Mariana Trigo
postado em 21/06/2009 09:03
As cenas de sexo na teledramaturgia estão cada vez mais pudicas. Logo após a castração que se alastrou com a censura dos anos de chumbo, as novelas passaram a ter, a partir dos anos 1980, mais liberdade para explorar cenas eróticas. Com o passar dos anos, no entanto, cresceu a autocensura nas emissoras. Há dois anos, com a criação da portaria de Classificação Indicativa, do Ministério da Justiça, as cenas de sexo brocharam de vez. O que é contraditório com a audiência. Nas cenas mais calientes, o Ibope aponta significativo aumento.
Foi o caso da recente e polêmica cena entre Fernanda (Paloma Duarte) e Maura (Adriana Garambone) em Poder paralelo, da Record. A tomada em que ambas insinuam um jogo de sedução foi vetada inicialmente pela direção da emissora. Mas, após acordo entre os bispos e o autor Lauro César Muniz, as cenas foram levemente editadas. "Empenho-me em fazer uma novela que não agrida o público e que respeite a inteligência do telespectador", explica Lauro.
Ao chegar para gravar a cena, Paloma Duarte inicialmente se revoltou ao constatar que não seguia à risca o texto do autor. "As crianças que estão em frente à tevê são responsabilidade dos pais, que devem permitir ou não. No dia em que a cena foi exibida, subimos dois pontos na audiência. Mas agora já estamos de bem com a emissora", argumenta a atriz. Também em Poder paralelo, Patrícia França, que vive a sofrida Nina, lamenta os cortes. "Vetaram uma das cenas mais importantes da minha personagem: a em que ela tira a virgindade do Pedro (Guilherme Boury). É um momento lindo", lastima.
Outra passagem que recentemente causou polêmica foi quando a gananciosa Yvone (Letícia Sabatella) de Caminho das Índias, da Globo, fez um strip-tease ao contrário. Ou seja, foi se vestindo lentamente, de forma insinuante, após ter algemado o tonto Raul (Alexandre Borges) seminu na cama. "Nunca usei cenas fortes nas minhas novelas. Sempre faço de forma lúdica", observa a autora Glória Perez.
Aguinaldo Silva tem sentido na pele os efeitos da Classificação Indicativa desde Duas caras, quando a Censura Federal ordenou que cortasse cenas mais provocativas do pole dance de Alzira (Flávia Alessandra). Há pouco menos de duas semanas, Senhora do destino, sua trama em reprise no Vale a pena ver de novo, também foi alvo de cortes. Pesou a "linguagem de conteúdo sexual". Na verdade, Aguinaldo sempre assinou tramas mais ousadas, mas sem ser abusivo em imagens explícitas, como Tieta e Riacho doce, que era pura libido. "O que prevaleceu nas cenas de sexo foi o bom gosto. Hoje em dia, a hipocrisia não me permitiria cenas mais fortes. Tieta também era ousada. Pairava no ar uma sede de liberdade que me contagiou", lembra o autor.
No momento, o que mais revolta os autores é ter de driblar a Classificação Indicativa. "É uma censura mal disfarçada. O politicamente correto é uma praga que cerceia a liberdade criativa", brada Ricardo Linhares. Tiago Santiago, por sua vez, autor de Promessas de amor, na Record, defende o bom senso ao escrever cenas picantes. "Em novelas que podem ser exibidas à tarde, paro nos beijos. Pego mais leve, porque sei que as famílias estão assistindo e sexo causa constrangimento", acredita.
Para Marcílio Moraes, um dos autores de tramas como Dona Flor e seus dois maridos e Roda de fogo, por exemplo, vocifera contra qualquer tipo de censura disfarçada de indicação. Afinal, até poucos anos atrás, o público assistia, sem cortes, cenas sensuais mas que se justificavam no texto, em tramas como Presença de Anita, de Manoel Carlos, ou Engraçadinha... Seus amores e seus pecados, dirigida por Denise Saraceni. "O que tem acontecido é pior que a censura prévia. Hoje, as emissoras têm medo da reclassificação e metem a mão nas cenas. A Classificação Indicativa promoveu o reforço da hipocrisia e da caretice, grandes males do Brasil", critica.