<p class="texto">O esforço oportunista fica visível nas prateleiras das grandes livrarias. Cada vez que um livro é adaptado para o cinema, ele também ressuscita das sombras das estantes dos fundos e volta às ilhas de centro das lojas. Às vezes, revestido com uma capa nova, de preferência bem parecido ao cartaz do filme. E fica ali, nas luzes, ao lado dos lançamentos na expectativa de que o longa-metragem seja suficientemente instigante para levar o público à livraria. Mas é difícil competir com o cinema.<br /><br /><img src="https://imgsapp2.correiobraziliense.com.br/app/noticia_127983242361/denise_gustavomoreno_1_1.jpg" alt="Denise: "É bom conferir se o diretor imaginou o mesmo que você"" />Porém, na maioria das vezes, quem sai ganhando é a telona. O filme acaba sendo visto porque o livro foi lido antes. Que o diga Harry Potter. Quando a saga do bruxinho inglês chega às salas de cinema, o volume correspondente está devidamente lido e esmiuçado pelos fãs. Dos três filmes em cartaz na cidade e adaptados de livros, Harry Potter e o enigma do Príncipe sai na frente em quantidade de público e leitores. Anjos e demônios também se beneficiou do sucesso do livro e Budapeste, adaptado da obra homônima de Chico Buarque, atrai mais pela identidade do autor da história do que pelo trabalho literário. Já a peça Simplesmente eu. Clarice Lispector conta com alguma familiaridade do público com a escritora, mas não escapa ao fato de que a atriz Beth Goulart é mais conhecida entre os jovens que a consagrada escritora.<br /><br />O servidor público Nilton Machado, 62 anos, pensou em recorrer ao livro para esclarecer dúvidas plantadas pelo filme Budapeste. ;Achei confuso. Me disseram que quem leu o livro entende melhor o filme.; A mesma dificuldade não convenceu a professora de história Dilma Lemos, 55, a migrar para a literatura de Chico Buarque. ;Gostei do filme, mas não fiquei com vontade de ler o livro;, diz. ;Acho que um filme só leva o jovem para a literatura se ele já for dado à leitura. Senão, o jovem não vai.; A tradutora Lorena Santos, 37, é mais otimista. ;As duas mídias se apóiam. Se o filme conta bem a história, a pessoa pode se sentir estimulada. Os caminhos para a literatura precisam ser abertos e os caminhos para o cinema já estão abertos.;<br /><br /><strong>Iniciação</strong><br />O fenômeno Harry Potter é um caso curioso nesse cenário de trânsito entre o cinema e a literatura. A história serviu de iniciação ao hábito de ler para uma geração de pequenos leitores que hoje fazem fila na porta dos cinemas a cada transposição para as telas. O estudante Felipe Nobre, 22, acaba de passar no vestibular para biblioteconomia. Não escolheu o curso por acaso. Graças ao bruxo inglês, Felipe descobriu a leitura. ;Eu não gostava de ler, mas os livros do Harry Potter me fizeram gostar. Hoje eu tenho um respeito pelos livros e até gostaria de escrever;, conta o rapaz, que leu o primeiro volume de O senhor dos anéis depois de se encantar com o filme. A advogada Denise Garcia, 24, passou pelo mesmo processo. Leu os seis volumes em três meses e não perde os longas. Não gostou dos quatro primeiros e aprovou os dois últimos. ;Ver o filme depois de ler é interessante para personificar o personagem, conferir se o diretor imaginou a mesma coisa que você;, diz. O movimento contrário, no entanto, é mais difícil. Denise assistiu Anjos e demônios e gostou muito. Já o livro não desceu muito bem. ;Não gostei do estilo de escrita.;<br /><br />[SAIBAMAIS]A escrita e o estilo são matérias primas nas mãos da atriz Beth Goulart para interpretar Clarice Lispector. ;Você que me lê, que me ajude a nascer;, dizia a autora de A hora da estrela, único livro de Clarice que já passou pelas mãos dos namorados Ana Paula Sousa, 25, e Marcelo Rocha, 24. O casal de economistas leu o livro na escola e nunca esqueceu a história de Macabéia, por isso decidiu conferir a peça. ;Foi o melhor livro que li e achei que, por isso, a peça poderia ser interessante!