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Gay Talese fala ao Correio sobre jornalismo e a importância de contar histórias

Nahima Maciel
postado em 08/07/2009 10:31
Talese: jornais 24 horas atrasadosGay Talese gosta de contar como os bons modos e o terno perfeitamente cortado ajudaram a causar boa impressão quando bateu na porta do diretor de redação do The New York Times para pedir emprego. Tinha 21 anos, acabara de se formar em jornalismo em uma universidade remota do Alabama e corria a década de 1950. Não havia emprego para o rapaz naquele momento, mas semanas mais tarde ele receberia um telefonema para trabalhar como servente na redação. Do cafezinho para as máquinas de escrever foi um caminho relativamente rápido. Talese conseguiu isso com a segunda característica que mais gosta de frisar em si mesmo. A paciência de gastar tempo com as pessoas comuns. "Pessoas ordinárias podem ser extraordinárias", acredita, embora pouco tempo tenha dedicado ao "ordinário" em Paraty, onde esteve até domingo para a 7ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Maior nome do jornalismo literário nos Estados Unidos, autor de livros de sucesso como A mulher do próximo, Fama e anonimato e O reino e o poder, no qual destrincha a história do Times, Talese acaba de lançar Vida de escritor, um relato da própria trajetória, e se prepara para escrever a história de seu casamento de mais de quatro décadas com a editora Nan Goldwin. Destemido, o escritor de 77 anos confia em seu bom gosto para não fazer do livro uma narrativa sensacionalista. Talese tem bagagem para isso. Quando lançou A mulher do próximo, em 1981, a crítica subiu em pedestal moralista para acusar o autor de expor a mulher. Ficou constrangido quando questionado por Mario Sérgio Conti, durante o debate na Flip, se não temia ver seu livro sobre o casamento em prateleiras de publicações sensacionalistas, já que pretende incluir os casos extraconjugais vividos por ele e pela mulher. "Se for mal feito, mal escrito e mal compreendido pode ser vergonhoso. Mas tenho esperança de que posso manter o padrão, a delicadeza e o respeito. É um desafio tentar misturar ficção e intimidade. Em A mulher do próximo, tenho consciência de que humilhei minha esposa", disse, antes de apontar o relógio e indicar o encerramento da conversa. "Mas sempre tentava me lembrar que era um escritor." Garoto, Gay Talese achava difícil encontrar alguém mais curioso que ele mesmo. Apostou nessa característica para driblar os resultados ruins na escola e na faculdade de jornalismo. "Nunca fui bom em decorar as coisas", contou, em entrevista concedida em Paraty, durante a qual falou sobre aprendizado e jornalismo. 1 FAMA E ANONIMATO Livro de perfis e histórias de gente comum. Publicado em 1970, traz dois textos que se tornaram emblemáticos da carreira de Talese. Em um deles, ele faz um perfil de Frank Sinatra e conta como entrevistou pessoas conhecidas do astro que se recusou a conceder entrevista. No outro, recupera histórias de operários anônimos que trabalharam em obras de Manhattan. 2 A MULHER DO PRÓXIMO Talese se empregou numa casa de massagens em Nova York para contar como viviam as prostitutas e os clientes de um clube privado. O escritor decidiu viver como seus personagens para compreender o submundo do prostíbulo e quase se tornou um cafetão. Quatro perguntas - Gay Talese O senhor era um aluno medíocre e, de certa forma, tinha tudo para fracassar, como os personagens da maioria de suas histórias. O que há de errado com a escola? A escola não ensina o que vai fazer de você um sucesso. Com frequência, a escola quer que você memorize o que os professores acham importante e se você fizer isso, vai ter boas notas. Nunca tive oportunidade de enfatizar, em meus trabalhos de escola, o que faria de mim uma pessoa de sucesso, o que me tornaria apto a desenvolver minha ambição, que era baseada no fato de eu não conhecer ninguém mais curioso sobre os outros