Diversão e Arte

Crítico da revista The New Yorker fala sobre o livro O resto é ruído

Nahima Maciel
postado em 10/07/2009 09:38
O balé A sagração da primavera estreou no Teatro de Champs-Élyssés em maio de 1913. A coreografia anárquica de Vaslav Nijinski fazia os bailarinos executarem passos bizarros e a repetição de acordes dissonantes de Igor Stravinsky, o russo responsável pela música, provocava assobios e risos. O escritor Jean Cocteau lembrou mais tarde que ali estavam reunidos todos os elementos para um escândalo. E estavam mesmo. A música de Stravinsky não deixou ninguém indiferente. A maioria do público gostou do que ouvia, uma combinação de sonoridades sem dúvida esquisita, nada melódica, mas decididamente nova. E isso era bom, embora algumas pessoas tenham erguido o dedo para protestar. O início do século 20 veria muitas outras manifestações entusiasmadas de estreias de peças de compositores clássicos. Teatros lotavam. O público comentava. Alguns compositores ficavam deprimidos com o sucesso de suas peças. Se todos gostaram, pensavam, então devia ser ruim. Outros se irritavam com a incompreensão do mesmo público. A música clássica era um sucesso incontestável. É dessa época que Alex Ross sente extrema nostalgia. A música clássica se divorciou do público em algum momento do século 20 e não foi uma separação amigável. Ross não gostou da ideia e resolveu contar a história dessa música outrora celebrada e hoje isolada e mal compreendida. O resto é ruído %u2014 Escutando o século 20 traz 680 páginas da trajetória do gênero ao longo dos últimos 100 anos. Crítico da revista The New Yorker, Ross, 41 anos, acreditava que havia mais entre a música clássica e a história do século 20 do que o público era capaz de perceber. O crítico descobriu o gênero na adolescência. Começou com Mozart, Schubert e Brahms. "Vocês podem imaginar que tipo de adolescente eu era", brincou com a plateia da 7ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), onde esteve na semana passada para falar sobre o livro. O interesse era natural. Ross estudou piano, oboé e até tentou compor. "Mas não tinha talento", admite. "No meu livro, quero que as pessoas entrem em contato com a música. E faz mais sentido se explicamos a vida dos compositores." O conhecimento técnico e a capacidade para construir metáforas refinadas são responsáveis pelos melhores momentos de O resto é ruído. Sem assustar o leitor menos familiarizado com o tema, Ross consegue descrever harmonias complicadas, estéticas difíceis como a música atonal e a dissonância, ao mesmo tempo em que provoca a curiosidade para ouvir as obras. É, aliás, a partir da dissonância que o autor explica o divórcio entre a música clássica contemporânea e o público. "A dissonância pode ser chocante, a perda da repetição significa que temos dificuldade em aceitar essas novas sonoridades. Num quadro você pode ir e voltar dezenas de vezes. Na música, você só tem 20 minutos para aceitar aquilo. O engraçado é que no cinema as pessoas ouvem o mesmo som, mas não se preocupam nem se incomodam", diz. "Já assisti a milhares de concertos e fico esperando explosões violentas, mas nunca vi nenhuma. É uma pena. Acho que o público hoje está inseguro e não quer estar do lado errado." Em O resto é ruído, você apresenta conexões entre gêneros como rock e jazz com a música clássica e fala de artistas como John Cage e Ravi Shankar e bandas como Velvet Underground. Foi uma decisão para aproximar as pessoas que não estão acostumadas com a música clássica? Sim, a razão formal é que eles sugerem muitas conexões intelectuais importantes. Não se pode fazer um livro como esse sem ouvir os compositores clássicos que muitas vezes chegaram muito perto do jazz e do rock. É importante. Pensei que poderia ajudar alguns leitores que gostam de pop e não conhecem música clássica. Não importa se Aaron Copland, Duke Ellington e George Gershwin faziam jazz ou clássico, eles estavam trabalhando com ideias similares que mais tarde vimos em (John) Coltrane, Velvet e na vanguarda nova-iorquina. Uma das coisas mais marcantes que aconteceram no século 20 é que essas cenas aparentemente afastadas se tornaram próximas. Por que a música clássica parece tão obscura ao público de forma geral? É engraçado porque a música clássica está sempre à nossa volta no dia a dia. Ouvimos em consultórios, salas de espera, aviões, estações de ônibus. Mas muitas pessoas acham que é música de fundo ou para a elite ou pessoas com gosto especializado. Acho isso muito errado. Essa música é vital, vibrante, poderosa, emocional e extremamente forte. Você pode ser afetado de maneira muito poderosa. Quando entramos no século 20, muitos compositores reagiram contra a música clássica, diziam ser do passado e queriam fazer algo revolucionário, rebelde de certa forma. E muitas pessoas que cresceram ouvindo a música clássica tiveram problemas com a música do século 20. Por que escolheu o século 20? Adoro história tanto quanto música, especialmente a história do século 20. Há eventos extraordinários em que há compositores envolvidos. Eles viveram um dos períodos mais negros da história, com Shostakovich na ex-União Soviética, Richard Strauss na Alemanha, esses jovens compositores de vanguarda como Stockhausen experimentando coisas terríveis no fim da Segunda Guerra. É fascinante como essas experiências mudaram a direção desses compositores. Às vezes se diz que há mais e mais pessoas ouvindo música clássica, mas por que parece tão distante da vida das pessoas? Tenho muitos amigos que têm a minha idade e são ligados no que está acontecendo na literatura, no cinema, na arte contemporânea, mas quando você fala em música clássica eles fazem cara feia. Você acha mais fácil a aproximação com a música clássica por meio dos compositores do século 20? Muitas pessoas acham que Beethoven é bonito mas é coisa do passado e dizem que querem ouvir artistas vivos. Isso mostra que a música clássica é um espaço em que artistas vivos estão escrevendo muitos trabalhos, mas que eles não entram na vida das pessoas. E muitos desses artistas viveram no coração do século 20 e hoje estão reagindo ao que acontece à nossa volta. Essa é uma boa maneira de envolver mais as pessoas na música clássica. Não acho que elas devam começar com Mozart, acho que podem começar com Stravinsky, por exemplo. Claro, algumas vão tentar Mozart e se apaixonar. Mas, para outras, Stravinsky ou contemporâneos podem ser melhores porque podem ter alguma conexão com a vida moderna. Fica mais fácil. Qual o futuro da música clássica com a internet? Internet tem sido incrível para a música clássica. Você pode ouvir ou ver trechos de concertos em áudio e vídeo, pode ir a websites de compositores e músicos e ouvir trechos. Nas lojas de música, a parte de clássicos fica numa área restrita e se você quiser comprar nessas grandes lojas vai se deparar com centenas de discos. É difícil achar a gravação certa. As pessoas podem se sentir intimidadas por esse processo. Na internet fica muito mais fácil, a música clássica fica mais acessível.

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