postado em 12/08/2009 08:00
No ano em que o homem chegou à Lua, os Beatles miraram a estratosfera: se despediram dos fãs com Abbey Road, um dos maiores discos da carreira. A guerra incendiava o Vietnã quando os Rolling Stones lançaram Let it bleed, um álbum sangrento já no nome. Nos livros de história, o ano de 1969 é lembrado por avanços científicos, revoluções culturais e uma atmosfera de insegurança e paranoia. Época de contrastes: o planeta assombrado pela Guerra Fria viu o avanço da geração ;paz e amor;. A música pop espelhou a crise: em 1969, o rock explodiu em mil pedaços ; agonizou e renasceu. Acima de tudo, produziu um conjunto de obras-primas que, 40 anos depois, ainda provocam paixões à primeira audição.[SAIBAMAIS]É impossível definir uma tendência principal entre os tantos lançamentos que chegaram às lojas naquele ano. Muitos dos clássicos de 1969 se apegavam a estilos tradicionais (o country rock agregou bambas como Bob Dylan e The Band), enquanto outros apontavam decisivamente para o futuro. A gênese do punk está em discos do Stooges, do Velvet Underground e do MC5. O rock progressivo abria asas com o Yes e o Pink Floyd. O heavy metal começava a se formar ao som de Led Zeppelin. O rock britânico encontrava a faceta mais madura (com The Who e The Kinks) e o experimentalismo corria nas veias de Frank Zappa e do Captain Beefheart.
O Correio deixou com os fãs brasilienses a tarefa de comentar seis dos grandes discos lançados em 1969: Abbey Road, dos Beatles; Let it bleed, dos Rolling Stones; Led Zeppelin I e II, do Led Zeppelin; Nashville skyline, de Bob Dylan, e The Stooges, do Stooges. Eles são a prova de que o barulho de 1969 ainda ecoa alto no rock. Um ano que ainda não quer calar.
; ABBEY ROAD ; THE BEATLES
26 de setembro
No disco duplo de 1968 (a obra-prima conhecida como ;álbum branco;), os Beatles já soavam como uma banda em processo de dissolução. Abbey Road é o adeus do quarteto de Liverpool. No ano seguinte, lançariam Let it be, gravado poucos meses antes.
;É o meu favorito dos Beatles. É o disco mais elaborado da banda. Sempre fico em dúvida entre esse e o álbum branco, mas o Abbey Road é mais bem gravado. Ouvi o LP quando eu tinha 13 anos, em 1994. Estava na casa de uma amiga do meu pai. Eu já conhecia alguns discos da fase mais ingênua do grupo, como A hard day;s night (1964). E conhecia Come together (faixa de abertura). Mas era diferente. Naquele dia, fiquei ouvindo o disco até o fim. As pessoas não aguentavam mais e eu continuava ouvindo. Para mim, é a obra definitiva deles. Representa o canto de cisne dos Beatles. O álbum branco já apresentava a dissolução da banda, mas, em Abbey Road, você nota a tentativa consciente de um trabalho de equipe. Cada um trazia uma novidade. Minha favorita é You never give me your money. Nos shows, ela cria uma impacto bem legal. Pesquisei muito sobre o disco, conversei com pessoas, descobri bootlegs. É uma despedida.;
; LET IT BLEED ; ROLLING STONES
28 de novembro
Luiz Rabelo, 37 anos, vocalista da Cloning Stones. Para outubro, a banda planeja um show em homenagem a Let it bleed
Gravado durante quase todo o ano de 1969, o oitavo álbum dos Stones representa uma fase conturbada e brilhante ; para muitos, o auge dos ingleses. Uma parte das músicas foi gravada pelo guitarrista Brian Jones, morto em julho de 1969 e substituído por Mick Taylor.
