Diversão e Arte

Filme resgata apresentação histórica da Legião Urbana no Mané Garrincha, em 1988

O tumulto azedou a relação entre Renato Russo e Brasília

postado em 06/08/2009 08:00
Ana Carolina Bussacos, Beatriz Leal e Jania Barbara, diretoras do filmeOs versos de Gimme shelter desenham um cenário apocalíptico. ;Uma tempestade se aproxima e ameaça a minha própria vida;, avisa o narrador da canção, um clássico dos Rolling Stones. Na noite de 18 de junho de 1988, não choveu. O clima em Brasília era de secura e frio. Mas, no Mané Garrincha, a profecia parecia real. No tablado de 28 metros, Renato Russo interpretou um trecho da música de Mick Jagger e Keith Richards, escrita em 1967, como quem anuncia um tempo sombrio. A apreensão já estava no ar. O retorno da Legião Urbana à casa resultou em tumulto e, entre os fãs, frustração. Bateu como um trauma ; para Renato e para Brasília. Depois do desastre, a banda não voltaria a se apresentar na capital.

A história do show-catástrofe (1) é resgatada no média-metragem dirigido por Ana Carolina Bussacos, Jania Bárbara de Sousa e Beatriz Leal, que terá exibição única hoje à noite no Espaço Cultural Anatel. O nome, Dê-me abrigo, traduz o título do sucesso dos Rolling Stones. Também sinaliza para o documentário Gimme shelter, de 1970, sobre o desastroso show dos Stones em Altamont (Califórnia), onde um fã foi assassinado pelos motoqueiros do Hell;s Angels, contratados para fazer a segurança. Apesar das referências pomposas, trata-se de um projeto universitário, com ambições modestas. ;Enfrentamos várias dificuldades técnicas. Não tínhamos noção alguma de captação de áudio. A edição é caseira. Aprendemos quase tudo por conta própria;, afirma Beatriz.

Corre-corre no estádio Mané Garrincha, em 18 de junho de 1988: show-catástrofe marcou a despedida da Legião Urbana dos palcos da cidadeO espírito ;faça você mesmo;, que ditou a produção do filme, poderia parecer uma referência ao punk rock, uma das matrizes sonoras da Legião Urbana. Poderia. As diretoras admitem não ter intimidade com o estilo musical. Curiosamente, não são fãs de Renato Russo. ;Eu só gostava das letras românticas. Faroeste caboclo era longo demais;, critica Ana Carolina. Beatriz nunca comprou CDs do grupo. ;Conhecia as músicas de videokê e rodinhas de violão. As letras são muito bonitas, mas eu não gostava das melodias;, lembra. Depois do período que passaram envolvidas com o tema (o curta começou a ser produzido em março de 2008), os interesses mudaram sensivelmente. ;Não está entre meus favoritos, mas agora tenho algumas músicas em mp3;, afirma Beatriz, que nasceu em São Paulo.

A lenda
Para o trio de diretoras, o show de 1988 era tratado quase como uma ;lenda urbana;. Foram apresentadas ao tema numa aula do curso de jornalismo no Centro Universitário de Brasília (UniCeub). A pesquisa espichou e, 16 entrevistas depois, inspirou o projeto final de curso. A ideia inicial era conversar com fãs que assistiram ao espetáculo. O material ganhou porte com depoimentos de Dado Villa-Lobos, produtores do show, jornalistas, da família de Renato e até do ator Bruce Gomlevsky, que interpreta o compositor na peça Renato Russo. Resultado: um filme de 56 minutos foi apresentado à universidade. As alunas passaram com nota máxima.

[SAIBAMAIS]Os professores, porém, fizeram uma ressalva: o projeto poderia ganhar impacto num formato ainda mais curto. De volta à edição, elas levaram mais um semestre para criar efeitos de animação e reduzir a narrativa a enxutos 36 minutos. ;Na hora de juntar as peças e contar essa história, o mais difícil foi desvendar o que era verdade e o que era mentira;, observa Beatriz. O material de arquivo era escasso. Um fã carioca encontrado numa comunidade do Orkut ajudou as diretoras a encontrar poucas cenas do show. Por não ter direito às imagens (captadas principalmente de programas de tevê), o trio não pretende fazer outras exibições do filme nem lançá-lo em DVD. ;É um projeto escolar. E não pretendemos acusar ninguém. Queremos apenas conhecer as versões do fato;, afirma Ana Carolina.

1 - COBERTURA POLÊMICA
Um dos temas investigados pelo filme Dê-me abrigo é a forma como a imprensa brasiliense cobriu o show do Mané Garrincha. Insatisfeita com o público, a banda abandonou o palco com 58 minutos de música, sem bis ou boa-noite. Após a apresentação, a cidade foi tomada pela insatisfação dos fãs, que chegaram a queimar discos do grupo. ;A imprensa foi muito passional. Acusou os artistas e esqueceu o resto: a polícia, o governo, os problemas de produção. O projeto do show nasceu cheio de incertezas;, observa Ana Carolina.


DÊ-ME ABRIGO
Documentário de Ana Carolina Bussacos, Jania Bárbara de Sousa e Beatriz Leal. Exibição única hoje, às 20h30, no Espaço Cultural da Anatel (Setor de Autarquias Sul). Entrada franca. Classificação indicativa livre.

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