postado em 21/07/2009 08:00
Na tela do Cine Brasília, as cenas de tortura de Filmefobia deveriam provocar pânico. Mas o espectador tem outros motivos para ficar tenso. Na sala quase vazia, qualquer barulho é motivo de desconfiança. Alguns preferem abandonar a sessão. ;É um perigo. Assistimos aos filmes com preocupação, atentos aos movimentos suspeitos;, afirma a artista plástica Hercília Callado Lopes, 59 anos, frequentadora de longa data. Nos bastidores, a atmosfera tem um quê de fita policial. Os funcionários lidam com as condições precárias do prédio enquanto convivem com a insegurança. ;Estamos à mercê da sorte;, comenta Antonio Sérgio Alves da Silva, que trabalha na sala da 106/107 Sul.Não é ficção. As tantas histórias de suspense ilustram o estado de abandono em que vive a sala mais tradicional da cidade. A casa do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro agoniza, à espera de reformas urgentes. A Secretaria de Cultura do DF classifica o restauro como prioridade e promete ações para o ano que vem. Em 2008, às vésperas do festival, o Correio denunciou as agressões ao espaço projetado por Oscar Niemeyer. A reportagem encontrou equipamentos pifados e até casos de polícia ; uma tentativa de assalto no banheiro foi parar na 1; Delegacia de Polícia (Asa Sul). Um ano depois, a situação piorou. ;Está caótico;, define o servidor Carlos Zenon.
[SAIBAMAIS]A crise generalizada deixa rastros em todo canto: a programação apela para reprises (em apenas duas sessões, à noite), a manutenção é precária (o carpete está tão fino que deixa o concreto à mostra), ratos e escorpiões aparecem entre latas de filme. Policiamento não existe. Poucos espectadores se arriscam a enfrentar sessões às moscas. ;Está tudo tão largado que ficamos com a impressão de que querem matar o cinema. Não queremos que isso aconteça. Ele é a cara de Brasília;, defende Hercília, integrante da Sociedade de Amigos do Cinema (Saci), que luta pela preservação da sala desde 1990.
A ordem é definir soluções rápidas e eficientes para salvar o cinema. Graças à insistência do grupo de cinéfilos, a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) da Câmara Legislativa atentou para o problema. Em junho, organizou uma audiência pública dentro do cinema. O resultado foi um debate acalorado, com propostas para revitalizar o espaço, reformado pela última vez em 1975.
Na Câmara local, o deputado Paulo Tadeu (PT), presidente da CAS, quer criar emendas no orçamento para o restauro. ;As propostas estão em discussão. Esperamos que o espaço seja reconquistado;, observa.
O maestro Rênio Quintas, coordenador do Fórum de Cultura do DF, vê a situação da sala como sintoma para uma questão ainda mais grave. ;Os equipamentos culturais da cidade estão esquecidos. Não é um problema de hoje, mas um desmonte que começou há quase 20 anos;, diz. A Secretaria de Cultura trata o tema com destaque. Prevê um grande plano de restauração dos equipamentos, entre eles o Cine Brasília. ;Infelizmente, o estado dessa rede de equipamentos está muito deteriorado;, reconhece o secretário-adjunto de Cultura, Beto Sales. ;Temos ações objetivas para o Cine Brasília, que inclui convênios com os ministérios da Cultura e do Turismo, para conseguirmos recursos. Esse é um dos assuntos mais importantes da Secretaria;, afirma.
; A crise
Programação
- O Cine Brasília está nas lembranças de cinéfilos com uma programação diversificada, à margem do circuito comercial. Hoje, há apenas duas sessões diárias, as reprises são constantes e os títulos permanecem em cartaz meses a fio.
Segurança
- Um dos problemas mais graves do cinema assusta funcionários e espectadores: sem um esquema de segurança, a sala virou ponto de assalto.
Manutenção
- A sala sofre com falta de gerência e número insuficiente de funcionários. Mais de 10 poltronas quebradas aguardam conserto. Um dos principais refletores está pifado. Há rombos no carpete. Até a escada usada para trocar os nomes dos filmes no painel à frente do cinema periga desabar.
Ar-condicionado
- Em 2008, o sistema de refrigeração passou cinco meses sem funcionar. Mesmo depois do Festival de Brasília, a situação não melhorou totalmente. O clima ainda é de sauna durante as sessões. Sem manutenção frequente, o aparelho quase sempre deixa o público na mão.
; As soluções
Restauração dos equipamentos culturais
- A Secretaria de Cultura do DF tem um grande projeto de restauro da rede cultural da cidade. Ele está na Novacap, em processo de estudo de financiamento.
Convênios
- Há ações objetivas da Secretaria de Cultura para acertar convênios com os ministérios da Cultura e do Turismo. As obras sairiam em cerca de R$ 2,8 milhões e não alterariam o projeto arquitetônico.
Projeto de Niemeyer
- Em 1991, Niemeyer desenhou o projeto de um anexo ao Cine Brasília: um shopping cultural com lojas, restaurantes, cafés e livrarias. Depois da restauração, a secretaria pretende debater a ideia com a comunidade e tirá-la do papel.