Diversão e Arte

Puxados pela série Crepúsculo, vampiros invadem as livrarias, os cinemas e até os teatros

Ricardo Daehn
postado em 31/07/2009 08:00

A fixação num mesmo livro, capaz de ser lido até quatro vezes, como fez a estudante Lyssa Brandão com o recém-comprado Amanhecer, dá a medida da febre. Aos 15 anos, Lyssa se prende não só ao sobrenatural impresso na escrita de Stephenie Meyer, capaz de arrebanhar 55 milhões de compradores para os quatro livros da ciranda amorosa com vampiros e lobisomens. A atenção da brasiliense ainda se multiplica nos ingressos de cinema, com as adaptações que cobrirão todos os livros da série iniciada com Crepúsculo. ;Espero bastante o filme Lua nova (o segundo da tetralogia). Gostei do livro, já que a Bella (a mocinha do livro) está mais segura e sabe bem o que sente em relação ao Edward (o vampiro). Como ele some na trama, a gente fica na expectativa da volta;, explica a estudante do 1; ano do ensino médio do Maristão.

Imersa, por indicação de amigas, nos produtos de Crepúsculo (que acumulou 1,8 milhão de espectadores no primeiro filme), Lyssa, diante da ansiedade, leu até centenas de páginas pela internet, com apoio na tradução feita por colegas da rede. O monopólio do universo de Stephenie Meyer no imaginário da estudante rouba a jovem de outro intravenoso prazer audiovisual: a série True blood, que alcança a segunda temporada no canal a cabo HBO.

Visto por estimados cinco milhões de norte-americanos, o primeiro episódio da atração deixa correr o sumo do sucesso: cenas sensuais se mesclam ao previsível escorrer de sangue. À frente das conquistas, que este ano renderam Globo de Ouro à atriz Anna Paquin e indicação ao prêmio de melhor série (referentes à primeira temporada), estão os textos de Charlaine Harris, que acaba de ter Vampiros em Dallas publicado no Brasil.

Aliada em potencial do público jovem, a comédia Matadores de vampiras lésbicas, de Phil Claydon, é outra atração no circuito funesto, com trailer (dublado por João Gordo) em exibição nos cinemas. Com estreia marcada para 30 de outubro, a fita acompanha a frustrada tentativa de espairecer do desempregado Fletch e de Jimmy, que acabou de perder a namorada: no meio de um passeio, ambos deparam-se com uma legião de mulheres atingidas por uma tal ;Maldição das Vampiras Lésbicas;.

Completando o cenário lúgubre, mas distanciado do sangue, a peça Educação sentimental do vampiro ; vista por 80 mil pessoas ; estreia na capital, atestada pela assinatura do diretor, Felipe Hirsch, em conluio com as criações literárias de Dalton Trevisan, conhecido como O vampiro de Curitiba. Apegada às experiências ;sensoriais;, a Sutil Companhia de Teatro, que Hirsch comanda, apostou na inspiração dada pelos artistas plásticos da corrente expressionista alemã, norteada pelo uso de preto e branco. O vampiro da peça (repleta de personagens marginalizados) parece atuar nos bastidores, pelo que conta o diretor: ;Há, cada vez mais, exigência para os atores. Temos tirado coisas, secando o apoio visual. O espetáculo ganhou um poder sobre os atores;.

Felipe Hirsch, que sugou as ideias do enclausurado Trevisan ; ;uma pessoa absolutamente normal, por incrível que pareça;, diz, em relação ao único contato com o escritor ;, parece, igualmente, não poupar o público. ;Nunca fiz um trabalho easy listening: foi sempre punk rock ou música clássica. Infelizmente, para os interlocutores, precisamos deles também: não deixamos que eles não trabalhem;, diverte-se. O espetáculo, recomendado para maiores de 18 anos, por sinal, só traz, na ótica de Hirsch, essa ressalva: ;Eu não sairia traumatizado, se visse aos 16. Ou, então, seria um bom trauma;.

; Com sangue nos olhos

Peças, filmes e livros entram no universo vampiresco. Porém, cada um com sua peculiaridade

Entre as 3h da manhã e as 7h, o diretor Felipe Hirsch já teve muitas e más experiências ao ser acordado. Mas, hoje em dia, ele consegue desligar o celular e dormir tranquilo. Esquece por algumas horas o comando do espetáculo Educação sentimental do vampiro (Teatro da Caixa), as atribulações da finalização do longa-metragem Insolação (filmado na capital) (1), e as apresentações coordenadas por ele do monólogo Viver sem tempos mortos (com Fernanda Montenegro).

;Já usando o conceito de sangue, digo que Educação sentimental do vampiro traz muito de Curitiba na veia. É uma peça em que sinto que fomos muito diretos nas origens da Sutil Companhia de Teatro. Tem características especiais para quem se acostumou à nossa linguagem, com uso da memória. Pesa também a pesquisa profunda do expressionismo, com as influências do maior ilustrador do escritor Dalton Trevisan, conhecido como Poty, que absorveu referências dos expressionistas representados pelo grupo Die Brücke. Não falo apenas de imagens ligadas ao cinema alemão, mas de artistas como (Ernest Ludwig) Kichner e Otto Dix;, explica o diretor.

