Diversão e Arte

Viúva do Mestre Zezito, Neide de Nazaré dá vida à palhaça Canela

postado em 02/08/2009 11:19
Agora é hora da filha Rita de Cássia virar a palhaça Cheguei: esteio de Neide de NazaréO que não faz uma peruca da cor de chocolate, um batom vermelho-berrante e um modelito estampado na vida de uma mulher? No caso de Neide de Nazaré, os apetrechos promovem uma mágica. Mandam pro espaço a timidez e as mazelas da vida. Em minutos, diante do espelho, ela surge imperiosa com uma gargalhada que rasga o ar. ; Tá na hora de teretetê. Peguem as pernas de pau, os malabares, o monociclo;. A meninada fica afoita quando ouve o riso de siriema, o chamado da palhaça Canela. É um corre-corre doido lá na casa do Jardim América 3, em Águas Lindas de Goiás. Em minutos, os meninos e meninas de meio metro viram gigantes. ; E a canela é grossa porque se não quebra, gargalha a cearense de Fortaleza. Daí para a caravana atravessar o portão de entrada é um piscar de olhos. Na terra batida de barro vermelho, esquecida pelo poder público, avança o cortejo das crianças-girafas. À frente, Rita de Cássia, filha de Neide, ziguezagueia no monociclo. Do lado, Canela pula e canta: ; E vai o sol e vem a lua; ; Olha, o palhaço no meio da rua, responde em coro a molecada. A pequena Stefanie, de 4 anos, abre o portão de casa para ver a folia. Por uns minutos, deixa de lado o companheiro de brincadeiras, o cão Beethoven. ; É o circo, mamãe, vem ver; É mesmo um milagre. Num lugar, onde ainda nem habitam condições dignas de vida humana, a arte do circo resiste há tudo. Até o que parecia mais improvável, o desaparecimento do maior brincante, o Mestre Zezito, marido de Neide de Nazaré e padrinho de Canela. Desde de maio de 2006, quando o palhaço morreu, Neide e as três filhas engoliram o choro e foram para debaixo da lona labutar para fazer do riso do outro o ganha-pão de casa. ; Ele foi enterrado numa quinta e, na sexta, tinha apresentação. Pensei que não daria conta. Mas ele tinha me pedido para não deixar de cumprir com os compromissos. Só não fiz os bonecos, porque nunca tinha colocado a voz masculina, era só uma assistente dele. Mas de resto, cumpri tudo. Ao final, quando fui falar dele, desabei, emociona-se Neide. A memória do Mestre Zezito ainda está em carne viva, mas Neide não deixa mais o sangue escorrer. Ela se agarrou ao verbo agir. Levantou a lona, espanou o picadeiro e se superou como artista. Canela é a prova concreta. Antes, a boba tinha se apresentado discretamente, numa festa em que faltou o palhaço. Neide já tinha cutucado o mestre para fazer sua roupa de cômica, mas ele não deu bola. De tanto assistir às aulas de Zezito, ela sabia todos os truques. ; De repente, entrei em cena e comecei a rir de mim mesma (gargalha como uma siriema). Achava graça das bobagens que dizia. Olhava Zezito de canto, e ele estava gargalhando também. Depois, bateu no meu ombro e deu os parabéns. Quando o Mestre Zezito aplaudia, é porque o ;trem; era engraçado. Neide também correu atrás dos bonecos para descobrir as manhas. Virou ás. Quer ver? A reportagem do Correio já se fartava com melancia e Coca-cola, quando uma voz esganiçada invade a cozinha. ; Oxente, tá esfomeado, tá? Quem fala é Juquinha, o boneco preto, que era um sucesso nas mãos do Mestre Zezito. Agora, continua cheio de graça, todo garboso, ao lado de Neide de Nazaré. Hora de teretetê No endereço de Neide de Nazaré, funciona uma escola de brinquedos e circo. Lá, os meninos e meninas de Águas Lindas aprendem truques do picadeiro. Breno está há tempos. Virou monitor. Ele ajuda Neide a ensinar os detalhes aos novatos. Artur nem quer pensar no que faria se não tivesse as tardes ocupadas com esse mundo de invenções. Eles chegam às 14h e, se Neide fizer vontade, ficam até a hora de dormir. Ela exige que todos estejam na escola e fiquem, no mínimo, na média das notas. Como ninguém é bobo, a maioria está com a caderneta azul. Ali, Ponto de Cultura Escola Circo Boneco e Riso, é hoje um centro de ensino sem verba pública. Por trâmite burocrático da prestação de contas no Ministério da Cultura, o dinheiro cessou. A prefeitura de Águas Lindas também não garante ajuda. Não há, por exemplo, merenda para a meninada. Quando Neide tem um troco sobrando, ela sai e providencia o lanche. Em tempos de vagas magras, pede para cada um trazer o seu biscoito de casa. A salvação são as diretoras e professoras das escolas, que sempre dão um jeito de contratar o circo. O que sustenta a vida lá são as apresentações. Neide e as três filhas, Rita de Cássia, Maria de Nazaré e Isabel, ocupam o palco. As meninas viram respectivamente as palhaças Cheguei, Tô Chegando e Vou Chegar. Rita, a mais velha, de 11 anos, é o braço-direito, ou melhor, direito e esquerdo de Neide. A garota que começou a fazer graça com 2 anos e meio agora dá show no monociclo. Anda em ziguezague entre as garafinhas e, depois, apanha uma a uma. Lógico que sem se esborrachar no chão. ; Pena que meu pai não viveu para ver meu número, chora discretamente Rita. Aí vem sabiamente Neide com o espelho, o batom vermelho-berrante, o modelito estampado e a peruca cor de chocolate; Rita recolhe o choro. É hora de teretetê;

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