Diversão e Arte

Bailarina que revolucionou a dança contemporânea morre de câncer descoberto havia cinco dias

postado em 01/07/2009 07:58
Os espetáculos de Pina Bausch tocam o tempo. O que afetava essa mulher, como cidadã, estava na base de criação dos movimentos que revolucionaram a dança contemporânea mundo afora. Foi assim na montagem Para as crianças de ontem, hoje e amanhã, que veio ao Brasil a convite do festival Porto Alegre em Cena de 2006. Concebida um ano depois da tragédia de 11 de setembro, a obra colocava no palco sentimentos estilhaçados de fragilidade e perda de ingenuidade permeados pela leveza das fábulas. - Estamos imersos num tempo dolorido. Há desamparo. Isso está dentro de cada um de nós, revelou a coreógrafa aos jornalistas que acompanhava o evento. Ontem, aos 68 anos, Pina Bausch morreu, vítima de câncer diagnosticado havia cinco dias. A arte de Pina Bausch(1), exercitada há mais de três décadas, no Teatro de Dança Wuppertal, é eixo central das relações orgânicas entre dança e teatro. Não à toa, era conhecida como "a coreógrafa dos continentes", que influenciou ao menos três gerações de bailarinos. A revolução se iniciou nos anos 1970, quando assumiu a direção, aos 33 anos, do balé Tantztheater Wuppertal, subvencionado pelo Estado. Com atitude de vanguarda, chocou os mais conservadores ao reorganizar as relações internas do movimento em cena. Havia sequências, por exemplo, em que os bailarinos "não dançavam". Ações, como falar, gritar e fazer gestos cotidianos, eram células coreográficas. Uns espectadores que saíam no meio da apresentação. Outros vaiavam. Muitos aplaudiam em estado de choque criativo. A trilha sonora era colagem de fragmentos cheios ritmos diversos e vazios de silêncio. Constam que existiram até telefonemas anônimos ameaçadores, apesar do clima de intimidade criado entre bailarinos e plateia, desenvolvido tempos depois com característica de sua dança (olho no olho, contatos físicos, vinho e café servidos). - Acredito na força da efemeridade, no aqui e agora do espetáculo. Gosto de sentir viva essa relação, esse contato da proximidade com o outro, de criar algo especial com quem assiste à performance, dizia. Em 1976, Pina Bausch já era do mundo, aclamada como genial e tornando-se a mentora da principal companhia de dança da Alemanha Ocidental. Ao aliar em Os sete pecados capitais, coreografia baseada em músicas de Kurt Weil e textos de Bertold Brecht, ultrapassou limites de linguagens. Recriou as bases teóricas do mestre alemão Rudolf von Laban(2) e dos discípulos Mary Wigman(3) e Kurt Jooss, com quem iniciaria na dança. Recuperou o pensamento do coreógrafo Jean-Jacques Nouverre (1727 - 1810), responsável pelo conceito de balé-ação. Bebeu também na revolução estética promovida por Bertolt Brecht(4) no teatro. Até formar um jeito de dança que era só seu, extremamente sensorial, levando o espectador ao mergulho em sensações físicas, como o contato elementos da natureza, terra, água, levados ao palco. - Tudo que está em cena vem da necessidade de trazer uma experiência diferente ao corpo. Não é algo que está ali gratuitamente. É uma vivência proposta para o bailarino, para o espectador. Nascida em Solingen, no Oeste da Alemanha, em 27 de julho de 1940, Pina Bausch formou-se como bailarina, em 1955, na escola Folkwangschule de Essen, criada e dirigida por Kurt Jooss(6), onde viveu os anos férteis de aprendizado ao lado de um "homem legendário", como costumava denominá-lo. - Era uma época excitante. A gente convivia, enxergava e escutava os demais, aprendia com o outro. Em 1959, a menina cheia de ideias se mudou para os Estados Unidos, onde passou três anos estudando na Julliard School, de Nova York. Foi a primeira bailarina alemã a conseguir uma bolsa para estudar na renomada escola norte-americana. Ao voltar para a Alemanha, em 1962, iniciou a carreira brilhante que culminaria na revolução artística, que contaminaria o mundo. No Brasil, por onde percorreu meia dúzia de vezes com montagens, tinha uma relação visceral. Esteve em Salvador em 2000, quando se impressionou com a batida do Olodum. Apaixonou-se pelo jeito de corpo do brasileiro. - Amo o Brasil profundamente, disse na passagem por Porto Alegre. Em setembro, ela voltaria ao país com dois programas: Café Müller, obra-prima para seis bailarinos, e A sagração da primavera, ambas apresentadas no Teatro Alpha (São Paulo). A obra de Pina Bausch combinava de canções populares à música clássica, misturando dança e recursos dramáticos. 1 RODOLF VON LABAN (1879 - 1958) - Defendia que a dança era uma arte independente e buscava harmonizar as qualidades dinâmicas do movimento e os percursos no espaço. Desenvolveu sistema de movimentos a partir de improvisações de "dança-tom-palavra". Os aprendizes usavam a voz, criavam pequenos poemas ou dançavam no silêncio. Introduziu o conceito de dança-teatro. 2 MARY WIGMAN - Fundou a dança de expressão, uma forma de insurreição contra o balé clássico. A expressão individual do bailarino era associada às urgências universais do homem 3 BERTOLT BRECHT - Teatrólogo alemão que propôs teorias para emancipação do espectador diante do espetáculo alienado. Pina se apropriou de conceitos do teatro épico como o efeito do distanciamento, os gestos que combinavam ações corporais e palavras como um movimento significante, jamais ilustrativo. 4 KURT JOOSS - Associou os conceitos de dança-teatro a temas sociais e políticos por meio da ação dramática de grupo. Misturava elementos do balé clássico com teorias de Laban. Veja trecho de Café Müller em vídeo

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação