Diversão e Arte

Colecionadores de Brasília fazem de tudo para ter em suas residências o objeto do desejo

Nahima Maciel
postado em 13/08/2009 07:45

Colecionar obras de arte é um vício. Não chega a matar, embora possa debilitar bastante os bolsos e contas bancárias. Os colecionadores, no entanto, não gostam de falar em números. A maioria não contabiliza a quantidade de obras e praticamente todos evitam, com destreza, as perguntas sobre cifras. Como resposta, têm sempre prontas variações das sentenças que justificam suas coleções. Fazem tudo por gosto e não por dinheiro. Investimento? Acaba sendo, mas o ato de colecionar tem um objetivo anterior: saciar uma enorme vontade de possuir a obra de arte fonte de um encanto qualquer.

[SAIBAMAIS]O Correio pesquisou coleções particulares de Brasília para contar aos leitores como são construídas e como vivem seus donos. Nesse conjunto há um pouco de tudo. Quando se trata de arte contemporânea, os colecionadores estão dispostos a algumas loucuras. Vale construir uma reserva técnica no subsolo da casa, planejar o projeto de construção em função das obras ou até comprar uma casa projetada por um grande artista para abrigar família e coleção.

Alguns são mais tradicionais e preferem a arte brasileira produzida até os anos 1980, peças com liquidez e valor de mercado garantidos. Todos, no entanto, têm em comum uma certa devoção ao que consideram um verdadeiro compromisso com a produção artística brasileira. Acreditam estar estimulando a arte nacional e participando de um ciclo produtivo.

Compulsão

Advogado especializado em direito público, ele prefere manter o nome sob sigilo. Tem medo de ficar visado e confessa ter crediários a perder de vista em certos ateliês e galerias. A coleção inteiramente focada em arte contemporânea trouxe para a casa do advogado uma atmosfera particular. Instalações do cearense Eduardo Frota e do paraibano José Rufino se espalham pelo teto e paredes da casa no Lago Sul. Foram feitas sob encomenda e montadas pelo próprio artista, assim como os azulejos da gaúcha Regina Silveira na sala e na porta da residência. Lúcia Koch, outra gaúcha, fez um painel em backlight no saguão que separa os quartos. A peça fica ligada à noite e substitui luminárias comuns.

Dentro de casa: colecionador encomendou instalação de Eduardo Frota e painel de Lúcia KochAinda na sala, é possível encontrar Daniel Senise, um dos pintores mais contados da geração 1980, Delson Uchôa, também um cultuado artista, uma série de desenhos de Mauro Piva e objetos de Nazareno, cearense radicado em Brasília quando o advogado comprou a primeira obra da coleção, em 2000. "Dos artistas eleitos, tenho pelo menos uma individual", conta, ao enumerar nomes como Elder Rocha, Oriana Duarte, Delson Uchôa, Mauro Piva e Emmanuel Nassar. São dezenas de trabalhos ; "de 50 artistas", contabiliza o dono ; guardados numa reserva técnica em trainéis (arquivos gigantes) semelhantes aos usados por museus.

A intenção do advogado é um dia construir um centro cultural (1)para abrigar a coleção. Enquanto isso não acontece, o conjunto é alvo de projeto de exposição que concorrerá à pauta do edital da Caixa Cultural no próximo ano. "O legal do colecionismo é as pessoas poderem ver. Tem que mostrar", acredita o advogado, que não hesita em emprestar obras para exposições e só consegue comprar trabalhos depois de conhecer os artistas. "Minha preocupação hoje é a sacanagem do mercado de arte,(2). O artista só se ferra. É o único segmento em que o empresário, no caso as galerias, tem invariavelmente 100% de lucro em detrimento do artista. Coleciono desde 2000 e até hoje só três galerias me enviaram nota fiscal no valor integral da obra", reclama o advogado.

Casa planejada

O designer Fernando Bueno, 49 anos, confessa que construiu a casa de mais de 700m; no Lago Sul para abrigar a coleção. O apartamento ficou pequeno e Bueno queria um espaço adequado para dispor seu acervo, cujo número exato de obras ele desconhece. Anexo à casa, o designer ergueu uma galeria de 100m;, com entrada independente, espaço ideal para expor as peças mais queridas. No gosto de Bueno tem prioridade a produção contemporânea, com certo privilégio para artistas de Brasília, especialmente os iniciantes. "Tem muita gente da qual eu comprei os primeiros trabalhos", conta orgulhoso ao citar Lucas Gehre, Leopoldo Wolf, Taigo Meireles(3), e João Azevedo, todos radicados na capital. "Tenho essa visão de acreditar no artista."

Bueno prefere comprar os contemporâneos e, para isso, conta principalmente com a ajuda de galeristas. Mas nunca deixa de adquirir uma obra popular ou histórica da arte brasileira quando gosta. Foi assim com uma pintura de Eduardo Sued, com a série de seis desenhos de Athos Bulcão e com uma peça de Farnese de Andrade, perseguida em um leilão ao qual não esteve presente. "Não vou a leilões. Fico angustiado", diz. A verba para investir na coleção vem das fazendas de gado de corte da família do designer, mas ele garante que há vários atalhos para montar uma coleção sem grandes somas. "Hoje não é difícil ter um objeto, você consegue negociar descontos maiores, pagar em muitas vezes. As galerias passaram a ter interesse em vender mais. E em vez de gastar em coisas que vão se perder com o tempo, como roupas e perfumes, passei a gastar com coisas que vão ficar depois que eu morrer."


1 - PRESERVAÇÃO
Inspirado no Centro de Arte Contemporânea de Inhotim, o advogado sonha em criar um espaço cultural em parceria com um amigo. Em Inhotim, o empresário Bernardo Paz transformou sua fazenda de 600 hectares em uma reserva natural e um parque com exposição botânica e pavilhões para a coleção de 500 obras de arte contemporânea.


2 - COMÉRCIO
Geralmente, artistas são representados por galerias que ficam com 50% da venda da obra. Quando há desconto, segundo o colecionador, a percentagem é retirada da porção destinada ao artista.


3 - VALORIZADO

Formado na UnB, Taigo Meireles começou a ganhar o mercado de arte brasiliense em 2007. Uma releitura de um autorretrato de Rembrandt van Rijn conquistou os colecionadores, e os preços dos quadros de Meireles, na época com 21 anos, atingiram cifras de mercado nacional.

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