que eu mesmo. O fato de que queria gastar muito tempo com meus assuntos também não ajudava. Os professores estavam interessados apenas na aceitação da lição e na sua habilidade de lembrar a lição. Quando você estudava para o exame, não estava aprendendo, estava apenas memorizando. Eu não era muito bom nisso. Não era bom estudante porque fui julgado em características que não tinham a ver com o que queria fazer na vida. Minha vida era fora da escola e o que fiz para ser bem-sucedido foi fora da escola. Então a curiosidade foi o ingrediente fundamental para lançá-lo no mundo jornalístico? Eu tinha a paciência de estar com outras pessoas por muito tempo. Eu não estava sempre correndo para terminar algo, estava interessado em tomar tempo para entender as pessoas muito bem. Jornalistas estão sempre correndo e são impacientes com os outros. Jornalismo é motivado pelo furo. Acho isso ridículo. Para mim, o mais importante não é ser rápido, é ser correto, ser acurado. E também ser profundo e tentar entender bem o assunto sobre o qual você está escrevendo. Quando me formei, fui para Nova York e consegui o emprego no jornal como servente. No tempo livre, eu escrevia coisas e algumas entravam no jornal. Mais tarde, quando fui promovido a repórter, continuei. Andava por Nova York em busca dessas histórias que não eram grandes histórias, não estavam na primeira página, estavam lá no meio. Eram histórias de pessoas ordinárias que me contavam o que pensavam das coisas. Aos poucos, os artigos ficaram maiores, os desafios também e depois viraram livros, mas eram histórias sobre pessoas ordinárias. Sou um contador de histórias, e isso não é jornalismo nem literatura. Seria este o futuro do jornalismo impresso, contar histórias que não estão nas primeiras páginas dos jornais e deixar para a internet as notícias? Acho que essas são as histórias mais importantes de serem contadas porque as notícias da primeira página estão na internet e na televisão. Os jornais estão 24 horas atrasados. Sempre. O jornalismo não deveria estar interessado no furo. O jornalismo deveria se interessar pela literatura da realidade. Acho que esse é o futuro do jornalismo, porque acidentes de aviões, alguém baleado ou a morte de uma pessoa importante vão estar na internet, tevê ou rádio 10 minutos depois de acontecer. As pessoas não precisam ler jornais para saber das notícias. É um erro chamar jornais de newspapers, as notícias já estão velhas quando chegam aos jornais. O que é realmente interessante é a personalidade das pessoas que não parecem significativas, mas que refletem as notícias. Por exemplo, essa crise financeira. Há muitas histórias sobre como as pessoas estão sobrevivendo e os jornais deveriam escrever sobre elas. Na guerra do Afeganistão nada foi escrito sobre como as pessoas comuns vivem o talibã. O talibã controla as montanhas, invade o Paquistão, ok, mas ninguém escreve sobre como é ser um talibã. Tenho certeza de que é possível encontrar uma família talibã e escrever sobre como eles vêem o mundo. O problema é que os governos têm a postura de saber quem é o aliado, quem é o inimigo e não falar com o inimigo. O senhor acha que o diploma é fundamental para exercer o jornalismo? Não, com certeza. Às vezes é bom ter aulas de como apurar, ter aulas de prática. Mas ser formado em jornalismo, não. Não fui um bom aluno em jornalismo. Às vezes, o que faz de uma pessoa um bom jornalista, um bom médico, um bom escritor não é necessariamente ensinado na escola, é desenvolvido pela própria pessoa. O que importa é identificar o que é necessário e quais são suas ambições individuais. Na estante Gay Talese tem quatro livros publicados no Brasil: Fama e anonimato (Companhia das Letras, 536 páginas), A mulher do próximo (Companhia das Letras, 484 páginas), O reino e o poder (Companhia das Letras, 560 páginas) e Vida de escritor (Companhia das Letras, 510 páginas)

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