Proposta de instituir um Código Comercial pelo Projeto de Lei 1.572/11 surgiu como uma boa ideia. O objetivo do autor da medida, deputado federal Vicente Cândido (PT-SP), era instituir uma legislação que regulamentasse direitos e obrigações das empresas e suas relações a fim de sistematizar normas e relações sociais e econômicas. Passados cinco anos, no entanto, depois de muitas discussões, sugestões e emendas, o texto atual desagrada integrantes do governo federal e até mesmo empresários dos setores de comércio e serviços. A proposta se tornou o que muitos chamam de um conjunto de lobbies com intenções claras de favorecer grupos específicos.
Não por acaso, a União Nacional de Entidades do Comércio e Serviços (Unecs), que responde por 21% dos empregos formais no Brasil e por 15% do Produto Interno Bruto (PIB), repudia o Código Comercial. Um de seus representantes, o presidente da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), Honório Pinheiro, não poupa críticas ao texto que está sendo analisado pelo Congresso. "O projeto traz mais coisas ruins do que boas. É melhor deixar como está para ver como fica", diz.
Para Honório, não há como dizer que o código atende a reivindicações de toda a classe empresarial. Há entidades de setores produtivos que partilham posicionamento favorável ao projeto em discussão no Congresso, mas a maioria é contra. A começar pelos integrantes da Unecs. "Posso assegurar que nós temos muitas restrições. Nos preocupamos muito com a não simplificação que o texto prevê. O projeto que está em debate traz mais custos e complicações para os setores produtivos e para as empresas", critica. Além disso, praticamente tudo o que está sendo proposto está contemplado no Código Civil.
Frankenstein jurídico
Pelo modelo que está proposto, o Código Comercial conta com 785 artigos. É maior do que a própria Constituição Federal. "Por tudo que traz, o projeto de lei parece ser muito mais algo emendado do que propriamente uma peça desenvolvida para atender às necessidades daqueles que, teoricamente, teriam que ser beneficiados", ressalta Honório. Outros críticos questionam a presença de emendas que "desfiguraram" o texto.
Tantas inserções à matéria fizeram o projeto ganhar um apelido peculiar e pejorativo: o de "frankenstein jurídico". Tal como o monstro criado com retalhos de outros seres humanos no romance da escritora britânica Mary Shelley, em 1818, o Projeto de Lei 1.572/11 recebeu diversas contribuições de entidades empresariais do comércio, dos serviços, da indústria e da agropecuária. A situação, porém, saiu do controle, e em vez de soluções saíram distorções, como explicitado no seminário promovido pelo Correio em 15 de dezembro último.
Defensores do código alegam que a proposta elimina burocracias e reduz custos mediante a simplificação de assuntos relacionados à contabilidade das empresas. Para o presidente da CNDL, contudo, o que se prevê é exatamente o contrário."O que se apresenta como novo Código Comercial traz mais custos e complicações, e a adequação da legislação nos dias atuais é bastante questionável. O que nós precisamos é fazer com que as coisas retomem à racionalidade e possam gerar resultados rapidamente. E o Código não nos traz isso", diz.
Para Pinheiro, não falta legislação para as empresas. "Temos até legislações muito fartas. O que nos falta é a oportunidade de nos posicionarmos de uma forma contemporânea, objetiva e simples em cima de conceitos tão importantes quanto estes (do código)", avalia. Ele ampara seu discurso em um estudo elaborado pela economista Luciana Yeung, professora do Insper (instituição de ensino com foco no mercado de negócios) e ex-presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE). O trabalho aponta que o custo do código, incluindo processo de adaptação, falhas e problemas com burocracia, pode atingir R$ 182 bilhões."Se aprovado, o projeto traria custo mínimo de R$ 26 bilhões ao ano para empresas e para o governo. O projeto, apesar de ter passado por modificações, ainda traz muitas contradições", afirma.
A proposta em avaliação pelo Congresso traz pontos polêmicos. Entre eles, o que prevê que as empresas obedeçam ao conceito de função social. Se o código for aprovado, o Ministério Público poderá pedir a anulação de negócios comerciais caso fique comprovado que a função social não foi exercida. Luciana diz que esse dispositivo é amplo e subjetivo. Somente com tal artigo, ela estima perdas de até R$ 90 bilhões ocasionadas pela queda no valor de mercado das companhias de capital aberto, que têm ações negociadas em bolsas de valores.
R$ 182 BILHÕES
Custo previsto para as companhias caso o novo Código Comercial seja aprovado
Fique ligado
A ideia de um Código Comercial não é nova. Entenda
; O Brasil já contou com um primeiro Código Comercial, instituído em 1850. A legislação abordava a atividade comercial,comércio marítimo e falências.
; Ao longo dos anos, partes do texto foram unificadas, revogadas ou substituídas por outros instrumentos da legislação, como o Código Civil de 2002.