Ciência e Saúde

Cientistas brasileiros transformam casulo do bicho-da-seda em enxerto ósseo

Solução desenvolvida por brasileiros resolve problemas antigos da área de implantes médicos: é barata e biodegradável, além de ter alta resistência e baixo risco de rejeição. Testes com roedores apresentam resultados promissores

Correio Braziliense
postado em 22/06/2020 06:00
Solução desenvolvida por brasileiros resolve problemas antigos da área de implantes médicos: é barata e biodegradável, além de ter alta resistência e baixo risco de rejeição. Testes com roedores apresentam resultados promissoresUm dos maiores desafios na área de implantes médicos é encontrar um material com estrutura semelhante à dos ossos humanos. Isso ocorre devido à complexidade dessa “peça” do corpo caracterizada pela força e pela resistência. Cientistas brasileiros conseguiram desenvolver um material que pode cumprir a tarefa. A criação também chama a atenção pela matéria-prima inusitada: ela é feita com casulo do bicho-de-seda. Segundo os criadores, a nova tecnologia tem outras vantagens essenciais: processo de fabricação barato e benéfico ao meio ambiente.

O projeto foi desenvolvido no Instituto de Química de São Carlos (IQSC), da Universidade de São Paulo (USP).  A pesquisa priorizou alguns pontos considerados essenciais para esse tipo de tecnologia, como resistência, redução das chances de rejeição pelo corpo humano, além da necessidade de o produto ser biodegradável e biocompatível, condição que facilita a formação de vasos sanguíneos e a multiplicação das células durante o seu uso.

O material proposto pelos cientistas combina a hidroxiapatita (fosfato de cálcio) a uma proteína encontrada no casulo do bicho-da-seda, a fibroína. A mistura é capaz de proporcionar características químicas e estruturais próximas às dos ossos trabeculares, que são encontrados no interior dos ossos longos e representam cerca de 20% do esqueleto humano. “A junção de dois biomateriais diferentes para formar um biocompósito visou aproximá-lo o máximo possível da composição óssea, permitindo o aumento da resistência mecânica e do potencial de osteoindução (capacidade de induzir a formação de tecido)”, explica, em comunicado da USP, Daniela Vieira, autora do estudo e pesquisadora da universidade.

A tecnologia foi obtida por meio de uma técnica chamada coprecipitação. Pelo método, a fibroína da seda é dissolvida em uma solução líquida com cálcio, principal componente da hidroxiapatita. Amostras de fosfato são, então, adicionadas à mistura e, após algumas reações químicas, o material é seco e prensado em forma de blocos, com a hidroxiapatita já incorporada à fibroína da seda. Todas as etapas são realizadas à temperatura ambiente e levam cerca de 24 horas para formarem alguns blocos.

“A metodologia de fabricação é simples, rápida e não utiliza altas temperaturas para a sua execução, como acontece nos métodos convencionais. Isso torna o processo econômico e sustentável”, compara  Daniela Vieira. A pesquisadora também enfatiza o baixo custo do processo. “Temos certeza de que o custo de produção será menor, ainda mais pela matéria-prima que utilizamos, a fibroína de seda é superacessível.”

Segundo Daniela Vieira, uma série de trabalhos científicos recentes tem avaliado a combinação de hidroxiapatita e fibroína de seda, mas em diferentes formatos, como gel e esponjas. Nesses casos, as texturas são menos resistentes, em comparação com os blocos desenvolvidos pela sua pesquisa. Outro ponto importante é que, na maioria desses estudos, são utilizadas “técnicas secas” de produção, o que demandam um constante e elevado aquecimento térmico, com temperaturas que alcançam até 1.200ºC. O formato, de acordo com a cientista, aumenta o custo final do material, que pode ficar até 25% mais caro.

Mineral formado

Os primeiros testes com o produto foram feitos em células de hamster e mostraram que a combinação é promissora. “Nós concluímos que o material não é tóxico. Então, ele pode estar em contato com humanos e animais. Também constatamos sua habilidade de formar apatita (o principal mineral dos ossos), que permite que ele seja incorporado ao osso danificado, favorecendo o crescimento de um novo tecido ao redor e entre os poros do material”,  detalha  Daniela Vieira.

Mais testes têm sido feitos com camundongos, também com resultados iniciais positivos, adiantou a cientista. O objetivo é produzir cerca de 100 blocos para a realização de testes complementares, que deverão ser aplicados em animais de maior porte, como porcos e bois. A equipe da USP trabalha com a estimativa de que o produto esteja disponível no mercado em um ano para uso veterinário, e em dois anos para utilização em seres humanos.

A criadora da nova tecnologia acredita que ela também poderá ser explorada em outras aplicações médicas, como no reparo de cartilagens e pele, desde que sejam realizadas alterações em sua parte física. Dessa forma, a solução teria viscosidade e formato adequados para essas tarefas. Também há projetos para uso com  fertilizante para a liberação controlada de cálcio e fosfato em plantas, sem presença de contaminantes prejudiciais aos vegetais, e ainda como material para produção de placas cerâmicas, em substituição a materiais metálicos.

Limitações

É um material muito usado na área médica devido à porosidade, estabilidade, bioatividade e fácil degradação no organismo humano. Esse composto tem uma estrutura parecida com a do componente mineral dos ossos e de outros tecidos mais rígidos. Apesar dessas inúmeras vantagens, especialistas encontram dificuldades para usar esse material em áreas de quadril e joelhos, que exigem mais força. Isso porque esse composto também apresenta fragilidade e baixa resistência.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Tags