Nahima Maciel
postado em 21/06/2009 09:51
Para Paulo Ricardo Chaves, biblioteca é uma estante de ferro cheia de livros usados que vai do teto ao chão na parada de ônibus da 710 Norte. Nela tem Rapunzel, um rio cearense cujo nome não lembra, matemática adiantada destinada aos "meninos espertos" e historinhas para contar ao irmão de quatro anos. Cada livro vem marcado com o carimbo Açougue Cultural T-Bone e Paulo Ricardo nem liga para o fato de pertencerem a um açougue. Todas as manhãs, enquanto a mãe atende os clientes no quiosque de lanches ao lado da parada, o menino cuida de uma banquinha de bijuterias baratas. Gosta tanto de vender seus produtos quanto de investir o tempo de folga nos livros da Parada Cultural.
Paulo Ricardo tem apenas 9 anos e uma desenvoltura que deixaria Luiz Amorim, criador do projeto que levou seis mil livros às 35 paradas da W3 Norte, espantado. O menino ainda não cita Platão e Rousseau, como Amorim aprendeu nos tempos de dificuldades no pequeno açougue da 312 Norte. Não sabe que alguém formulou um dia que o homem nasce bom. Talvez nem venha a saber, mas já pratica muito do que pregaram os filósofos adorados pelo açougueiro e inspiradores do projeto.
A cidadania de Paulo Ricardo - que faz questão de devolver os livros e ajudar a mãe a ensinar o público o método de empréstimo da biblioteca popular - é de dar lição. "Quando eles vieram instalar as estantes eu logo perguntei como é que era. Eles disseram que podia pegar, levar para casa e devolver depois. Gosto de ler história e contos de fadas. Já achei aqui até a Rapunzel", conta o menino, que mora em Santa Maria e estuda na Asa Norte.
O leitor das bibliotecas populares é heterogêneo. "Noventa por cento dos usuários são pessoas que moram em outras cidades do DF e com interesses muito diversificados", explica Amorim. Um giro pelas 35 paradas demonstra que há predomÃnio de livros técnicos, revistas e publicações didáticas. Literatura fica em quarto lugar, mas isso não incomoda o açougueiro filósofo, que sabe das dificuldades da literatura em BrasÃlia. Mas se anima: "Quando colocamos os livros todo mundo dizia que as pessoas iriam roubar, tocar fogo. Ninguém fez isso. O projeto mexe com um nÃvel de consciência do cidadão."
A professora aposentada Erly Lobo, 68 anos, faz parte de um time de anônimos que confirma a afirmação de Amorim. Moradora da 312 Norte e leitora assÃdua da parada da quadra, ela fica nervosa quando avista a estante bagunçada. Enquanto espera o ônibus, arruma os livros. O que mais a perturba é quando alguém deixa um volume em cima do banco empoeirado ou senta em cima. "Sou muito chata com a arrumação na minha casa e ali também, quero tudo arrumado", brinca, ao encarar a pequena biblioteca como um extensão da própria casa. Erly também é doadora incondicional. Foi nas estantes da 712 que deixou, por exemplo, dois exemplares do livro de poemas da sobrinha Larissa Malty.
Etiquetas
Na parada da 715 Norte, a estudante Morgga de Azevedo, 19, mata o tempo de espera do ônibus para o Cruzeiro folheando revistas. Nada a ver com o curso técnico de radiologia da moça, mas serve para distrair. Morgga faz isso todo dia. E sempre devolve o livro ou a revista quando o ônibus chega. Até a semana passada não sabia que podia carregar os livros para casa, apesar das etiquetas coladas por Amorim em todos os cantos da estante. "Sempre puxo um livro, gosto muito de literatura, de contos. Só que é difÃcil achar um", lamenta.
Ouça áudio da entrevista com Luiz Amorim, dono do T-Bone e idealizador da Parada Cultural