Jornal Correio Braziliense

Tributacao

Governo brasileiro erra ao supertaxar o tabaco, dizem especialistas

Excesso de tributos induz a condutas irregulares sem garantir o aumento da arrecadação. São vários os exemplos no mundo mostrando incentivo ao crime


O governo errou na mão ao seguir a tendência internacional e taxar, pesadamente, a indústria do tabaco, na tentativa de reduzir o consumo. É o que afirma o consultor tributário Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal. Em média, do preço de cada maço de cigarros produzidos legalmente no país, 80% são impostos. Segundo Maciel, essa prática, chamada de extrafiscalidade pelo fato de a taxação ter o objetivo de ;induzir condutas;, deixou de atingir o objetivo por abrir caminho ao mercado ilegal.


;Na prática, as pessoas não vão deixar de fumar. Essa não é a via correta para induzir essa conduta. As pessoas vão para o contrabando. Tributo não se presta a corrigir vício de ninguém;, diz Maciel. Dados oficiais apontam que o crescimento da taxação ao fumo, nos últimos cinco anos, permitiu aos cigarros ;piratas; conquistarem mais de 48% do mercado, sendo que acima de 40% das marcas são provenientes do Paraguai, via contrabando.

O ex-secretário da Receita explica que, na origem, o objetivo do tributo é arrecadar, prover o Estado de receitas públicas para determinado benefício coletivo, sujeito a limitações, no mundo inteiro, como a capacidade contributiva de cada população. Além disso, ao tributo foram conferidas outras finalidades, que não são tributárias. A extrafiscalidade é quando o imposto extrapola sua função arrecadatória. ;Eu vou fazer com que um tributo seja mais elevado do que o outro, porque eu quero restringir o consumo daquele produto. E faz sentido;, explica. ;Com cuidado.;

No caso do tabaco, segue uma prática nascida no século 20, ;de uma visão do tributo sob uma perspectiva religiosa, fundamentalista;. Na Inglaterra, tomou-se um trio de produtos: fumo, bebida e jogos de azar. Ficou a marca, ;sin taxes;, impostos do pecado, em tradução livre. O intuito era o de taxar pesado, para desestimular o cidadão de cometer excessos, esclarece.

Segundo Maciel, a história mostrou que os impostos do pecado ;eram ridículos;, pois, apesar da tributação elevada, ;não corrigiu o pecado de ninguém;, o que, parece, está se repetindo aqui, já que a indústria tabagista continua em crescimento. Em especial, o mercado ilegal. ;Essa não é a via para induzir essa conduta;, afirma. Ele cita como exemplo um caso clássico do Canadá, que aumentou imposto sobre cigarro. O país foi, depois, invadido pelo contrabando de cigarros norte-americanos, que passavam pelas terras indígenas, onde o Fisco não podia entrar.

A extrafiscalidade pode ser de eficácia duvidosa, diz o especialista. ;Isso se expressa quando eu quero fazer uso do imposto para resolver problemas, como de distribuição de renda. Pode dar um empurrãozinho no desenvolvimento, mas, cuidado com o excesso;, assinala Maciel. O exemplo mais recente foi na França, que elevou a 70% o imposto de renda para as pessoas físicas, gerando uma migração para a Grã-Bretanha. ;O maior ícone do cinema francês, Gérard Depardieu, tornou-se cidadão russo, para alegria do Putin;.

Emaranhado de leis cria exotismos

A falta de clareza e a superabundância de conceitos tributários na Constituição brasileira são criticadas por Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal. O emaranhado cria discussões ;exóticas; e situações singulares, que prejudicam o desenvolvimento econômico, com situações perversas e concorrência desleal, afirma.

;Qualquer tema tributário que vai ao Supremo Tribunal Federal leva de 15 a 20 anos para que seja pacificado. Temos a coexistência entre o sistema de controle difuso e concentrado de constitucionalidade, criando uma condição singular em relação ao resto do mundo;, continua ele.

Maciel, que é presidente da Logos Consultoria Tributária, cita um exemplo: uma empresa entra na Justiça, alegando uma determinada inconstitucionalidade tributária. ;Logra êxito. Mas seu concorrente não consegue êxito. E os dois passam a concorrer, em situação de desigualdade, por 15, 20 anos. Uma coisa inadmissível, inaceitável;, afirma.

Por conta das diversas dificuldades relacionadas a ;processos e procedimentos;, tributários e não tributários, segundo ele, é que estão inscritos na dívida ativa, em discussão administrativa e judicial, algo de valor equivalente a 51% do Produto Interno Bruto (PIB).

;E qual é o drama? É que, se cobrar, quebra o país. Se não cobrar, quebra o país. Esse é o paradoxo;, afirma Maciel. Ele cita ainda que, 53 anos depois da criação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias, em 1965, ;ainda não sabemos qual a incidência na saída de produtos de mesma titularidade;.