Ricardo Daehn
postado em 28/07/2009 08:00
Os moldes podem até ter mudado, sem a idolatria exagerada a filmes do passado, por exemplo, mas o certo é que o cineclubismo ; movido a sessões de cinema que acalentem debates ; segue firme na capital. ;Às vezes, nem usamos a nomenclatura. Preferimos falar de projeto de formação de público. Mas, a verdade é que Brasília teve o privilégio, em 2003, durante o Festival de Cinema, de levantar discussões sobre a retomada do cineclubismo, até como sintoma do interesse dos espectadores mesmo;, comenta a produtora cultural Ana Arruda, há oito anos dedicada à sensibilização de plateias.O potencial do projeto que ela comanda, no Teatro dos Bancários (314 / 315 Sul), se prova em números e fatos. São 150 pessoas, por sessão, a cada segunda-feira, à noite. Em dois anos, já foram 10mil participantes. ;Não foi fácil, mas é bacana ser exemplo, pela programação regular, até para estimular outras pessoas à prática. Não quisemos fazer um circuito só com filme-cabeça e clássicos. Mesclamos com títulos atuais, com linguagem mais ampla e acessível. Somos criteriosos, atendendo às indicações do público;, explica Ana Arruda.
Caprichosos, os espectadores geraram demandas como a exibição, em pré-estreia, do cultuado Serras da desordem e acesso a filmes como O mistério do samba (em sessão simultânea à do circuito comercial) e Nome próprio (isso, um dia após ser premiado no Festival de Gramado). O Cineclube Bancário converteu ao menos 20 frequentadores regulares que ;se justificam;, quando faltam. ;Junto com os cativos, há mescla de bancários aposentados, jovens, estudantes, ;vizinhos; da Asa Sul e um público flutuante, que aparece por causa da temática do filme;, conta Ana Arruda.
Acompanhar a motivação de cinéfilos, tais quais ela, tem sido recorrente na pesquisa de graduação em pedagogia (UnB) da brasiliense Simone Borges, 31 anos. Atuante em oficinas, movimentos sociais e em educação, por meio do audiovisual, ela trabalhou por quase dois anos com cineclube. ;Dependendo do conteúdo, sempre as pessoas da comunidade frequentam. Na Ceilândia, quando havia exibição ligada ao culto do mangá, a integração era completa: vinha gente do Plano Piloto, do Gama e de Taguatinga;. Atualmente morando na Asa Norte, ela pretende reativar o cineclube Força de Cultura.
Estímulo
Longe da nostalgia, Wellington Polonia (o Tomate) ; que já mobilizou, por oito meses, cerca de 130 pessoas a cada edição cineclubista do Forno de Cultura (na Casa do Cantador), até o início do ano passado ; é outro que insufla reflexões seguidas à projeção de filmes. Alinhado ao projeto Casa Brasil, do Decanato de Extensão da Ceilândia (UnB), ele tem arregimentado pré-vestibulandos para a retomada das engajadas sessões de cinema, a partir do próximo mês. ;Temos apostilas, projetores e câmera à disposição;, observa o coordenador do núcleo multimídia do Casa Brasil.
Nem só de clássicos como Laranja mecânica e Deus e o Diabo na Terra do Sol se estabelecerá o novo ponto cultural, que se pretende quinzenal, nas tardes de sexta-feira, para gerar a adesão de grupos escolares. As conversas serão em torno de curtas-metragens produzidos na cidade e de longas com o selo de garantia da direção de Vladimir Carvalho. ;Não gosto de cinema comercial. Não só pela falta de qualidade das produções, mas também pelo valor cobrado pelos ingressos, vou apenas de dois em dois meses;, conta o designer gráfico Francisco Júnior, entusiasta do futuro cineclube.
Aos 26 anos, Cebola (como Francisco é mais conhecido) foi a todas as edições e acompanhou palestras anteriores, organizadas por Wellington. Amante de documentários e ficções baseadas em casos reais, ele se empolga não só pelas conversas, mas especialmente pelo conflito de opiniões. ;Não chegaria a algumas das questões, se não fosse pelo trabalho do coletivo. Vimos filmes como Basquiat e The corporation, que ampliam horizontes, sim. Gosto da relação direta com informações e de conhecer pessoas que se interessem pelos mesmos temas. Principalmente em regiões periféricas, é bom integrar ações que deixem o gosto pessoal mais apurado;, conclui o cinéfilo que é formado no ensino médio da Ceilândia.