Recebida com polêmica e prestigiada por 80 mil paulistanos, a peça adapta não apenas 18 contos do sempre recluso Trevisan, mas embarca num comprometimento narrativo proposto pelo criador. ;Trouxemos para o palco o estilo e a maneira de ele escrever. O narrador em cena reafirma a manipulação de tempo e espaço, herdada do teatro da memória. É muito mais fácil, por exemplo, pra gente imaginar uma Rússia distante do que escrever sobre a nossa esquina. O Dalton está tão próximo de nós que não existem falsificações;, conta Hirsch. Uma representação ;intensa; baliza a peça, crivada de tom sombrio. Apesar do título, o espetáculo não adentra o universo das capas longas e dos caninos à mostra. ;Não iludo: nosso vampiro é muito mais vivo, é de rodoviária e de praça, menos estilizado do que outros. Ele olha a vida de forma crua, sem o glamour do vampiro mítico. É humano, recorrendo a sexo e paixão que permeiam o jogo de poder entre classes;, avalia.

[SAIBAMAIS]Ainda que ;ame; histórias de vampiro, o encenador ; recém-chegado de Dublin (Irlanda) e que considera Sheridan Le Fanu, autor de contos góticos, ;um dos grandes; ;, em Educação sentimental do vampiro, aposta em tipos como o insaciável Nelsinho (de O vampiro de Curitiba), interpretado por Guilherme Weber, e ;um personagem lindo;, que se exila num cinema para passar a noite de réveillon, feito por Duda Mamberti. Sendo o amor, progressivamente, ;o tema mais possível;, Hirsch se alimenta também de textos de desilusão, como a que envolveu o trio Oscar Wilde, uma moça e Bram Stocker (autor de Drácula).

;Os personagens do Dalton pertencem a uma classe social que não finjo frequentar. Encostam em mundos como os de Charles Bukowski e John Fante. Infelizmente, você convive o tempo todo com a miséria, até intelectual. Há uma parte de pessoas jogadas à margem da sociedade. Nosso Brasil é um país de riquezas e misérias profundas. A verdade é que nos ambientes mais miseráveis encontramos muitas das maiores riquezas. O Dalton tem essa capacidade de observação para uma cidade estranha que só pode ser avaliada por quem vive lá. Nota-se o quão dark e fria ela pode ser;, aponta Felipe Hirsch.

Exigente com o potencial do público, o diretor deposita confiança na plateia do teatro. ;Você sempre propõe a possibilidade de ela ir além. Pessoas investigam com os próprios olhos e com a alma uma obra de arte, e isso causa desconforto;, avalia.


1 - A estreia cinematográfica de Felipe Hirsch, Insolação, será exibida na mostra Horizontes da 66; edição do Festival de Veneza. O filme, rodado em Brasília e codirigido por Daniela Thomas, participa da seleção paralela ao lado de outro longa brasileiro: Viajo porque preciso, volto porque te amo, de Karim A;nouz e Marcelo Gomes. A lista dos concorrentes foi divulgada ontem. O evento ocorre entre 2 e 12 de setembro.




; Personagens na vida dos fãs

Com 1,8 milhão de ingressos de cinema vendidos, numa conta que ainda incorpora a comercialização de 600 mil exemplares de livro, Crepúsculo (que marcou o início da série de quatro publicações assinadas por Stephenie Meyer) demonstra o potencial do tema, isso com números apenas relacionados ao Brasil. Se mundo afora são mais de 55 milhões de livros vendidos, o reflexo da franquia está nos cinemas: como esperado, a trama que movimenta vampiros e embala uma forte história de amor rendeu o segundo longa-metragem, Lua nova, marcado para estrear em 20 de novembro.

;A expansão foi muito maior, a partir do sucesso do filme. Infelizmente, o brasileiro não tem o hábito da leitura;, observa Elídia Zotelli, uma das fundadoras do fã-clube Twilight Universe, pioneiro na organização de eventos com aficionados. De São Paulo, ela alimenta a troca de informações com cerca de 200 entidades nacionais que cultuam os desdobramentos dos namoricos entre o vampiresco Edward Cullen, a mortal Isabella Swan (dona de sucessivas visões, no livro) e Jacob Black, um jovem com um quê de lobisomem.

;A maior expectativa dos fãs, com o Lua nova, é ver a alcateia se revelar nas telas;, comenta a admiradora, que mantém canal aberto (via blog), com ;feedback bem legal; da empresa produtora dos longas, a Summit Entertainment. Entre as informações confirmadas está um registro ;mais quente, com tons alaranjados;, em contraste com o império do azul visto em Crepúsculo. Com a terceira produção engatada (Eclipse) recentemente, a companhia anunciou o início das filmagens para agosto, no Canadá, já com o reforço da atriz Bryce Dallas Howard (de Homem-Aranha 3), na pele da vampira Victoria.

Um tanto decepcionada com o livro Lua nova, a brasiliense Carolina Zajas, 14 anos e estudante do Maristão, reforça a roda de leitura corriqueira entre as colegas de turma. O motivo para a relativa desilusão é o sumiço temporário do galã com ares de vilão, Edward. ;Sem ele, as coisas ficaram meio tristes;, explica. ;O Edward é insubstituível, mas o Jacob não deixa de ser o melhor amigo que qualquer menina gostaria de ter;, completa Lyssa Brandão, 15 anos, amiga de Carolina. Do aprendizado com a leitura, Lyssa destaca a ;a visão diferente; no hábito de se julgar as pessoas: ;A gente tem muito para conhecer delas, antes de ter uma opinião certa;.

Lissa e Carolina: amigas preocupadas com o futuro do personagem Edward

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