;Let it bleed é o pontapé da fase que considero a melhor do Stones: o período da ;santíssima trindade;, ao lado dos discos Sticky fingers (1971) e Exile on Main St. (1972). Esses álbuns fizeram a ponte entre o blues, que é a base da música deles, e as características do rock mais moderno. É possível notar uma aproximação dos Stones com o country rock (na terceira faixa, Country honk), que foi uma influência grande do Gram Parsons, do Flying Burrito Brothers. Tem Gimme shelter e You can;t always get what you want, clássicos absolutos que eles sempre tocam nos shows. Foi um dos primeiros discos deles que ouvi, em 1987. Cheguei aos Rolling Stones nos anos 1980, com a onda do rock. Entrei de cabeça. Eu ouvia em casa, graças aos meus tios. O disco se chama ;Deixe sangrar;, e esse título tem tudo a ver com 1969. Foi o ano em que a contracultura encontrou o auge, com o Woodstock, e chegou ao fim com o show dos Stones em Altamont, onde um fã foi esfaqueado e morto pelo Hell;s Angels. O ano terminou em sangue.;
; LED ZEPPELIN I E II ; LED ZEPPELIN
12 de janeiro e 22 de outubro
Os primeiros discos dos britânicos foram gravados em pouco tempo, mas a mescla de estilos como blues e folk com guitarras distorcidas foi fundamental para a criação do heavy metal. Nos álbuns, as tradições do rock são interpretadas de uma forma singular.
;O primeiro disco do Led Zeppelin foi gravado rapidamente. Eles montaram a banda e saíram em turnê. O repertório é calcado em clássicos do blues com um som mais pesado. Um disco feito na raça, gravado em 30 horas, e que tem clássicos como Dazed and confused. Mostra o lado folk, blues e rock do Led. Um som tradicional, mas com peso. Led Zeppelin II tem sonoridade especial ; eles conseguiram condensar as distorções de guitarra sem abalar os ouvidos. É um som denso, como que um sonho. Eles buscavam sonoridades diferentes a cada álbum. O primeiro disco deles que ouvi foi o Led Zeppelin IV (1971), aos 14 anos. Era 1984. Para mim, era como se a música deles já estivesse nos meus antepassados, como se fizesse parte da minha família. Foi uma espécie de déjà vu. Não canso de ouvir. Me emociono cada vez que ouço.;
; THE STOOGES ; THE STOOGES
5 de agosto
A estreia do quarteto norte-americano liderado por Iggy Pop provocou estranheza: um álbum de rock poderoso e provocativo. Produzido por John Cale, do Velvet Underground, antecipou o punk rock dos anos 1970, o pós-punk dos 1980 e o ;novo rock; da geração 2000.
;Quando comprei o disco, eu tinha 16 anos e só ouvia rock nacional. Ele abriu um mundo para mim, mas demorei alguns anos para entendê-lo. Não é um álbum porrada do início ao fim. Foi o primeiro da banda que comprei, mas eu gostava mais de Funhouse (1970) e Raw power (1973). No início, eu achava o mais fraco da banda. Mas, quando você começa a entender o que eles queriam fazer, fica maravilhoso. Comparo ao primeiro do Velvet Underground (lançado em 1967). A produção do John Cale é bem elaborada para um disco que, em teoria, deveria soar cru. A genialidade da coisa é que eles não se basearam em nada: inventaram aquilo tudo. Só tem músicas fantásticas. Cada faixa leva o álbum para um lado. We will fall é uma música de 10 minutos, com vocal arrastado, um noise denso, pesado, que com certeza influenciou o pós-punk dos anos 1980. E ela é a terceira do disco! Um conselho que dou: se você baixou o disco e não gostou, deixe guardado. Um dia vai ouvir de novo e achar genial.;
; NASHVILLE SKYLINE ; BOB DYLAN
9 de abril
Humberto Viana de Queiroz, 37 anos, canta Dylan na banda Atacama
Depois de corromper o folk com guitarras elétricas, Dylan surpreendeu mais uma vez: mergulhou na tradição da música rural. Nashville skyline soa ainda mais leve e ensolarado que o anterior, o rústico John Wesley Harding (1967).
;Quando lançou o disco, o Dylan foi muito criticado. Diziam que ele estava cantando no estilo country. Mas as letras são típicas da poesia dele. Mesmo com as músicas de protesto, Dylan sempre falou de amor, das relações humanas. Todos os discos sempre têm um tom criticando a sociedade, os costumes e a atitude de algumas pessoas. Nashville skyline é um trabalho muito bom do começo ao fim, com canções bonitas como Lay lady lay. Na época, ele morava perto de onde foi realizado o Woodstock. Pensavam que ele ia aparecer no festival, mas uma das características dele é não fazer o que as pessoas esperam. Vivia numa área rural, e naturalmente se voltou para o folk e o country. Conheci a música do Dylan quando eu tinha 13 anos. Meu pai, que morava na cidade, me apresentou Beatles e Rolling Stones. Mas foi um primo meu, caminhoneiro, na Chapada Diamantina, que me mostrou uma coletânea do Dylan. Dos 40 discos dele, já tive 20.;