Que tal apertar a tecla play para se aventurar no mundo da literatura? No universo dos audiolivros é assim: não há páginas nem letras ; são puramente os sons que nos conduzem pelas tramas do texto. A alternativa à leitura tem fãs e detratores. Estes argumentam que o livro convencional proporciona uma experiência insubstituível. Para outros, o importante é estar em contato com a obra e sua mensagem, independentemente do suporte físico. Assim, a literatura pode ser usufruída, por exemplo, enquanto cozinhamos, arrumamos a casa ou dirigimos rumo ao trabalho. O formato não é novidade, mas só recentemente ganhou destaque no mercado editorial brasileiro. A princípio muito usado por deficientes visuais, o audiolivro acabou conquistando uma fatia de público mais ampla e diversificada. De acordo com Sérgio Herz, diretor de operações e novas tecnologias de uma rede nacional de livrarias, o ouvinte de livros não deixa de consumir também as versões impressas ; o que ele está procurando, na verdade, é manter-se informado de forma mais prática e rápida. Tempo é a palavra-chave. Mas se motivação para ler ou ouvir um texto pouco muda, o mesmo não pode ser dito sobre a percepção da obra. Para o professor de literatura da Universidade de Brasília Rogério Lima, manusear o bom e velho volume de papel implica na construção de novos significados na mente do leitor. ;Talvez o leitor comum não se dê conta, mas o contato físico com o livro implica numa espécie de erotização entre o leitor e o livro. Por sua vez, o audiolivro instaura uma outra relação com o que está sendo narrado ou recitado;, explica. À frente de uma editora especializada em audiolivros, Cristina Albuquerque concorda: nada substitui o prazer de se ler um bom livro no aconchego do sofá. A inovação do formato áudio, garante ela, é possibilitar novos e inesperados contatos com a literatura. Foi o que aconteceu com a empresária Marly Maia Dias, de 59 anos. Ela passou por uma cirurgia no olho e ficou impossibilitada de ler durante 12 dias. Durante esse tempo, a distração foi a versão em áudio do best-seller Comer, rezar e amar, de Elizabeth Gilbert. Presenteada por uma amiga, ela conta que a ótima voz da narradora ajudou a manter a atenção e deixou a atividade menos cansativa. ;Foi uma benção para passar o tempo ocioso. Viajei na história da mesma forma que quando leio;, revela. ; Solitário ou compartilhado A fruição de um audiolivro se assemelha pouco à leitura tradicional em voz alta. Tão antiga quanto a existência do livro, a prática de ler para outras pessoas foi muito comum até a popularização do rádio, na primeira metade do século 20. Nessa época, tanto quem ouvia quanto quem lia em voz alta dividia o prazer do texto. Já o grau de interação proporcionado pelos audiolivros é discutível ; uma vez que as pessoas tendem a escutá-los com fones de ouvido. Contudo, para a diretora de publicações Cristina Albuquerque, essa experiência pode sim ser compartilhada. ;Tenho amigos que viajam de carro e escolhem juntos o livro que ouvirão. Depois, comentam;, afirma. Hugh McGuire, idealizador de um site de produção e distribuição de audiolivros de domínio público e gravados por narradores amadores, aponta a interação entre quem lê e quem ouve como um atrativo. ;Há uma conexão mais íntima com amadores do que com um ator pago para ler de maneira técnica;, compara. O público, especula McGuire, gosta de diferentes sotaques. Na língua de Camões Com um mercado consolidado em outros países, os audiolivros tiveram crescimento significativo nos últimos anos no Brasil. Novas editoras especializadas e maior espaço nas livrarias têm feito diferença nas vendas. Segundo Cristina Albuquerque, uma pesquisa de consumo apontou que um em cada quatro livros vendidos nos Estados Unidos é em formato de áudio. No Brasil, sua editora, em atividade desde setembro de 2008, lançou este ano 50 obras ; e pretende dobrar o número