Nahima Maciel
postado em 30/06/2009 09:26
Não é sobre arte que o escultor Abelardo da Hora prefere falar ao atender o telefone. Ainda que suas obras e ideias tenham servido de referência para toda uma geração de artistas pernambucanos, Abelardo lembra primeiro o caráter solidário de suas esculturas. Nascido na Zona de Mata há 84 anos, filho de um chefe de tráfico da Usina Tiúma, o artista tem sempre os olhos voltados para a pobreza e o desalento. A obra produzida com essa perspectiva motivou a exposição Amor e solidariedade, retrospectiva em comemoração às quatro décadas de carreira do artista, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).
Abelardo cresceu de olho no trabalho braçal e nas dificuldades da gente pobre da Zona da Mata. Com solidariedade, o artista colocou suas ferramentas à disposição do sofrimento de um povo, mas também não deixou de observar a beleza feminina. Se de um lado os retirantes ganham lugar importante na obra do artista, as curvas femininas delineadas com sensualidade aparecem aqui e ali como uma celebração das formas que o escultor considera as meias belas do planeta.
O maior orgulho de Abelardo está numa homenagem. Há alguns anos, convidado pelo governo de Pernambuco para criar um monumento destinado ao Parque Dona Lindu, em Recife, desenhou uma gigantesca escultura para contar um drama histórico entre as famílias nordestinas. O local homenageia a mãe de Lula - e o artista não se inibiu. Trouxe a família inteira para o monumento. Nove peças retratam o presidente e seus irmãos durante a viagem que os levou de Pernambuco a São Paulo. A cena, defende Abelardo, é típica do Nordeste e representa a realidade de milhares de famílias brasileiras que trocaram a pobreza pela esperança nas grandes cidades do país.
Intitulado Os retirantes, o monumento ganhou reprodução e está exposto no CCBB, assim como outras esculturas que retomam o tema da migração nordestina e da luta pela sobrevivência. "A bandeira de Lula é a luta contra a fome. Essa já era minha bandeira em 1947, quando fiz a primeira exposição", conta o escultor. "Na maioria dessas famílias pobres, o marido abandona e fica uma mulher com uma porção de meninos. Os retirantes relembra a viagem que a mãe de Lula fez com ele e os irmãos. É o drama comum aqui no Nordeste." Escultor que agregou os artistas de Pernambuco em um ateliê aberto nos anos 1950 e formou nomes como Gilvan Samico, um dos mais importantes gravadores do Nordeste, Abelardo fez os primeiros passos numa arte desvinculada dos ditames acadêmicos na fábrica de cerâmica de Ricardo Brennand. Foi ao assistir Abelardo criar que o ceramista Francisco Brennand, filho do industrial e herdeiro da fábrica, deu início à carreira.
Para transformar em imagens sua crítica social, Abelardo faz uso de um traço expressionista que muitas vezes o aproxima de artistas como Portinari e Di Cavalcanti. "Todo o trabalho que faço é feito da criatividade popular ou em cima da vida do povo. Ora protesto contra as injustiças sociais, ora canto a criatividade", explica o artista, que também apresenta uma série de desenhos consagrados às danças brasileiras de carnaval. "E tem também uma parte que dedico inteiramente às mulheres. Solidariedade, dedico ao povo; amor, às mulheres."
AMOR E SOLIDARIEDADE
Retrospectiva de Abelardo da Hora. Visitação até 23 de agosto, de terça a domingo, das 10h às 21h, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB, SCES, Trecho 2).