Jornal Correio Braziliense

Industria

Mansueto Almeida: 'Há espaço para ajuste fiscal e política industrial'

Brasil precisa combater desperdício de dinheiro público e fazer reforma da Previdência, diz secretário

 

A baixa competitividade da indústria brasileira no cenário externo é resultado da falta de políticas industriais e de desperdício de dinheiro público. O secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, reconhece que, no passado, o governo e a sociedade escolheram políticas erradas que foram custosas ao país e contribuíram para o desequilíbrio fiscal. Contudo, ele afirma que, mesmo com a necessidade de se fazer um ajuste nas contas públicas, é possível adotar uma política industrial focada em estimular a inovação do setor.


Ao explicar as razões desse desequilíbrio fiscal, Mansueto afirma que as despesas obrigatórias consomem 92% do Orçamento da União, e elas não param de crescer. Logo, isso dá uma dor de cabeça, porque os 8% restantes de gastos discricionários encolhem ano a ano e é nesse espaço que o Congresso realiza as disputas de suas emendas e onde o governo reserva recursos para investimento e custeio da máquina pública.


Para o secretário, o Brasil tem um gasto público superior a 40% do PIB e, portanto, não é possível ampliar os impostos e, sim, reduzir as despesas obrigatórias. Caso contrário, a emenda constitucional do teto de gasto não surtirá efeito. “É preciso discutir com a sociedade. Se não conseguirmos controlar o crescimento das despesas obrigatórias, tanto para o governo federal quanto para os estados, não vai ter ajuste fiscal. Não tendo ajuste fiscal, só tem duas formas de equilibrar o orçamento: ou aumenta a carga tributária, que obviamente ninguém quer, porque ela é muito alta; ou volta a inflação, que foi o que aconteceu no Brasil nos anos 1970-1980. Ninguém quer voltar àquela época de inflação muito alta, que afetava, inclusive, o planejamento das empresas”, alerta.

Produto caro

No entender de Mansueto, o ajuste fiscal é necessário justamente para que o investidor tenha a certeza e a previsibilidade de que o país não vai mais precisar ficar mudando regras. “Uma das coisas que mais dificulta a formação de preço e de investimento dos empresários estrangeiro no Brasil. Por isso, o produto é muito mais caro do que nos outros países”, justifica. Ele diz que é possível fazer o ajuste fiscal e, ao mesmo tempo, desenvolver uma política industrial. “É preciso eliminar a dicotomia ajuste fiscal versus indústria. O avanço do ajuste fiscal vai melhorar o ambiente de negócios e vai dar mais previsibilidade para ajudar a competitividade da indústria”, garante.


Segundo o secretário, a indústria, assim como o setor agrícola, já possui subsídios e, no caso da agricultura, os benefícios ajudaram — e muito — o setor a melhorar a produtividade e a ser mais competitivo no mercado internacional. “Muitas vezes, os subsídios são justificáveis. Quando se fala em vários países liberais, todos dão subsídios, sim, para a indústria, mas muito ligados à inovação”, explica. Nesse sentido, ele admite que há espaço para se fazer política industrial voltada à inovação e à descoberta de novos produtos. “Temos instituições para fazer isso. Isso é compatível com o ajuste fiscal. Essas coisas não precisam ser colocadas de forma contraditória”, pontua.


Para que o ajuste fiscal e as reformas avancem no próximo governo, Mansueto diz que é preciso acabar com os “falsos consensos”, como a reforma tributária e a necessidade de se ampliar os gastos com educação. “Vamos precisar de muito debate. Temos que sair desses falsos consensos, desses temas mais gerais, como reforma tributária, melhorar a educação, ter política industrial e mergulhar nos detalhes. Isso vai melhorar o debate”, afirma.

Nova realidade

 

O secretário reforça ainda a necessidade da reforma da Previdência para adequar o país à nova realidade demográfica das próximas décadas, porque o Estado não terá capacidade de continuar mantendo o sistema atual. “É um desafio monstruoso. O ajuste fiscal é parte desse processo. Temos que ter um consenso para avançarmos no ajuste fiscal”, ressalta. Segundo ele, o envelhecimento da população brasileira nos próximos 25 anos demorou mais ou menos um século para ocorrer na França, algo que não tem comparação com outro país.


“O Brasil daqui a 20 ou 30 anos é um país que nós não conhecemos. Não teremos mais a oferta de mão de obra crescendo daqui para frente. Se o Brasil não conseguir aumentar a sua produtividade, o nosso crescimento tende a cair. Eu me preocupo menos com o crescimento de 2019 e 2020, que é uma fase de recuperação cíclica, e muito mais com o crescimento do país daqui a10 anos, daqui a 20 anos”, diz.


Nesse sentido, o secretário defende a aprovação da proposta de reforma da Previdência que já está no Congresso, pois ela propõe uma transição bastante lenta, de 20 anos, para a idade mínima de 65 anos em todas as aposentadorias. Ele destaca que o trabalhador “mais vulnerável” já se aposenta com essa idade. Os servidores e aqueles que se aposentam por contribuição acabam tendo idade média bem abaixo disso, de 49 e 54 anos, respectivamente. “Temos chance se o país conseguir, mesmo que gradualmente, fazer esse ajuste fiscal, aprovando a reforma da Previdência, que é gradual”, explica.

Complexidade

Mansueto também reforça a necessidade de critérios mais apurados de avaliação do gasto público como forma de ajuste fiscal. “Temos que fazer um melhor uso do dinheiro público. O Brasil é um país extremamente complexo. A nossa sociedade quer proteção do Estado, o que é compreensível, mas temos um problema muito grande, que é o elevado nível do gasto público, semelhante ao de país rico”, destaca.


Ele lembra que essa medida também é defendida pela CNI e que o governo começou a fazer. “É preciso avaliar as políticas públicas para tentarmos entender o que deu certo e o que deu errado para não repetirmos os erros. Nós cometemos erros sucessivos e não faltou dinheiro no Brasil em várias áreas. Em educação, nos últimos 10 anos, o crescimento do gasto no âmbito federal, em termos reais, foi de 7,4% ao ano. Isso é uma taxa de crescimento muito forte em qualquer país do mundo. Mas esse crescimento tão forte no gasto com educação não se transformou em aumento de produtividade”, lamenta.


Como exemplo de desperdício de recursos públicos, o secretário cita o estádio Mané Garrincha, em Brasília, o mais caro da Copa de 2014. “Temos um estádio maravilhoso, com capacidade para 65 mil pessoas em uma cidade que não tem time de futebol. Uma cidade em que 900 pessoas vão para o campo em uma final de campeonato. Um exemplo melhor de desperdício de dinheiro público não tem”, critica.