até dezembro. ;Esse é um mercado de nicho com novas redes de distribuição, que são relativamente novas;, conta Sérgio Herz. Um dos impulsos para o produto foi a possibilidade de venda pela internet, inclusive com formatos desenvolvidos especialmente para aparelhos de celular. Em todos os casos, o público-alvo é o mesmo dos livros impressos. Sem notas de rodapé Muitas críticas e questionamentos em relação a audiolivros dizem respeito à questão técnica. Livros são pensados para impressão e a transformação em áudio pode acarretar na perda de compreensão de algumas partes. Um dos problemas mais comuns é a gravação das notas de rodapé. A leitura das vozes de diferentes personagens também pode ser confusa. Os especialistas respondem que cada obra deve ser trabalhada de um jeito, o que melhor se adapte à estrutura do texto. Uma maneira encontrada de suprir as notas é mudar o tom de voz ou colocá-las em faixas diferentes do texto principal, para que possam ser puladas, se essa for a vontade do ouvinte. ; Alguns best-sellers com versão em audiolivro Todos os sentidos Ler e ouvir são atividades muito diferentes. A leitura exige um nível alto de atenção, boa disposição e memória fotográfica. A audição permite a prática simultânea de atividades automáticas, mas demanda memória auditiva para que as informações não se percam. Isso não significa necessariamente que uma atividade seja mais fácil que a outra. A absorção da mensagem varia de indivíduo para indivíduo, pois depende de como a mente de cada um interpreta os estímulos. Segundo o neurologista Luís Manrieza, há pessoas dotadas de maior capacidade de concentração ; essas tirarão proveito maior do hábito de ler. Outras precisam manter os ouvidos em alerta para assimilar conteúdos. Isso fica evidente nas diferenças entre os tipos de estudo. Alguns preferem ler em voz alta para fixar o que aprendem. Há quem só consiga ler em silêncio ou precise copiar tudo o que lê. Para o neurologista, a maior dificuldade de ouvir um livro é o fato de a narração ser carregada de intenções. O cérebro é capaz de interpretar as mais sutis entonações, perceber as intenções na voz, o que pode ir de encontro à intenção do autor. ;São duas experiências diversas, mas não acho que estejam em oposição. As possibilidades do audiolivro só aumentam o alcance da literatura;, opina o escritor Hugh McGuire, idealizador de um site de produção e distribuição de audiolivros de domínio público. McGuire acredita que o interlocutor se torna uma espécie de terceira voz ; uma forma de conexão não só com o texto, mas com uma pessoa diferente. Foi assim na experiência de leitura de Marly Maia Dias. A ligação aconteceu não só com a autora do texto, mas com a narradora. ;A narração não era carregada nem interpretada. Era uma leitura direta e agradável. Uma mulher lendo para outra a história de uma terceira, que decidiu se virar sozinha e contar o que aconteceu;, relata. ; Onde ouvir O trunfo do audiolivro é poder ser ouvido em qualquer lugar. Mas alguns cuidados devem ser tomados: No carro É ótimo para enfrentar grandes engarrafamentos. Mas o neurologista Luís Manrieza desaconselha o passatempo. Isso porque a atenção fica desviada, o que não é problemático para atividades automáticas, mas pode prejudicar a resposta caso um imprevisto aconteça. No ônibus ou no metrô Um dos usos mais populares do audiolivro e sem contraindicações. Perfeito para quem sente náuseas quando lê em veículos. Enquanto faz atividades de casa, como passar roupa, cozinhar Como são todas atividades automáticas, são ideais para serem divididas com um audiolivro. Ao praticar exercícios físicos, como caminhar, pedalar ou na academia Assim como ouvir música, aproveitar o tempo da malhação para ouvir um audiolivro é uma ótima ideia. Mas cuidado ao caminhar, pedalar ou correr, já que a atenção dividida pode dificultar a hora de atravessar ruas e desviar de outras pessoas.