&rdquo;, diz Rocha. Mas a admiração não leva necessariamente à livraria. Fã do escritor russo Fiódor Dostoiévsky, ele também assistiu à montagem de Os demônios, mas a adaptação do diretor Antônio Abujamra não o conduziu ao livro. Já Ana Paula leu Estação Carandiru, de Dráuzio Varella, depois de assistir ao filme de Hector Babenco. ;O livro aprofunda. Gostei do filme, mas quis ler para aprofundar o tema.;</p><p class="texto"> <strong>Veja entrevista em vídeo com a atriz Beth Goulart </strong></p><p class="texto"><object width=435 height=346><param name=;movie; value=;http://www.dzai.com.br/static/ps9.swf;></param><param name=;allowFullScreen; value=;true;></param><param name=;allowscriptaccess; value=;always;></param><param name=;flashvars; value=;video_id=556b6a151a44a8e03b83e9cec1bcfb6b=http://www.dzai.com.br/static/user/33/33624/5cdc6d758a1706780125808d48a0d93e_preview.jpg=false=true; /><embed src=;http://www.dzai.com.br/static/ps9.swf; type=;application/x-shockwave-flash; allowscriptaccess=;always; allowfullscreen=;true; width=;435; height=;346; flashvars=;video_id=556b6a151a44a8e03b83e9cec1bcfb6b=http://www.dzai.com.br/static/user/33/33624/5cdc6d758a1706780125808d48a0d93e_preview.jpg=false=true;></embed></object> </p><p class="texto"> </p><p class="texto"><span style="font-weight: bold">; Leia trechos</span><br /><br /><span style="font-weight: bold">Budapeste, de Chico Buarque </span><br />"Devia ser proibido. Devia ser proibido debochar de quem se aventura em língua estrangeira. Certa manhã, ao deixar o metrô por engano numa estação azul igual à dela, com um nome semelhante à estação da casa dela, telefonei da rua e disse: aí estou chegando quase. Desconfiei na mesma hora que tinha falado besteira, porque a professora me pediu para repetir a sentença. Aí estou chegando quase; havia provavelmente algum problema com a palavra quase. Só que, em vez de apontar o erro, ela me fez repeti-lo, repeti-lo, repeti-lo, depois caiu numa gargalhada que me levou a bater o fone. Ao me ver à sua porta teve novo acesso, e quanto mais prendia o riso na boca, mais se sacudia de rir com o corpo inteiro. Disse enfim ter entendido que eu chegaria pouco a pouco, primeiro o nariz, depois uma orelha, depois um joelho, e a piada nem tinha essa graça toda.<br />Tanto é verdade que em seguida Kriska ficou meio triste e, sem saber pedir desculpas, roçou com a ponta dos dedos meus lábios trêmulos. Hoje porém posso dizer que falo o húngaro com perfeição, ou quase. Quando de noite começo a murmurar sozinho, a suspeita de um ligeiríssimo sotaque aqui e ali muito me aflige. Nos ambientes que frequento, onde discorro em voz alta sobre temas nacionais, emprego verbos raros e corrijo pessoas cultas, um súbito acento estranho seria desastroso. Para tirar a cisma, só posso recorrer a Kriska, que tampouco é muito confiável; a fim de me segurar ali comendo em sua mão, somo talvez deseje, sempre me negará a última migalha."