Diversão e Arte

Brasiliense retrata em suas esculturas pop o submundo norte-americano

Nahima Maciel
postado em 10/07/2009 08:00

As figuras talhadas por Fernando Carpaneda circulam num mundo cheio de sombras. Vivem à margem e não têm rostos conhecidos da grande mídia e do grande público. Mas podem ser rotuladas de pequenas celebridades na cena marginal pela qual transitam. Prostitutas, transexuais, atores pornô, fotógrafos, mendigos e ex-namorados são o alvo de Carpaneda desde os anos 1990. As esculturas fabricadas em poliuretano começaram a tomar forma em Taguatinga, onde o artista nasceu e morou até os 30 anos, quando decidiu trocar o Planalto Central por Nova York em busca de maior aceitação para um trabalho que causa incômodo na mesma medida que arrebata.

Deu certo. Em Manhattan, Carpaneda encontrou um nicho e fez sucesso. Adotado pela Leslie Lohman Gay Art Foundation, fundação dedicada a preservar a arte homoerótica, o artista expôs em galerias, vendeu obras para dois museus(1) e acaba de lançar livro em edição de luxo, bilíngue, com textos de críticos e imagens da produção desde os anos 1990. Clay sculptures cataloga a trajetória de Carpaneda nas últimas duas décadas. A iniciativa da fundação, o artista credita, se explica pelo caráter marginal de sua arte. ;Sou o único artista-plástico brasileiro assumidamente gay que retrata o submundo e a cultura gay em três países diferentes (Londres, Brasil e Nova York) há 20 anos.; No final do mês, ele participa da exposição Iconography of mask, coletiva que integra o festival Resistence, em Londres.

O nome de Carpaneda é praticamente desconhecido no Brasil. O artista pouco expôs por aqui. O conteúdo polêmico e erótico de suas esculturas ; todas figurativas e a maioria despida ; fechava portas e acabava confinando os trabalhos a um rótulo pouco explorado por curadores contemporâneos. ;Eu não quero fazer parte da elite das artes plásticas do Brasil, ter de cair nas mãos de curadores famosos que escolhem nossos temas e fazem mapeamentos para exposições, como se essas exposições e esses artistas definissem uma cena nas artes plásticas brasileiras;, explica. ;Tento intervir na realidade social que me circunda, deslocando certas noções de certo ou errado nos meus trabalhos. Fiz uma escultura que se chama O mendigo morto. É um trabalho que fala sobre os casos dos mendigos assassinados em São Paulo e mostra o corpo de um mendigo espancado e mutilado. Isso acontece diariamente no Brasil e ninguém faz nada. Homossexuais e prostitutas são assassinados todos os dias e os processos de punição não avançam.;

Carpaneda faz sempre questão de destacar que conhece e conviveu com todos os retratados. No entanto, ele não encara seu trabalho como obra engajada. ;Não faço denuncismo social. Faço arte. Agora, não vou pegar apenas temas bonitinhos para agradar gente nacionalista ou falar só de mazelas para satisfazer os ranzinzas. Eu represento o que vivo e o que passa por mim e deixa alguma marca.; E há muitas marcas nesse rastro. Carpaneda sempre foi muito ligado à cultura punk e seus bonecos são retratados com a estética da desordem que caracterizou o movimento. ;Mas minha arte é original;, avisa. ;O punk está presente como tema, jamais como forma. E não acho que minha arte seja rebelde. Ela é autêntica.; Aos 42 anos e sem perspectiva de volta definitiva ao Brasil, Carpaneda segue explorando o submundo em busca de personagens e histórias capazes de render esculturas que funcionam como perfis nos quais há, invariavelmente, uma particularidade do retratado. Um fio de cabelo, um pedaço de tecido, uma guimba de cigarro são utilizados na fabricação das peças. É uma forma de Carpaneda também contar ao público que não se apropria friamente das figuras dos personagens, mas convive com eles antes de torná-los parte de sua galeria marginal.


; Cultura punk
;Brinco com a indústria pop. Faço retratos de alguns punks que viraram personalidades e de algumas personalidades que viraram punks, como o Boy George. Fiz um retrato dele e outro dia ele estava varrendo as ruas aqui em Nova York. Mostro os dois lados da moeda. O termo punk sofreu desgaste, muita gente não tem a menor idéia do que significou na música e na cultura como um todo. Todavia, o punk ainda traz um conceito que não está inteiramente morto, que não é simplesmente clichê e serve como influência para artistas e jovens de todo mundo repensarem suas condutas e ações dentro da nova realidade que vivemos.;

; Função da arte
;Pelo que tenho visto durante esses 25 anos de trabalho em artes plásticas, a função da arte ultimamente é fazer pessoas que nunca foram artistas e nunca tiveram talento se transformarem em artistas conceituais criadores de propostas estúpidas para tirarem dinheiro de grandes instituições e conseguirem espaços em bienais para aparecem na mídia como gênios.;

; Personagens
;Meus retratados são na maioria ex-namorados. Os mendigos e traficantes que fiz são meus amigos. E a grande maioria das esculturas que faço mostrando mendigos representam americanos que conheço aqui. Ao contrário do que muita gente afirma, mostro um outro lado do Primeiro Mundo que muita gente não enxerga. Mostro a ;Pobreza Americana; e não a ;Beleza Americana;.;

1- EM EXPOSIÇÃO
O Museu do Sexo (Nova York) e o Erotic Heritage Museum (Las Vegas) compraram os bonecos anti-homofobia, nos quais Carpaneda critica figuras declaradamente homofóbicas, como o ex-presidente da Rússia Vladimir Putin (que proibiu manifestações pelo orgulho gay) e o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad.

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