Diversão e Arte

Relações contemporâneas

Trabalho, atividade intelectual, amor e amizade são temas de 'A ira de Narciso', hoje e amanhã, no Cena

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 20/02/1998 06:00
A ira de Narciso é adaptação de texto do uruguaio Sergio Blanco

A ideia de coisificação das pessoas e as relações construídas por meio das redes sociais se unem no palco do Cena Contemporânea em um espetáculo cujo foco está na subjetividade, na identidade e na maneira como o homem constrói seus relacionamentos. Hoje e amanhã, Gilberto Gawronski sobe ao palco de teatro do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) para encenar A ira de Narciso, texto do uruguaio Sergio Blanco dirigido por Yara de Novaes.

A mediação das relações por meios virtuais e a subjetividade são temas de A ira de Narciso, que deu ao ator Gilberto Gawronski o Prêmio Shell 2019. A autoficção de Sergio Blanco gira em torno de um escritor que se prepara para uma conferência sobre o mito de Narciso em Liubliana (Eslovênia). Enquanto se debruça sobre a atividade extremamente intelectual, ele também dá vazão aos próprios desejos ao procurar companhia em um aplicativo de encontros. ;A peça é sobre essa divisão entre o estímulo intelectual que seria a conferência e a necessidade de prazeres imediatos naquele lugar em busca de encontros sexuais. Fala sobre essa divisão interna, que acho que é muito o que a gente está vivendo hoje;, explica Gawronski.

Mestre da autoficção, Blanco narra a própria experiência ao mesmo tempo em que borra fronteiras entre a realidade e a imaginação ao inserir no drama um assassinato no quarto de hotel do personagem. A peça é espaço para várias temáticas, inclusive sobre o próprio gênero que a define. ;A autoficção é uma coisa muito em voga hoje e ele faz essa mescla;, avisa Gawronski, que ganhou o texto de presente de um amigo.

Convidada para a direção com a intenção de que trouxesse um olhar externo ao mundo das relações homoeróticas com a perspectiva de atrair diferentes públicos, a diretora Yara de Novaes incorporou o que o ator chama de tecnologias. ;Acho bonito esse olhar que ela provocou com o uso de ferramentas na encenação que são próprias da cena contemporânea, como a voz amplificada, objetos em miniatura, canto, microfonia, nudez, coisas que não fazem parte daquelas estruturas clássicas da encenação aristotélica. E havia uma dramaturgia que servia a isso;, garante. O texto, para ele, está sempre acima de tudo e vem em primeiro lugar, mas essas inserções tecnológicas ajudam a criar uma dinâmica contemporânea que acaba por dar destaque à dramaturgia. Já o personagem, de certa forma, o próprio Blanco, ganha uma dimensão universal na pele de Gawronski.


A ira de Narciso
Direção: Yara de Novaes. Com Gilberto Gawronski. Amanhã e quarta, às 20h, no Teatro do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). R$ 40 e R$ 20 (meia)



Três perguntas /Gilberto Gawronsky


Como o texto do Sergio Blanco motivou a montagem de A ira de Narciso e que características vocês quiseram imprimir na dramaturgia?
Achei o texto de uma excelência dramatúrgica impressionante. Com essa dramaturgia contemporânea, muitas vezes, a gente vê trabalhos que têm uma estética muito de novas ferramentas usadas na contemporaneidade, mas muitas vezes sem uma dramaturgia que trabalhe com a necessidade dessas ferramentas. O conteúdo fica a serviço dessa estética. Mas a Yara de Novaes, que é atriz, diretora e educadora e que lida sempre com a questão da contemporaneidade nos trabalhos dela, veio dar um olhar feminino, porque o texto levanta as questões homoafetivas e ela traz a leitura para um público que não vive só no gueto. E ela provocou o uso de ferramentas na encenação que são próprias da cena contemporânea, com voz amplificada, objetos e miniaturas, canto, microfonia, nudez, coisas que não fazem parte daquelas estruturas clássicas da encenação aristotélicas. E havia uma dramaturgia que servia isso. E A ira de Narciso é um texto dos mais montados no mundo hoje, foi feito em Montevidéu, Tóquio, Nova York e Barcelona. E agora ele conecta Brasília com o mundo.


Como é o teu processo de trabalho com essas tecnologias? Como fica o equilíbrio entre elas e o texto?
Sempre fui um amante da palavra escrita, minha construção nunca foi muito sobre o processo experimental, sempre foi a dramaturgia que me levou para a cena. Trabalhei muito com Caio Fernando Abreu e o texto dele sempre reverberava em mim, daí eu levava para cena. Caio escreveu alguns trabalhos que me deu especialmente para dirigir e encenar, como Zona contaminada. E nessa transcrição para a cena, ele mesmo dizia que o texto passava a ser mais meu do que dele. Meu caminho sempre foi: a dramaturgia me chega e me estimula a ir para a cena. E isso pode coincidir ou não com as questões que estão me afligindo no momento.


Você já esteve no Cena Contemporânea com outros trabalhos, como Ato de comunhão. Qual a importância do festival para você?
Não se faz um país sem uma dramaturgia, e Brasília representa o lugar em que é possível a sensibilização. Abrigar um festival de teatro neste momento político que estamos vivendo e com pessoas que estão à frente e que querem ser o teatro que se faz hoje no país e criar uma discussão sobre democracia com olhares plurais e diversos é muito importante.


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