<br /> <br /><span style="font-weight: bold">Harry Potter e o enigma do príncipe, de J. K. Rowling </span><br />"Era quase meia-noite e Primeiro-Ministro estava sentado sozinho em seu gabinete, lendo um longo memorando que resvalava pelo seu cérebro sem deixar o menor registro. Aguardava um telefonema do presidente de um país longínquo e, entra a preocupação se o infeliz iria telefonar e a tentativa de reprimir lembranças do que for a uma semana difícil, longa e cansativa, não sobrava muito espaço em sua mente. Quanto mais tentava focalizar as palavras na página diante dele, tanto mais claramente via o rosto triunfante de um dos seus adversários políticos. O homem aparecera no telejornal daquele dia não somente para enumerar os terríveis acontecimentos da semana anterior (como se alguém precisasse de lembretes) como também para explicar que a culpa de cada um deles e de todos, sem exceção, cabia ao governo.<br />O pulso do Primeiro-Ministro acelerou só de pensar nessas acusações, porque não eram justas nem verdadeiras. Como é que o seu governo poderia ter impedido aquela ponte de ruir? Era um absurdo insinuarem que não estava gastando o suficiente na conservação de pontes. Essa tinha menos de dez anos, e os maiores especialistas não sabiam explicar por que rachara exatamente ao meio, projetando dezenas de carros nas profundezas do rio. E como ousavam sugerir que aqueles dois homicídios bárbaros divulgados com estardalhaço eram consequência da falta de policiamento? Ou que o governo deveria ter previsto o furacão inesperado que ocorrera no oeste do país e causara tantos prejuízos a pessoas e propriedades? E seria culpa sua que um dos ministros do segundo escalão, Herberto Chorley, tivesse escolhido logo esta semana para agir tão bizarramente que agora iria passar um bom tempo em casa?"<br /> <br /><span style="font-weight: bold">Anjos e demônios, Dan Brown </span><br />"O físico Leonardo Vetra sentiu cheiro de carne queimada e sabia que era a sua. Levantou os olhos, aterrorizado, para a figura sombria que o dominava.<br />- O que você quer?<br />- La chiave ; respondeu a voz rascante. ; A senha.<br />- Mas eu não;<br />O intruso curvou-se de novo para a frente, pressionando com mais força o objeto em brasa no peito de Vetra. Ouviu-se um chiado de carne grelhando.<br />Vetra gritou alto, agoniado.<br />- Não existe senha nenhuma! ; E sentiu que mergulhava na inconsciência.<br />O rosto do homem encheu-se de uma fúria contida.<br />- Ne avevo paura. Era o que eu temia.<br />Vetra esforçou-se para manter os sentidos, mas a escuridão envolvia-o pouco a pouco. Seu único consolo era saber que o agressor jamais obteria o que viera buscar. Um momento mais tarde, porém, o homem fez aparecer uma lâmina e ergueu-a diante do rosto de Vetra. A lâmina adejou no ar. Precisa. Cirúrgica.<br />- Pelo amor de Deus! ; gritou Vetra.<br />Mas era tarde demais.<br />.<br />***<br />.<br />Do alto da pirâmide de Gizé, a jovem riu e voltou-se para ele, lá embaixo, chamando-o.<br />- Ande, Robert! Devia ter me casado com um homem mais moço! ; O sorriso dela era mágico.<br />Ele tentou acompanhá-la, mas suas pernas pesavam como se fossem feitas de pedra.<br />- Espere ; pediu. ; Por favor;<br />Enquanto subia, sua vista começou a turvar-se. Seus ouvidos latejavam. Preciso alcançá-la! Mas, quando olhou de novo para cima, a mulher desaparecera. Em seu lugar havia um velho de dentes estragados. O homem encarou-o, os lábios torcendo-se em uma careta melancólica. E ele deixou escapar um grito de angústia que ressoou pelo deserto.<br />Robert Langdon acordou sobressaltado do pesadelo. O telefone ao lado de sua cama estava tocando. Tonto, levou-o ao ouvido.<br />- Alô?<br />- Gostaria de falar com Robert Langdon ; disse uma voz masculina.<br />Langdon sentou-se na cama e tentou clarear sua mente.<br />- Aqui; é Robert Langdon ; e apertou os olhos para o mostrador do relógio digital. Eram 5h18 da madrugada.<br />- Preciso encontrá-lo imediatamente.<br />- Quem está falando?