Ciência e Saúde

Estudo brasileiro ajuda a explicar relação entre covid-19 e tromboses

Cientistas brasileiros identificam os processos que disparam a produção excessiva de coágulos em pacientes com quadros graves da covid-19. Em testes iniciais com droga disponível no mercado, a formação de trombos foi interrompida

Correio Braziliense
postado em 23/07/2020 06:00
médica em laboratórioDas muitas complicações da covid-19, uma que tem sido observada em casos graves, de pessoas internadas nas unidades de terapia intensiva (UTIs), é a alteração na coagulação sanguínea. Esses pacientes apresentam formação excessiva de coágulos — o que já foi verificado em estudos post mortem —, com agregação de células e proteínas, os chamados trombos. A condição pode interromper a circulação sanguínea, causando trombose, infarto ou embolia pulmonar. Agora, um estudo liderado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) acrescenta evidências sobre o processo, o que poderá ajudar no desenvolvimento de terapias específicas.

Em um artigo publicado na revista Blood, os pesquisadores descrevem o impacto do Sars-CoV-2 nas plaquetas — células-chave para a coagulação — a partir do estudo de amostras de pacientes com as formas leve, moderada e grave da covid-19. “Nosso estudo se dedicou a entender como, nos pacientes graves, o vírus interfere nas etapas iniciais da cascata de processos que deflagram a coagulação. Processos esses em que as plaquetas atuam de forma importante”, descreve Eugênio Hottz, professor da UFJF, pesquisador colaborador do Laboratório de Imunofarmacologia do IOC e primeiro autor do trabalho.

No estudo, os cientistas utilizaram técnicas de citometria de fluxo (que conta, examina e classifica partículas suspensas em líquido) e de microscopia para identificar, nas amostras de sangue, quais alterações poderiam ser observadas nas plaquetas e na cascata de ativação de fatores que levam à coagulação. Tudo isso em nível molecular. Para tanto, os pesquisadores compararam o material dos pacientes de UTI ao de pessoas assintomáticas, com quadros leves e também de voluntários saudáveis. O sangue foi coletado antes da hospitalização e, durante a internação, os participantes foram acompanhados pela equipe.

O estudo mostrou que, nos pacientes graves, além de aumento na ativação das plaquetas, houve forte agregação entre essas células e os monócitos, que fazem parte do sistema de defesa contra infecções. Já nas pessoas com manifestações leves ou assintomáticas, isso não aconteceu. Por trás do processo verificado nas pessoas internadas em UTIs, os cientistas detectaram a ação de duas moléculas: a CD62P e a alfaIIb/beta3. Além disso, eles observaram que, ao serem ativadas, as plaquetas induzem os monócitos a produzirem uma proteína, o fator tecidual, que dá início à coagulação do sangue.

“Nossos resultados indicam que a ativação das plaquetas e sua associação com monócitos, com formação de agregados plaquetas-monócitos, são importantes para o disparo da coagulação sanguínea”, afirma a pesquisadora Patricia Bozza, chefe do Laboratório de Imunofarmacologia do IOC e coordenadora do estudo. De acordo com ela, tanto o aumento nos níveis de ativação plaquetária quanto nos da expressão do fator tecidual nos monócitos estiveram diretamente associados à gravidade do quadro clínico e ao prognóstico da doença, com maior possibilidade de evolução para ventilação mecânica e também para óbito naqueles com maior ativação.

Segundo os pesquisadores, os resultados do estudo têm duas importantes implicações para o tratamento dos casos graves. Em primeiro lugar, o conhecimento de que a relação entre agregação de plaquetas e monócitos está por trás das alterações na coagulação dos pacientes sinalizará, aos médicos, o prognóstico do paciente, orientando melhor as tomadas de decisão sobre as condutas a serem adotadas. Além disso, os pesquisadores destacam que há medicamentos disponíveis que atuam na inibição de plaquetas e podem ser testados como opção terapêutica para esses casos.

“Ainda não sabemos se a ativação das plaquetas causa agravamento do quadro ou se essa ativação é apenas mais um dos muitos processos envolvidos na infecção pelo vírus”, observa Eugênio Hottz, da UFJF. “De qualquer modo, monitorar a ativação das plaquetas como um marcador para indicar um potencial de agravamento já é uma conclusão obtida na bancada do laboratório que pode vir a ser adotada no manejo clínico”, afirma.

O estudo sugere que o excesso de mediadores inflamatórios liberados no sangue dos pacientes graves pode ser uma das causas da maior ativação das plaquetas. Também aponta que a inibição de moléculas que atuam no processo de adesão e sinalização entre plaquetas e monócitos é capaz de interromper a expressão do fator tecidual, sugerindo caminhos para a busca de terapias. O anticorpo monoclonal abciximab, por exemplo, que já é largamente utilizado para evitar a formação de trombos após cirurgias, foi uma das substâncias testadas com sucesso nos ensaios in vitro. “Esses resultados abrem possibilidade de continuarmos a investigação para identificar terapias capazes de atuar nos eventos de ativação plaquetária na covid-19”, afirma Patricia Bozza, do IOC/Fiocruz.

“Desde o início da pandemia, têm sido relatadas alterações de coagulação, especialmente com eventos trombóticos, em pacientes graves. Essa é uma preocupação de todas as equipes que tratam de pacientes com covid-19 grave”, destaca o pesquisador Fernando Bozza, que atua no Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) e no Instituto D’Or. “Identificar os fatores que causam essas alterações é fundamental para se estabelecer novas terapias para esses pacientes.”

» Tratamento no Brasil

Pacientes graves de covid-19 que apresentam problemas de coagulação vêm sendo tratados no Brasil com heparina, um medicamento que previne trombose. Um artigo publicado na revista British Medical Journal (BMJ) sobre um estudo conduzido no Hospital Sírio-Libanês de São Paulo descreveu que o uso desse remédio reduziu o tempo de internação e de intubação em pessoas que, além dos sintomas clássicos da doença na forma grave, apresentavam sinais de queda abrupta na oxigenação, 
uma das características da trombose.

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