A gestão da água se tornou um dos maiores desafios impostos às nações. Se nada for feito nos próximos anos para conter o desperdício e tornar racional o uso desse bem tão precioso, o número de pessoas atingidas pelo desabastecimento alcançará níveis alarmantes. No Brasil, que detém cerca de 12% da água doce do planeta, o tema tomou proporções preocupantes. Mais e mais cidades estão sofrendo com restrições na oferta. A situação é tão dramática, que o Supremo Tribunal Federal (STF) foi obrigado a intervir num conflito que opôs os dois maiores estados brasileiros, São Paulo e Rio de Janeiro, pelo uso da água da Bacia do Paraíba do Sul.
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Não haverá saída fácil. Todos os agentes envolvidos terão de se engajar. Será necessário um amplo processo de educação da população, que terá de mudar os hábitos. Se optar, por exemplo, por dois banhos diários, não terá água potável para beber. Apesar da gravidade do problema, ainda é possível reverter o jogo, conforme especialistas que participaram do seminário Desafios hídricos e preparativos para o 8; Fórum Mundial da Água, promovido pelo Correio. ;O Brasil, felizmente, tem um potencial hídrico invejável. Mas nem por isso podemos desperdiçar. A perda de água tratada é um crime. Perde-se 30% da água que se gasta pra tratar. Em países como o Japão, esse índice é de menos de 10%. Na Califórnia, de 15%;, disse Álvaro Teixeira da Costa, presidente do jornal.
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No século passado, a ilusão de que a água nunca acabaria foi construída pela ideia de uma abundância inesgotável do recurso. Represamos e mudamos o curso de grandes rios, como o Paraná e o Xingu, causando impactos ambientais em nome de uma matriz energética. Passamos a retirar água de aquíferos localizados a centenas de metros, como o Guarani, o Urucuia e o Bambuí, responsáveis por abastecer São Paulo, Brasília e centenas de outras cidades. Boa parte do aumento do consumo foi impulsionado pela Revolução Verde, que expandiu as fronteiras agrícolas por todo o planeta. A mineração alterou paisagens. A demanda por água avançou a um ritmo impressionante para suprir padrões de produção e consumo. Desmatamos extensas áreas de florestas e passamos a despejar todo tipo de poluição nos rios, lagos e oceanos. Agora, a natureza cobra seu preço.
Desemprego e fome
Em março de 2018, Brasília sediará o Fórum Mundial da Água, um dos mais importantes encontros sobre o tema. O evento reunirá mais de 100 chefes de estado e pelo menos 30 mil pessoas para discutir como garantir água para todos os seres humanos e atividades econômicas em um mundo cada vez mais populoso, quente e seco. A má distribuição da oferta pune populações, quando, em várias regiões, a falta de educação ambiental para o consumo consciente leva ao desperdício, uma demonstração de desprezo às advertências sobre a finitude do recurso.
O desperdício está presente na coleta, nos sistemas de distribuição ; na maioria das vezes, sem a manutenção adequada ;, no descuido com a vegetação, no uso individual e coletivo. A água é um recurso essencial à produção de alimentos e a várias etapas da produção industrial. Sem água, as máquinas param, as plantações definham, o desemprego aumenta e a fome se espalha. A despeito desse quadro mais do que claro, muitos continuam com os olhos vendados. As políticas públicas são acanhadas e a população está mais preocupada em pagar um telefone celular do que água potável e esgoto.
No Brasil, 70% da água ofertada está concentrada na região Norte, que abriga 15,8 milhões de pessoas. Em contrapartida, o Nordeste, com apenas 3% da oferta, tem 54 milhões de habitantes. Além da demografia, a distinção dos biomas aprofunda a diferença e revela o quanto preservar a vegetação está associada à produção de água. Nesse aspecto, o impacto das ações humanas tem estreita relação com a preservação. A boa notícia é que a revolução tecnológica joga a nosso favor e a água usada em vasos sanitários, na lavagem de roupas e no banho poderá ser reaproveitada, inclusive para beber.
Para os especialistas, com o relógio correndo, o Brasil precisa decidir como tratará o tema da água e quais ações tomará para resolver a falta de saneamento básico que vem matando o curso dos rios e levando milhares de crianças com até cinco anos à morte. Também terá que enfrentar a ocupação irregular de terras, motivada pela especulação imobiliária, que ajuda na eliminação de nascentes. No Distrito Federal, a grilagem de territórios da União se transformou em uma praga. Quase 500 mil pessoas, um quarto da população da capital, vive em condomínios irregulares, construídos, na maioria dos casos, em cima de mananciais. Não por acaso, a capital do país está sendo obrigada a lidar com um gravíssimo racionamento.
O futuro é agora
Não é preciso ir longe para identificar o quanto a conservação da flora é essencial para a produção de água. Entre 2014 e 2015, São Paulo enfrentou uma crise inusitada de escassez. O sistema Cantareira secou devido ao reduzido volume de chuva, e, ao seu redor, o desmatamento passou a dar o tom da paisagem. Na caatinga nordestina, a devastação colabora para o avanço da desertificação e vários estados entram no sexto ano de seca. No Cerrado, o berço das águas, menos de um terço da mata original está de pé. Enfim, é preciso reverter urgentemente o desmatamento. Como diz o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, a hora é de plantar rios. O futuro distante no qual imaginamos que faltaria água é o agora.
"O Brasil, felizmente, tem um potencial hídrico invejável. Mas nem por isso podemos desperdiçar. A perda de água tratada é um crime. Perde-se 30% da água que se gasta pra tratar. Em países como o Japão, esse índice é de menos de 10%. Na Califórnia, de 15%"
Álvaro Teixeira da Costa, presidente do Correio Braziliense