Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Diretor Túlio Guimarães escreve sobre Dulcina de Moraes

Cheguei em Brasília em 1988 vindo de São Luís do Maranhão. Um dia, passando pelo Conic, vi escrito na entrada de um prédio: Faculdade de Artes Dulcina de Moraes. A curiosidade levou-me a entrar e explorar o prédio. Lá, descobri um universo pulsante onde alguns loucos gritavam textos que ecoavam pelos corredores. Não resisti. Fiz o vestibular e ingressei. Deu-se início a primeira das várias crises que presenciei, enfrentadas por aquela instituição ; a de 1989, uma das mais ferrenhas. Percebi então que se tratava de uma utopia: uma faculdade particular inteiramente dedicada ao ensino de artes num país como o Brasil, onde as artes sempre foram marginalizadas.

Tive a grande oportunidade (inesquecível aquele dia) de me deparar frente a frente com Dulcina. Eu "curiava" suas aulas, pois naquele tempo ela só as ministrava a quem estava se formando. Um dia, ensaiando O tribunal dos divórcios, fui surpreendido por aquela senhora que abrira a porta dizendo: "O que vocês estão fazendo?" Eu respondi, quase sem voz: "Ensaiando". E ela me disse: "O que?" E eu respondi: "Cervantes". Desde esse dia, fui contagiado pelo entusiasmo, carisma e determinação dessa mulher extraordinária.

[SAIBAMAIS]Trabalhando na Fundação Brasileira de Teatro (FBT), a convite de B. de Paiva, tive oportunidade de me aprofundar na história dessa grande mulher. Ela é uma espécie de deusa para mim e estou certo que ocupa um lugar de destaque no Olimpo, onde se encontra hoje. A FBT é seu legado, além de tudo o mais que ela deixou de importante para o teatro e a educação de artes no Brasil.

As crises se sucederam. Em vários momentos estivemos a ponto de fechar as portas, mas acredito que Dulcina é uma fênix. Está sempre a renascer das cinzas. Quando se pensa que esse patrimônio deixado por ela para a sociedade brasiliense está extinguindo-se atolado em dívidas, esquecido pelo poder público, fadado ao fracasso, o espírito da guerreira vem como as valquírias numa cavalgada a recolher as almas dos heróis mortos na batalha e convoca um novo exército para continuar a luta.

O patrimônio de Dulcina foi salvo por um grupo de jovens empresários que injetaram seu ânimo e (o mais importante) seu dinheiro acreditando que não é em vão. As mudanças já são perceptíveis. Uma nova galeria, um projeto de restauração do teatro e do prédio da FBT, além dos ares de renovação positiva que se respira hoje naquele templo. No Brasil, temos que entender que cultura não se "ajuda", investe-se nela para que as futuras gerações sejam melhores, mais humanistas, mais éticas e voltadas para o bem comum. Isso eu aprendi com a minha mestra e isso eu tento passar para meus alunos com os quais convivo há 14 anos. Que Santa Dulcina dos Palcos nos abençoe!

Tullio Guimarães é ator, diretor e arte-educador