A equipe analisa os efeitos da hidroxicloroquina em 1.100 pacientes, divididos em duas pesquisas, que envolvem 60 hospitais brasileiros. Luciano Azevedo, superintendente de ensino e pesquisador do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, é um dos cientistas participantes da investigação. “Ainda não temos previsão da divulgação dos resultados, é uma pesquisa trabalhosa, mas acreditamos que, em pouco tempo, vamos poder publicá-los e entender os detalhes relativos ao uso dessa droga em pacientes brasileiros”, disse.

 

O médico acredita que a suspensão anunciada pela OMS se justifica devido ao número diverso de estudos que mostram como a hidroxicloroquina não responde a expectativas de especialistas da área. “Muitos estudos têm mostrado uma inabilidade desse medicamento ao tratar até outros tipos de vírus, como a dengue e o zika. E as poucas pesquisas que mostraram dados positivos foram feitas com poucos pacientes”, afirmou.

 

Corticoide

 

Na coletiva de imprensa, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, também celebrou a notícia dos “resultados iniciais positivos” da dexametasona em pacientes com sintomas graves da doença. De acordo com conclusões preliminares divulgadas pela equipe do Recovery, a droga reduz a mortalidade em um quinto em infectados submetidos a assistência com oxigênio (não entubados) e em um terço entre os que precisam de respirador.  Ghebreyesus enfatizou que a droga só deve ser usada sob “supervisão clínica próxima” e que são necessárias mais terapias que possam ser usadas principalmente para indivíduos com sintomas leves.

 

Segundo o diretor executivo da agência, Michael Ryan, eles aguardam dados mais detalhados sobre o estudo britânico e também sua revisão por outros cientistas — a divulgação dos resultados em uma revista científica deve ocorrer nos próximos dias, de acordo com os autores. A OMS, porém, já começou a coordenar uma análise e a avaliar dados de vários ensaios clínicos com pacientes graves a fim de entender melhor o quadro, afirmou  Ryan. Tedros Ghebreyesus informou que, em breve, a organização atualizará sua diretriz clínica “para refletir como e quando a dexametasona deve ser usada para tratar a covid-19”.

 

Para Luciano Azevedo, os dados vistos no estudo inglês são animadores, mas necessitam ser melhor avaliados. “Encaramos como uma boa notícia, porém temos cuidado, já que não foi divulgado na íntegra. Muitos estudos têm sido publicados recentemente e grande parte deles não é revisada, o que pode gerar falhas. Precisamos saber do perfil desses pacientes, como esse medicamento foi administrado e por quanto tempo, entre outros detalhes importantes”, justificou. O médico conta que o Coalizão Covid Brasil também realiza testes com o medicamento dexametasona em pacientes com covid-19. Os primeiros resultados estão previstos para agosto. 

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Tags