<br />- Meu nome é Maximilian Kohler. Sou um físico de Partículas Discretas.<br />- Um o quê? ; Langdon mal conseguia se concentrar. ; Tem certeza de que procurou o Langdon certo?<br />- O senhor é professor de Simbologia Religiosa na Universidade de Harvard. Escreveu três livros sobre simbologia e;<br />- Sabe que horas são?<br />- Peço desculpas. Há uma coisa que precisa ver. Não posso explicar pelo telefone.<br />Um resmungo conformado escapou dos lábios de Langdon. Aquilo já acontecera antes. Um dos perigos de se escrever livros sobre simbologia religiosa era o chamado de fanáticos querendo que ele confirmasse o último sinal que haviam recebido de Deus. No mês anterior, uma stripper de Oklahoma prometera a Langdon a melhor sessão de sexo de sua vida se ele pegasse um avião até a cidade dela para verificar a autenticidade de uma figura cruciforme que aparecera magicamente nos lençóis de sua cama. O sudário de Tulsa, como Langdon a chamara.<br />- Como conseguiu o número do meu telefone? ; Langdon tentou ser amável, apesar da hora.<br />- Na Internet. No site do seu livro.<br />Langdon franziu a testa. Tinha certeza de que o número do telefone de sua casa não constava do site de seu livro. O homem obviamente estava mentindo.<br />- Preciso vê-lo ; a voz do outro lado insistiu. ; Vou pagar bem.<br />Agora Langdon estava ficando furioso.<br />- Sinto muito, mas eu;<br />- Se sair agora, pode estar aqui por volta de;<br />- Não vou a lugar nenhum! São cinco horas da manhã!<br />Langdon desligou e caiu de volta na cama. Fechou os olhos e tentou adormecer novamente. Não adiantou. O sonho estava entranhado em sua mente. Relutante, vestiu um roupão e desceu.<br />Robert Langdon perambulou descalço por sua casa deserta, uma construção vitoriana em Massachusetts, segurando seu remédio habitual contra a insônia: uma caneca de chocolate instantâneo fumegante. O luar de abril filtrava-se pelas janelas da sacada e formava desenhos nos tapetes orientais. Os colegas de Langdon sempre brincavam que o lugar parecia mais um museu de antropologia do que uma casa. As prateleiras estavam cheias de artefatos religiosos de todo o mundo ; um akuaba de Gana, uma cruz dourada da Espanha, um ídolo cicladense do Egeu e um ainda mais raro boccus de Bornéu, o símbolo da perpétua juventude de um jovem guerreiro.<br />Sentado em uma arca de latão maharishi e saboreando o chocolate quente, deu com o seu reflexo nas vidraças das janelas. A imagem estava distorcida e pálida; como a de um fantasma. Um fantasma envelhecido, pensou, sendo cruelmente lembrado de que o seu espírito da mocidade vivia dentro de um invólucro mortal.<br />Apesar de não ser propriamente bonito no sentido clássico, Langdon, com seus quarenta e cinco anos, possuía o que as colegas do sexo feminino classificavam de um encanto "erudito" ; mechas grisalhas misturadas ao espesso cabelo castanho, perspicazes olhos azuis, uma voz grave atraente e o sorriso forte e despreocupado de um atleta universitário. Membro da equipe de mergulho da faculdade, Langdon ainda tinha um corpo de nadador, um metro e oitenta de boa forma, que ele mantinha cuidadosamente com 2.500 metros diários de exercício na piscina da universidade.<br />Seus amigos sempre o viram como uma espécie de enigma ; um homem que pertencia a séculos diferentes. Nos fins de semana, viam-no andando pelo pátio da universidade vestido de jeans e conversando sobre computação gráfica e história religiosa com os alunos; outras vezes, aparecia com seu paletó de tweed e colete paisley nas páginas de importantes revistas de arte em aberturas de exposições de museus para as quais era convidado a dar palestras."</p>