postado em 29/07/2009 08:10
Como as pedras naquele velho poema de Carlos Drummond de Andrade, as palavras sempre estiveram no caminho da artista carioca-brasiliense Gisele Lemper. Desde os 11 anos de idade. "Gosto de contar histórias como quem escreve cartas aos amigos quando sente saudades", enfatiza a artista, que lança hoje, às 19h30, na Livraria Cultura (CasaPark), o livro Tempo de poesia. Com esse, já são quatro títulos publicados pela autora. "Todos são meus filhos, cada um com história para contar", brinca.
O gosto pela literatura foi aprimorado na banca de revistas de um tio italiano ainda no Rio de Janeiro. Lá, lia de tudo: gibi, fotonovelas, romances e leituras alternativas, como o Pasquim e a revista Planeta, esta última com temáticas esotérica e científica. "Sempre fui autodidata. Tenho fascínio por descobrir novidades, essa coisa de gostar de aprender", explica Gisele, também atriz e uma apaixonada pelo cinema. "Sonhava em ser uma grande estrela", revela.
A curiosidade foi companheira inseparável nos dias de tristeza e solidão nos primeiros anos da década de 1960, no desolado Plano Piloto. "Fui uma das pioneiras", recorda. "No começo, senti muito por ter deixado o Rio. Aqui, não tinha mar, era um grande deserto vermelho. Mas logo percebi que, como disse Lucio Costa, o mar de Brasília é esse lindo céu. Mais tarde, a beleza dessa cidade se tornaria tema recorrente na minha poesia", destaca a poeta, que ainda carrega leve sotaque carioca.
Para aplacar a solidão, Gisele descobriu, aos poucos, novos redutos da palavra na cidade de JK, como uma banca de revista na 108 Sul (também um dos primeiros sebos da cidade) e a Biblioteca Demonstrativa, na W3 Sul. De natureza extrovertida e inquieta, ela não demorou muito para se entrosar com os seminais grupos de teatros da cidade, pertencentes ao primeiro movimento de arte de Brasília. Entre eles, o coletivo Mensagem, comandado por Amaury Canuto, e Juventude de Arte, dirigido Álvaro Heleno. "Os encontros eram realizados em auditórios das escolas ou em salas de aula", lembra. "Foi a convivência com o teatro que me salvou", admite a artista, que viveu grandes momentos nos palcos de Brasília.
O mais marcante deles, em 1980, inaugurou o Teatro Dulcina. Gisele teve a oportunidade de contracenar com Bibi Ferreira, uma das divas dos palcos brasileiros, numa montagem de Gota%u2019água, de Chico Buarque. "Dulcina estava à procura de grande espetáculo para inaugurar o teatro. Como ela e a Bibi eram grandes amigas, o encontro foi perfeito", conta. "Um elenco de apoio e bailarinos locais foram recrutados para fazer parte da apresentação. Rodamos o Brasil durante um ano", detalha.
Mãe da atriz e diretora brasiliense Luciana Martuchelli, de quem se considera uma grande aliada, Gisele Lemper, hoje, se diz uma recolhida, dedicando o tempo à leitura e à pesquisa. Trabalha intuitivamente em novas poesias, reunindo material que, segundo ela, daria para preencher outros dois livros. "Minha poesia não tem forma definida. Tenho um trabalho árduo com as palavras e um amor muito grande também", observa. "O importante para mim é que as pessoas possam ter algum tipo de afinidade, identificação com o que escrevo. Gosto de contar histórias."
TEMPO DE POESIA
De Gisele Lemper. Editora Thesaurus. 64 páginas, R$ 20. Lançamento, hoje, às 19h30, na Livraria Cultura (CasaPark).
Trecho - poema
Antiga
"Faço uma janela para minha palavra
se é chegado o momento de dar o recado.
Uma janela aberta no tempo cria uma outra
realidade, outra linguagem com que te falar.
Sempre que faltou energia elétrica, eu escrevi
à luz de velas ou lamparinas, sempre escrevi
à mão, poemas e cartas, artesanato nas noites
sossegadas"