; Para todas as salas
Escolas, bares, qualquer lugar serve para exibição e discussão de temas relacionados aos filmes em cartaz
Digno de ser incorporado como hilária cena de roteiro, o fato ocorreu no Centro Educacional 2 de Brazlândia: inconformado com a política imperialista de George W. Bush, um espectador solitário, xingava, em disparada, a projeção do documentário Uma verdade inconveniente. Ao lado dele, o coordenador do cineclube Escola Aberta, Nivaldo Carvalho, escolado em projetos sociais, acompanhava o poder de influência do conteúdo que ele ajuda a inflamar. ;Aqui, a gente nem ;passa; coisas exibidas na tevê, como os filmes do Van Damme. Mostramos filmes que não são comuns. Temos até títulos indianos;, conta, à frente das sessões que integram a comunidade a ações de professores. Com público volátil, o Escola Aberta já mobilizou até 80 pessoas.
A demanda para a criação do cineclube foi espontânea. ;Como falta muita coisa aqui, percebemos que era o momento de fazer;, conta Nivaldo. Como emprestava, com boa frequência, filmes para os professores, ele começou a receber pedidos dos alunos. Por não saber se as fitas voltariam, os pedidos eram negados. Hoje, porém, a realidade é outra: quando se entra na sala do cineclube montado na escola, o clima é outro, garante. ;Você entra nela e é um cinema. Usamos equipamentos da escola, como um projetor, um aparelho de DVD e uma caixa de som. A sala foi pintada, repusemos vidros e instalamos até ar condicionado;, conta, com uma ponta de orgulho.
Desapegado da centena de DVDs da coleção particular dele, usada na dinâmica do local, Nivaldo, que tem o ensino médio completo, ajudou a mudar perspectivas como as de Iolanda Moreira. Integrada ao Núcleo de Dança de Roda, ela propôs uma parceria com o cineclube. ;As crianças e idosos que dançam vão entender, por meio de filmes, a origem dos movimentos, saber de onde vêm ritmos;, comemora. O espírito comunitário alcançado pelo cineclube Escola Aberta, em agosto, completará dois anos. No cardápio do aprendizado dos cineclubistas figuram trabalhos sobre a Segunda Guerra (a partir da produção germânica A queda! As últimas horas de Hitler) e um debate com ONG ligada ao meio ambiente, causado pela apresentação de Uma verdade inconveniente.
O fantasma da ilegalidade que ronda muitas das atividades cineclubistas, pela questão da falta de pagamento de direitos autorais dos títulos exibidos, parece estar se afastando do ponto de discussões, instalado no centro de Brazlândia. Estimulado pelo Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros, o Escola Aberta tomou parte de projeto de aperfeiçoamento dos cineclubes promovido pelo Ministério da Cultura. Além da pretendida itinerância ; a ser alcançada, com materiais como projetor e filmadora ;, a doação de um lote de 300 filmes nacionais deverá garantir independência do agitador cineclubista.
; Programe-se
Cine Balaio (Balaio Café, 201 Norte)
Inicialmente cética quanto à demanda do cineclube, Juliana de Andrade apostou nos desejos e sonhos ;e o público respondeu de forma superpositiva;. Manter viva ;e ao alcance de todos; a perspectiva do culto a filmes despertou, há dois anos, a iniciativa. ;Brasília é uma cidade apaixonada mesmo por cinema;, comenta. Além de exibições temáticas, às sextas e aos sábados (às 19h), às quintas-feiras, documentários musicais ilustram sessões de jazz.
Cine Roots (Bar Raízes, 110 Norte)
O pernambucano Pablo Feitosa, há um ano, apostou no projeto quinzenal, às sextas. Zelando pela temática, aposta num ;cinema consciente, democrático e gratuito;. Cerca de 20 pessoas atendem, com regularidade, à convocação. Jovens estudantes de comunicação e pessoas com até 40 anos (;e estabilidade funcional;) fazem parte do seleto público.
Cineclube Radicais (Biblioteca Pública de São Sebastião)
Coordenador de audiovisual da ONG cultural Radicais Livres, Nilmar Paulo aposta no ;fortalecimento da mente de adolescentes para pensarem por si próprios;. Mensal, a programação depende das datas de atividades paralelas empreendidas pela ONG.
Cabíria Cine-Café (413 Norte)
Programadora do cineclube, Renata Agostinho abriga, às quartas (20h), sessões da organização do curso de cinema do Museu da República. A realizadora Lígia Benevides, há mais de ano envolvida com cineclubismo, trará, a partir desta semana, 120 médias e curtas nacionais para reforçar a dose audiovisual.